Paulo Cesar Malvezzi Filho e Valdir João Silveira*
O recente ciclo de massacres no sistema prisional, que teve início em Manaus, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, administrado por uma empresa privada, deixou um saldo de dezenas de mortos, e trouxe à luz o que já era de conhecimento de praticamente todos que conhecem as masmorras brasileiras: a privatização de presídios não traz qualquer benefício.
Tema de raro consenso, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, sindicatos de agentes penitenciários, organizações de defesa dos direitos humanos, o Departamento Penitenciário Nacional, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e até o insuspeito Banco Mundial têm questionado fortemente as iniciativas de privatização nessa área.
Como deixou clara a tragédia manauara, e conforme já havia sido apontado em estudo da Pastoral Carcerária Nacional de 2014, unidades privatizadas não promovem um ambiente prisional mais humano, não geram qualquer vantagem econômica, e ainda agregam mais problemas a um sistema em permanente colapso. A maior dificuldade para fiscalizar as prisões privadas, bem como alta rotatividade de funcionários em razão do treinamento precário e da baixíssima remuneração, tornam ainda tais unidades verdadeiras bombas-relógio.
Além disso, a privatização prisional torna o Estado refém dos serviços prestado por empresas, que por sua própria natureza estão sujeitais à falência e todo tipo de instabilidades. Não é por menos que, apesar das cenas de horror que circularam o globo, o contrato da empresa que administra o Complexo Anísio Jobim foi renovado, sob a justificativa do governo estadual de que não há “outro sistema para implantar agora”.
De forma ainda mais perigosa, a privatização prisional favorece o surgimento de relações espúrias entre empresas e facções, e fortalece o lobby dos grupos econômicos que atuam junto à parlamentares, gestores públicos e mídia para promover políticas de encarceramento em massa, cujos resultados sociais desastrosos contrastam com o aumento dos seus lucros.
Na própria PPP (Parceria Público-Privada) de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, estruturada como uma peça de marketing, onde o Estado deposita apenas os presos que considera “menos problemáticos”, e discriminatoriamente respeita o limite de lotação da unidade, enquanto presídios públicos precisam administrar até 300% de lotação, abundam denúncias de violências e violações de direitos.
Sob todos os aspectos, a privatização prisional é equivocada e lesiva para os presos, trabalhadores e para a sociedade. Depois de Manaus, não temos mais o direito de embarcar nesta fantasia.
Paulo Cesar Malvezzi Filho – Assessor Jurídico da Pastoral Carcerária Nacional
Valdir João Silveira – Coordenador da Pastoral Carcerária Nacional
*Artigo publicado originalmente na revista Mundo e Missão de junho/julho de 2017