Por Fernando Caulyt
Da DW Brasil
Há pouco mais de um ano e meio, em janeiro de 2017, a guerra de facções criminosas em prisões brasileiras expôs a fragilidade do sistema prisional e chamou a atenção mais uma vez para um dos principais problemas dos presídios brasileiros: a superlotação. Naquele mês, mais de cem presidiários foram mortos durante rebeliões em Manaus (AM), Roraima (RO) e Alcaçuz (RN).
Segundo um estudo divulgado nesta segunda-feira (10/09) pela Pastoral Carcerária, o Brasil possui mais de 725 mil pessoas presas, ficando atrás apenas da China (1,6 milhão) e dos EUA (2,1 milhão) em população carcerária. As prisões do país têm uma taxa de ocupação de 200% – ou seja, elas têm capacidade para receber somente a metade do número de presos.
“Mesmo a construção massiva e presídios desde os anos 1990 não foi capaz de dar conta dos enormes contingentes de pessoas presas no país no período”, diz Rodolfo Valente, pesquisador da Pastoral Carcerária e responsável pelo relatório. “O aumento da taxa de encarceramento é tão intensa que o quadro de superlotação, na verdade, tende a se agravar, a despeito dos muitos presídios inaugurados regularmente e que, na realidade, só fazem fomentar ainda mais a banalização das prisões e de suas barbáries.”
Intitulado de Luta antiprisional no mundo contemporâneo: um estudo sobre experiências de redução da população carcerária em outras nações, o relatório afirma ainda que o país é o único, entre as seis nações que mais encarceram no mundo (EUA, China, Brasil, Rússia, Índia e Tailândia), que mantém um ritmo intenso e constante de crescimento das taxas de encarceramento desde os anos 1980.
De acordo com o estudo, existe a estimativa de que exista mais de 11 milhões de pessoas presas em todo o mundo. E a soma da população prisional dos dez países que mais aprisionam (EUA, China, Brasil, Rússia, Tailândia, Indonésia, Turquia, Irã e México) corresponde a mais do que 60% desse total.
Dos anos 1990 até o período entre 2000 e 2010, muitos países decidiram expandir exponencialmente o número da população presa. Para cada 100 mil habitantes, os EUA aumentaram sua população carcerária de 457 para 755; a China, de 105 para 121; a Rússia, de 473 para 729; a Inglaterra, de 90 para 153; a França, de 76 para 114; a Alemanha, de 74 para 96; a Argentina, de 62 para 168; o Chile, de 153 para 320; entre outros.
Porém, nos últimos 15 anos, alguns países têm se movimentado para frear o crescimento do número de presos e promover ações para reduzi-la. Os EUA, por exemplo, reduziram os 2,3 milhões em 2008 para os atuais 2,1 milhões – somente o estado da Califórnia foi responsável por cerca de um quarto desta redução.
Na Europa, entre 2000 e 2015, a população carcerária foi reduzida em 21%, em um processo parcialmente ligado à crescente influência de inúmeras decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos contra tratamentos desumanos e degradantes e pela redução do número de presos como medida imediata de enfrentamento à superlotação.
No mesmo período, porém, nas Américas, houve um aumento de 40% dos presos – um crescimento influenciado pelo alto ritmo de crescimento da população carcerária no Brasil: entre 2000 e 2015, enquanto os EUA aumentaram em 14% sua população carcerária, no Brasil houve uma alta de aproximadamente 170%.
Experiências de Rússia, Portugal e Chile
O relatório destaca as experiências de redução da população carcerária – ou a contenção do crescimento – de Rússia, Portugal e Chile, além do estado da Califórnia, nos EUA.
A Rússia diminuiu a população prisional de 1 milhão de presos em 2000 para cerca de 595 mil em 2018 – ou seja, para cada 100 mil habitantes, de 729 para 411 pessoas. A redução foi impulsionada pela política do governo Vladimir Putin de concessão de “anistias amplas” (incluindo até mesmo pessoas que foram processadas, mas não ainda sentenciadas); de reformas na legislação penal e processual vedando a prisão para crimes de pequena e média gravidade; e pela ampliação da aplicação de medidas cautelares e penas não restritivas de liberdade.
Já o Chile decidiu reduzir a população carcerária após duas tragédias: os incêndios nas penitenciárias de Colina II (2009) e San Miguel (2010), que mataram, respectivamente, dez e 81 pessoas. Contratada pelo governo chileno, uma consultoria internacional mostrou que o sistema do país não respeitava minimamente as normas básicas para a manutenção de prisões e que o sistema penal era demasiadamente punitivista, sendo que a maior parte da população carcerária estava presa por delitos contra o patrimônio.
Como soluções, o governo do país adotou várias medidas para reduzir a população carcerária, como um indulto geral de 2012, o maior da história do Chile, para 6.616 presos; a simplificação dos trâmites para a concessão de liberdade condicional; a substituição das penas de prisão menores do que um ano por medidas alternativas; e a redução da pena usando como base o bom comportamento.
Portugal adotou mudanças na política de drogas e descriminalizou, em 2001, o porte de todas as drogas para consumo pessoal; e realizou uma reforma penal em 2007, dando a possibilidade da suspensão da pena de prisão para sentenças de até cinco anos. As mudanças fizeram com que a população carcerária diminuísse entre 2002 (133 presos por 100 mil habitantes) e 2008 (102 a cada 100 mil). Porém, o país retomou o crescimento de presos até 2014 (135 a cada 100 mil) e, desde então, se manteve estável. O país possui 129 pessoas presas por 100 mil habitantes.
Possíveis saídas para o Brasil
Para especialistas, o Brasil deve diminuir o número de presos para evitar tragédias como rebeliões e mortes de detentos e agentes de segurança em cadeias. Entre as medidas estão a diminuição de presos provisórios que cometeram crimes sem gravidade e que poderiam esperar pelo julgamento em liberdade.
Segundo o relatório da Pastoral Carcerária, quase metade dos 725 mil detentos brasileiros não têm condenação definitiva, mais da metade estão presos por crimes não violentos e mais de 70% estão nas penitenciárias devido a crimes contra o patrimônio ou pequeno comércio ilegal de drogas.
Outra medida seria a aplicação de mais penas alternativas, que atualmente são previstas para condenações de até quatro anos e não são aplicadas com muita frequência em casos envolvendo o tráfico de drogas. Além da revisão da Lei de Drogas de 2006, que é uma das principais responsáveis pela superlotação das prisões brasileiras pelo fato de endurecer as penas para pequenos traficantes que nem sempre representam perigo à sociedade.
“A mudança na Lei de Drogas é particularmente muito importante, porque um terço de todos os presos está nas cadeias por causa do tráfico de drogas”, diz Michael Mohallem, professor de direitos humanos da FGV. “Quanto às mulheres, particularmente, esse percentual passa de 60%, e muitas delas estão presas atendendo uma imposição ou pedido para levar drogas para o companheiro no presídio.”
Ele afirma, ainda, que para colocar em prática as três medidas não é necessário realizar reformas profundas. “Mexer com direitos dos presos, que é uma plataforma correta, é uma agenda complicada no país. Ela é inclusive um contrassenso para os políticos, que podem até perder voto por causa disso”, frisa.
Valente, da Pastoral Carcerária, afirma que não há nenhuma ilusão de que a adoção de uma ou outra medida parcial resolverá o problema do encarceramento massivo e da superlotação. “O mote da agenda [da Pastoral Carcerária e de outros movimentos] é pela redução substancial da população carcerária. Não se trata de reformar prisões, mas de extingui-las”, conclui.