Padre Valdir João Silveira fala aos bispos do Brasil sobre condições do sistema prisional

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CAPA_VALDIR_CNBBDurante a realização da 54ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida (SP), a atuação da Pastoral Carcerária e a realidade das prisões no País foram apresentadas ao episcopado brasileiro em 14 de abril.
Junto a Dom Otacílio Luziano da Silva, bispo de Catanduva (SP) e referencial da Pastoral Carcerária, o Padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da PCr falou ao episcopado sobre as três maiores preocupações da Pastoral neste momento: o encarceramento em massa no Brasil, as tentativas de privatização do sistema carcerário, e as iniciativas para a promoção da Justiça Restaurativa. Abaixo, a íntegra dos tópicos apresentados aos bispos.
Encarceramento em Massa no Brasil
O Brasil já possui a terceira maior população carcerária do mundo. São mais de 700 mil pessoas presas. Enquanto países com altas taxas de encarceramento têm diminuído suas populações prisionais (entre 2008 e 2014: EUA menos 8%; China, menos 9%; e Rússia, menos 24%), o Brasil, nos últimos anos, teve um acréscimo de 33%. Para se ter ideia, entre 1990 e 2014, o País aumentou sua população carcerária em 575%. Todos esses números são do InfoPen, do Ministério da Justiça.
Nas cadeias brasileiras imperam todos os tipos de violação de direitos, maus-tratos e torturas contra as pessoas presas. A superlotação é regra, havendo casos de celas projetadas para 12 pessoas amontoarem mais de 50 (infelizmente, ainda há casos piores). Os atendimentos de saúde, de educação e de assistência jurídica são precaríssimos, mesmo sendo direitos estabelecidos pela Lei de Execução Penal (LEP). Vale destacar que praticamente metade da população carcerária é presa provisória 41%. E esta população quando julgada, 37% é inocente ou já pagaram o tempo estabelecido pela pena.
A alimentação é péssima e as condições da água, esgoto e saneamento básico em geral são extremamente problemáticas.
Em relação às mulheres presas, um dentre tantos descasos e violências é sobre a situação das mães e seus filhos. No caso de recém-nascidos, há inúmeros relatos de separação abrupta entre mães e filhos e, o que infelizmente não é raro, crianças entregues à adoção sem o consentimento (ou mesmo a ciência) das mães. Além disso, o acompanhamento das gestantes deixa a desejar e há pouca (às vezes nenhuma) estrutura de berçário nas unidades prisionais femininas. Esse contexto do encarceramento feminino é relevante uma vez que o aprisionamento de mulheres nos últimos anos é proporcionalmente superior em relação aos homens (entre 2000 e 2014 enquanto o crescimento da população carcerária masculina foi de 220%, o aumento do encarceramento de mulheres foi de 567%). 90% das mulheres são mães,
Todas essas mazelas e agressões à dignidade humana atingem majoritariamente uma parcela específica da população: pobres, negros, jovens e moradores das periferias economicamente empobrecidas. Revela-se, então, a seletividade do sistema penal, ou seja, do sistema de justiça criminal, da atuação das polícias e do sistema penitenciário. Tal seletividade também aparece em relação aos tipos penais: a imensa maioria das pessoas presas são acusadas ou judicialmente condenadas por crimes que não oferecem violência ou grave ameaça. Basicamente, furtos e comércio de drogas consideradas ilícitas.
Frente a esse brevíssimo resumo conjuntural, que tragicamente não dá conta de apresentar o que é o sistema carcerário pois é de uma violência sem tamanho, a Pastoral Carcerária Nacional tem atuado na defesa e na apresentação de propostas que contribuam para a urgente e imediata redução da população carcerária.
A superlotação das celas não é fruto do déficit de vagas no sistema, e o enorme número de pessoas presas é claramente fruto da seletividade penal e não de “altas taxas de criminalidade” (isso é argumento de “populismo penal”, como afirmou o Papa Francisco e o jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni). O problema está, como já dito, na seletividade penal e no encarceramento massivo dos pobres e rejeitados. O conjunto de propostas da PCr está na Agenda Nacional pelo Desencarceramento (https://carceraria.org.br/agenda-nacional-pelo-desencarceramento.html).
Dentre alguns pontos da Agenda (que precisa ser considerada em seu conjunto e na articulação entre todas as propostas), estão: a suspensão de qualquer gasto público para construção de novas unidades prisionais (o problema da superlotação, repetimos, não está no déficit de vagas); a aplicação, por parte da presidência da República, do indulto (conforme artigo 84 da Constituição), lembrando que o Papa Francisco exorta os países, neste Ano da Misericórdia, a promoverem uma grande anistia das pessoas presas; o cumprimento rigoroso e imparcial, neste momento, da Lei de Execução Penal; a implementação de políticas públicas para egressos/as (moradia, trabalho/emprego, saúde); remodelação dos Conselhos da Comunidade para que sejam efetivos instrumentos de monitoramento e fiscalização dos cárceres, com atuação de fato de famílias de pessoas presas e de egressos (as).
Contra a Privatização do Sistema Carcerário
Há um grande lobby defendendo a privatização do sistema prisional brasileiro. Tal proposta visa explorar e almejar lucros a partir da vida, da sensação de insegurança e de situações de violência. Se por um lado reduz a vida humana a mero objeto de lucro, por outro, se a privatização ocorrer, contribuirá ainda mais para o encarceramento em massa e para a ampliação do sistema prisional.
A Pastoral Carcerária Nacional emitiu, durante o ano de 2015, notas públicas e pareceres técnicos demonstrando as problemáticas sociais, econômicas e jurídicas de toda e qualquer proposta de privatização do sistema carcerário. Houve notas conjuntas com as demais pastorais sociais, movimentos e organizações sociais e especialistas da área da segurança pública e direitos humanos.
Fundamental foi a atuação da Comissão 8 que contribuiu para a publicação da Nota da CNBB contra a privatização do Sistema Prisional (datada de 25 de novembro de 2015), que foi essencial na atuação da PCr, em parceria com outras entidades, para barrar o PLS 513/2011 em uma comissão no Senado. Em relação a esse PLS, a PCr atuou ativamente durante meses, tanto na articulação da sociedade civil como no diálogo junto aos/às senadores/as, tendo apoio da Comissão 8, da Comissão Brasileira Justiça e Paz e da presidência da CNBB.
Justiça Restaurativa
O sistema judiciário é profundamente seletivo, classista e punitivo. Apostar no sistema de justiça criminal para a resolução dos conflitos sociais resulta em aprofundar o encarceramento em massa, e o encarceramento das parcelas social e economicamente marginalizadas. A criminalização, as cadeias e a justiça criminal não são naturais. São construções históricas e sociais. Há, com certeza, outras formas de lidarmos com os conflitos, de forma democrática, horizontal e comunitária.
A Pastoral Carcerária tem defendido a concepção e a aplicação de formas e procedimentos de justiça restaurativa. A justiça restaurativa não é um anexo ou um método dentro e absorvido pela justiça criminal. É uma forma justamente de não se cair na justiça criminal.
A PCr tem procurado difundir a justiça restaurativa tanto com a promoção de cursos da Escola de Reconciliação e Perdão (ESPERE) e de Práticas de Justiça Restaurativa como incentivando que as comunidades lidem com seus conflitos de forma comunitária, visando o perdão e a reconciliação.
Outros apontamentos
a) Mesmo que esteja previsto em lei, o sistema carcerário não tem e nunca teve o objetivo real de “reeducar” e “ressocializar”. Esta não é a sua intenção. Nenhuma prisão pode ser boa (pública, privada, terceirizada). Não há estatísticas reais sobre taxas de reincidência.
b) A superlotação do sistema carcerário não é decorrente do déficit de vagas em presídios, como alguns defendem. É fruto, sim, do encarceramento em massa (enquanto EUA, China e Rússia diminuíram suas populações carcerárias em 8%, 9% e 24%, respectivamente, entre 2008 e 2014, o Brasil observou um crescimento de 33%).
c) Se considerarmos como verdade que há muita insegurança e violências, então temos que admitir, seguramente e necessariamente, que a prisão não é eficiente para resolver tais problemas, pois o Brasil aumentou sua população carcerária, nos últimos 24 anos, em 575%.

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