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A Pastoral Carcerária lança nesta sexta-feira (23), às 15 horas, na sede da CNBB em Brasília, o relatório Assistência Religiosa no Cárcere: relatório sobre restrições ao trabalho da pastoral carcerária.
A assistência religiosa à pessoa presa é um direito constitucionalmente garantido e se vincula à própria inviolabilidade de culto e crença, também prevista na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Além disso, as “Regras Mínimas para Tratamento de Pessoas Presas”, da Organização das Nações Unidas (ONU), a Lei de Execução Penal (LEP) e a Resolução 8/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) garantem o atendimento religioso às pessoas privadas de liberdade, não comportando qualquer tipo de cerceamento ou restrição. No entanto, mesmo com essas garantias legais, a assistência religiosa ainda é, muitas vezes, dificultada ou mesmo impedida.
O documento é resultado de uma pesquisa com 235 agentes da PCr de todo país, com exceção de Tocantins.
Com dados e depoimentos pessoais dos agentes (mantidos em anonimato), o relatório traça um panorama sobre diversos tipos de restrições que os agentes da PCr já vivenciaram ao visitar os presídios brasileiros.
“A justificativa [da suspensão da visita religiosa] sempre vem no ato da visita. O motivo, em geral, é para punir os presos por conta de falta que um deles cometeu.”
51,5 % dos agentes afirma que a unidade prisional que visitam já suspendeu a visita religiosa sem prévio aviso ou de forma arbitrária.
Além de ser uma forma de punição aos presos, o relatório analisa que “também não é incomum que a suspensão das visitas funcione como punição aos próprios agentes pastorais, por fazerem denúncias ou confrontar a administração prisional”.
Em se tratando de punir os presos ao negar a assistência religiosa, 34,9% dos agentes também disseram não poder visitar os presos nas celas de castigo; 37% são impedidos de acessar as celas de seguro; 36% de acessar as celas de inclusão; 31% de acessar as celas regulares e 24% de acessar as enfermarias.
“Às vezes quando conseguimos entrar já está na hora de sair.”
41,7% dos agentes acreditam que o tempo que a unidade prisional destina às visitas da Pastoral não é suficiente para anteder à demanda por assistência religiosa; 40% também afirma que o número máximo de agentes por visita não é suficiente.
“O tempo exíguo para assistência religiosa e o pequeno número de agentes da Pastoral Carcerária permitido por visita, diante da superlotação das prisões brasileiras, são um dos dados mais representativos da dificuldade para a realização desta missão. (…) O fato de não haver norma nacional estabelecendo estritamente o tempo e a equipe mínima para a realização da assistência religiosa, bem como a existência de realidades particulares em cada unidade prisional, todavia, não autoriza o Estado a decidir de forma discricionária e casuísta, ferindo princípios administrativos básicos”, diz o relatório.
“Quando tem missa é a unidade prisional que escolhe os internos [que participam].”
26% dizem que os presos que participam das atividades de assistência religiosa são selecionados pela direção das unidades, o que mais uma vez reforça um caráter de punição que se tenta dar à assistência religiosa.
“Uma das violações de direito mais escancaradas identificadas pela pesquisa é a instrumentalização da assistência religiosa pelas administrações prisionais para fins de disciplina. (…) Conforme destacado anteriormente, não há hipótese legal de suspensão da assistência religiosa e tanto as pessoas presas com bom ou mau comportamento podem e devem receber assistência religiosa, se assim desejarem. A mesma lógica se aplica à assistência jurídica, material e de saúde, que não podem ser negadas pela administração prisional sob qualquer justificativa, muito menos com base em questões disciplinares e de caráter comportamental”.
“Não é permitida a entrada de terço, livros de cânticos e até mesmo, eventualmente, se proíbe de rezar o terço.”
A proibição da entrada de itens religiosos com o objetivo de celebrar missas, como terço, bíblias e vinho de missa, já afetou 28,5 % dos agentes que responderam a pesquisa.
“Beira o escárnio e a discriminação religiosa confundir o vinho de missa, item essencial para o Sacramento Eucarístico, com bebidas recreativas que têm sua entrada proibida no cárcere. Da mesma forma, impedir a utilização e distribuição de Bíblias, ou qualquer outro livro religioso, é um arbítrio inaceitável. Todos os itens necessários ao pleno exercício da assistência religiosa, inclusive em sua dimensão humanitária, como papel e caneta, essenciais para a organização dos trabalhos e registro de informações, devem ser permitidos aos representantes religiosos, com o devido resguardo de sua privacidade”, analisa o relatório.
“Fui 15 VEZES [ao local de cadastramento] e demorou um ano e seis meses.”
A burocracia e lentidão para o cadastramento de novos agentes é outro problema enfrentado, que muitas vez faz com que potenciais voluntários da Pastoral desistam. 55,3% dos agentes acredita que o cadastro de novos agentes é muito burocrático e demorado.
“Somada à burocracia, tal demora para realizar o cadastramento, que no caso mais extremo registrado chegou a dois anos de espera, é fator de desestímulo para o trabalho. Em determinados casos, isso configura concretamente obstáculo ilegal à realização da assistência religiosa”, frisa o documento.
“Fomos intimados a justificar por que [fizemos uma denúncia] sem prévio aviso à unidade.”
17,9% dos agentes que responderam a pesquisa relatam terem sofrido represálias e ameaças por contas de denúncias feitas após as visitas.
“(…) muitos [agentes] deixam de dar encaminhamento para denúncias por receio de retaliações, principalmente por parte de agentes do Estado. Tais ameaças e represálias, que variam do tratamento descortês à violência explícita, não podem ser aceitas, toleradas ou deixadas sem resposta em hipótese alguma – uma vez que geram impactos profundos sobre toda organização, difundindo medo, afastando membros e restringindo o trabalho, especialmente de defesa da vida e da dignidade das pessoas encarceradas”, afirma o relatório.
“Não consigo esquecer o dia 12 de outubro, dia da Nossa Senhora Aparecida, que fomos impedidas de entrar na unidade prisional e [outras igrejas] fizeram as visitas normalmente.”
40% dos agentes considera que o trabalho da Pastoral é discriminado, e que outras igrejas são privilegiadas, podendo entrar quando a pastoral é barrada, ou tendo muito mais tempo dentro das prisões do que a Pastoral.
Segundo o relatório, “pelos relatos colhidos na pesquisa e diante da experiência histórica da organização, tal prática discriminatória especificamente contra a Pastoral Carcerária parece estar diretamente relacionada com sua postura combativa e sua perspectiva de assistência religiosa indissociável do trabalho humanitário e de promoção integral do ser humano”.
“A forma como agentes [penitenciários] passaram o material metálico tocando e alisando a gente, e o fato do agente homem passar em mulher [é reprovável].”
O último ponto da pesquisa foi o da revista vexatória ou invasiva. 17,4% das respostas afirmavam já ter sofrido revista vexatória ou invasiva para entrar em um presídio.
“A revista vexatória é um procedimento cruel e desumano de revista corporal, que pode envolver desnudamento, contato físico invasivo, toque nas genitálias e agachamentos. Apesar de notoriamente ineficiente para impedir a entrada de objetos ilícitos nas prisões, de violar a dignidade humana, de ser proibida em diversas legislações estaduais e de ser condenada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a revista vexatória permanece sendo amplamente utilizada nas prisões brasileiras como instrumento de humilhação, intimidação e controle de visitantes. O número surpreendentemente alto de agentes pastorais que já passaram por este tipo ilegal de procedimento, apesar de possuírem melhores condições de contestação e resistência em relação aos familiares de pessoas presas, demonstra a urgência da erradicação desta forma vexatória de revista”, diz o relatório.
Após a exposição dos dados e relatos, o relatório conclui recomendando aos órgãos públicos que apure os casos de restrições ao atendimento religioso e que se respeite a dimensão humanitária do atendimento religioso.