Barrar lei que cria exceção para guarda penitenciário e agente prisional é barrar plano de revogação aos poucos do Estatuto do Desarmamento.
Mesmo nos Estados Unidos, a posse e o porte de armas estão em xeque. No país em que é direito constitucional histórico possuir armamentos, há intenso debate sobre a necessidade de se impor limites a um costume arraigado na sociedade. Para isso, foi necessária mais uma sucessão de massacres facilitados pelo livre acesso a arsenais por parte de pessoas desequilibradas.
Enquanto isso, no Brasil, há quem queira percorrer o caminho inverso, mesmo que o país, ao aprovar em 2003 o Estatuto do Desarmamento, tenha experimentado quedas substanciais na violência. Em boa medida, devido ao recolhimento voluntário de armas junto à população, incentivado por campanhas, pelas dificuldades criadas ao acesso a armamentos, e punição para as transgressões.
Estima-se que apenas no primeiro ano de vigência do Estatuto 5 mil vidas tenham sido poupadas. Há, porém, grande resistência ao desarmamento movida por políticos apoiados pela indústria de armas, bastante ativa nas exportações — e nos plenários.
A estratégia parece ser revogar o Estatuto aos poucos, por meio da criação de exceções à proibição ampla ao acesso a armas. No início do mês, uma lei do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) — dessas tentativas de abrir brechas no Estatuto — foi vetada pela presidente Dilma, “por contrariedade do interesse público”. Não há o que discutir.
A lei autorizava agentes penitenciários e guardas prisionais a portar armas fora do serviço. É assim, de categoria profissional em categoria profissional, que se esvazia o Estatuto. O governo precisa ser irredutível e continuar a vetar qualquer tentativa de criação de “casos especiais” na legislação. Feita uma concessão, será difícil barrar as seguintes.
E assim há o risco de voltarem a crescente circulação de armas nas ruas e os arsenais domésticos. Aumentará, mais uma vez, o número de casos de homicídios em discussões banais de trânsito, brigas de vizinhos e em família. Quanto menos pessoas armadas, melhor. A afirmação evidente é comprovada por incontáveis exemplos. No Brasil, na realização das primeiras campanhas de desarmamento, foi constatada a redução da violência em geral, com menos atendimentos de feridos a bala pela rede hospitalar. Na Austrália, depois de um massacre, em 1996, num bar, armas foram recolhidas e proibidos armamentos automáticos e semiautomáticos. E as mortes caíram em 43%.
É um equívoco querer importar para o cotidiano das pessoas a teoria da “dissuasão nuclear”, pela qual a paz no mundo era garantida na Guerra Fria pelos crescentes estoques de mísseis dos dois lados. Permitir a população se armar é facilitar tragédias. Até a maioria dos americanos, mostram pesquisas, já entenderam. O Brasil não pode recuar depois de ter feito o que parecia impossível, aprovar o Estatuto.
(editorial do jornal O Globo – 31//01/13).