Em Gericinó, no Rio de Janeiro, mulheres dos presos são ‘condenadas’ a violação íntima

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Os olhares de Maria das Dores e Perpétua do Socorro (nomes fictícios) comunicam um misto de cansaço, desesperança e indignação. Semanalmente para elas, no Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio de Janeiro, a Constituição “deixa de existir”.
A carta magna, em seu artigo 5º, inciso XLV, é explícita em afirmar que “nenhuma pena passará a pessoa do ondenado”, mas muitas marias e perpetuas são sistematicamente condenadas à revista vexatória pelo fato de serem familiares de presos.
Os detalhes desta violação sistemática, repudiada internacionalmente, condenável moralmente, foram ditos pelas duas em entrevista ao Site da PCr Nacional durante participação em um evento realizado pela Pastoral Carcerária. Por medo de retaliações para si e para seus entes encarcerados, elas pediram para não serem identificadas.
PCr Nacional – Vocês, no evento, denunciaram a recorrência da prática de revista vexatória no Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio de Janeiro. Como isso é feito?
Maria das Dores
– Nós, visitantes, passamos pelo scanner, mas mesmo assim quando elas [agentes penitenciárias] acham que tem alguma sombra [na imagem escaneada] ou algo do tipo, temos que ficar nuas, ou seja, a revista íntima continua como antes, igualzinho. Também os menores de idade passam pelo scanner, e as mulheres grávidas. Os presos não têm condições de higiene, por mais que a gente leve material de higiene pessoal e coletiva. Ali realmente a situação é precária e não podemos reclamar pois corremos o risco de perder nossa carteirinha de visitante. Por que quando a gente argumenta algo, eles dizem ‘me dê sua carteira’, mas nós só queremos saber o porquê da revista íntima se a gente passou pelo scanner. E se você não quer a revista íntima, é como se assumisse que tem algo errado dentro de você. No fim, a gente faz o que tem que fazer para poder ver nosso familiar.
PCr Nacional – Isso é recorrente, acontece em toda a visita?
Maria das Dores – Sim. Até quando estamos de protetor diário, temos que arrear a roupa para elas verem que é o protetor. Isso não é só em uma unidade, é em todo o complexo. Isso com homens também acontece. É uma coisa que eu acho desumana. Nós não cometemos crime algum, só queremos fazer nossa visita dignamente.
PCr Nacional – E como os presos reagem sabendo que vocês passam por isso?
Maria das Dores – Eles ficam indignados, acham um absurdo, mas a gente não tem onde reclamar. Adianta ir na Seap [Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro] e falar mal do funcionário deles? Não tem como. Por isso, a gente está lutando aqui fora pelo nosso direito como visitantes. Não pedimos nada além do que o direito de uma visita digna, com um mínimo de respeito.
PCr Nacional – Você também passa por essas situações?
Perpétua do Socorro – Sim, sofro a mesma coisa. A gente é escolhida para passar pelo scanner lá fora e é obrigada a passar de novo pelo scanner já dentro do complexo. Uma pessoa não pode ficar passando pelo scanner mais de uma vez por semana, mas a gente passa por isso toda a semana no dia de visita. A gente não sabe se isso não pode dar um problema de câncer depois, por exemplo. Tem outras coisas, como a gente ser esculachada por eles [agentes penitenciários]. Eles que mandam e não têm uma identificação para que possamos reclamar depois. Aliás, se a gente reclamar os prejudicados seremos nós e os internos.
PCr Nacional – Vocês já fizeram esse tipo de denúncia para alguma das autoridades do Rio de Janeiro?
Maria das Dores – Não, porque ninguém ouve. Ninguém tem interesse em saber sobre o que a família do preso está passando. Ah, tem mais uma coisa: se a gente leva uma lingerie, a funcionária sacode nossa lingerie na frente de um funcionário que é homem. Precisa disso? Se levamos absorvente, elas abrem e botam contra a luz.
Perpétua do Socorro – Fazem para constranger mesmo. É um constrangimento atrás do outro.
Maria das Dores – Mas você, sozinha, vai reclamar? Se reclamar já falam ‘me dá sua carteira’ e se perder a carteirinha pode ficar até 120 dias sem fazer visita. Então, você tem que engolir toda a situação, e no máximo, sentar e chorar depois. Só isso, porque não dá para debater com elas. Na verdade, a gente nem tenta medir forças.
PCr Nacional – E como faz depois: você chora na frente do parente preso?
Maria das Dores – Ah muito, muito mesmo. A gente evita de chorar na frente das agentes [agentes penitenciárias], segura o quanto pode, mas chegando perto dos presos a gente desaba em lágrimas, porque você tem vontade de falar, mas tiram nosso direito de fazer isso. É triste, mas é essa a realidade enfrentada por esposas, mães, filhas, pais e todos da família que tentam ir na visita. Mas foi o preso que cometeu o crime, não a família.
PCr Nacional – E isso acontece também com crianças e adolescentes?
Perpétua do Socorro – Sim, claro! Meu filho é adolescente, mas lá a revista dele é de como um homem. A revista é a mesma feita para um homem adulto. Tudo é feito para complicar, para deixar a gente revoltada.
PCr Nacional – Se a sociedade conhecesse melhor a realidade das prisões alguma coisa mudaria?
Maria das Dores – Eu acho que sim, porque hoje eles [a sociedade como um todo] criminalizam a família do preso, pensam que todos são bandidos, estão ali porque merecem, mas não é bem assim. Ali existe uma humilhação que ninguém merece passar.

(Entrevista concedida a Daniel Gomes/assessoria de imprensa da Pastoral Carcerária)

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