Rede 2 de outubro realiza “Fórum pelo fim dos massacres” no próximo sábado (25)

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Recentemente, o movimento social “Mães de Maio” começou a recolher assinaturas, na internet, pela “Desmilitarização das polícias do Brasil”. O documento já foi subscrito por mais de quatro mil pessoas. Esse ideal veio na esteira de uma onda de violência na cidade de São Paulo. O Instituto Sou da Paz realizou, então, um estudo para entender de onde vinham as pessoas assassinadas em conflitos com a Polícia Militar,  e concluiu que 93% dos mortos eram oriundos da periferia da capital paulista.
Para debater o que chamam de “extermínio da juventude”, a Rede 2 de Outubro, realiza o “Fórum pelo fim dos massacres”, no próximo sábado (25), às 10h, na rua Serra da Bocaina, 381, Belenzinho, zona leste de São Paulo.
Padre Valdir João Silveira (Pastoral Carcerária), Carol Catini (Rede Extremo Sul), Roberto Luiz Corcioli Filho (Associação Juízes para a Democracia) e Fernando Cruz (Rádio Várzea) falarão sobre: militarização da gestão pública; sistema judicial; sistema prisional e mídia e cultura de violência.
SPressoSP conversou com Rodolfo Valente, integrante da Rede 2 de Outubro, organizadora do debate, sobre os assuntos que culminaram na organização do evento. Confira a entrevista, na íntegra.
SPressoSP –  O que significa ter, hoje, 30 coronéis nas 31 subprefeituras da cidade de São Paulo?
Rodolfo Valente –
 Significa que estamos em um estágio avançado de militarização da sociedade e da gestão pública. Esses coronéis levam consigo a lógica militar da guerra, e é a partir dessa lógica que gerenciam os problemas das regiões nas quais estão circunscritos. Essa militarização, que é legado direto de uma ditadura militar ainda não descortinada, permeia os diversos espaços urbanos, mas é mais sentida na periferia, onde, cada vez com mais intensidade e violência, problemas sociais são resolvidos à base da criminalização e da truculência policial. É nesse contexto que vemos a ascendente criminalização de movimentos sociais pela moradia, os violentos despejos, a série de massacres à população jovem e negra da periferia, a crescente intervenção da polícia militar em pequenos conflitos entre adolescentes nas escolas públicas, os obscuros e regulares incêndios em ocupações populares, e por aí vai. Apesar de a periferia ser a mais afetada, também as pessoas pobres da região central são assoladas por essa política. Estão aí a “Operação Dor e Sofrimento”, na Cracolândia, as pancadarias promovidas pela Polícia Militar em grande parte das manifestações de rua e a abordagem extremamente violenta e ilegal da GCM a moradores de rua e a camelôs. A militarização, que rapidamente se intensifica na cidade de São Paulo, tem, em última análise, a função de controle e contenção total de qualquer insurgência provinda das periferias.
SP – O judiciário brasileiro é conivente com os abusos cometidos pelas polícias nas ruas?
RV –
 O judiciário não apenas é conivente como legitima esses abusos. De um lado, juízes e promotores, quando mantêm a prisão e condenam as pessoas mais vulneráveis dessa cidade, ainda que as provas sejam escassas e muitas vezes derivadas de torturas, contribuem diretamente para o alto grau de seletividade penal e de violência policial com que convivemos. De outro lado, esses mesmos juízes e promotores são completamente desinteressados quando a eles chegam denúncias de tortura e de execuções perpetradas por policiais. Ainda que haja indícios claros de tortura ou de execução, preferem arquivar as investigações por entenderem que não há provas. É uma clara opção política que atende a interesses econômicos dos pouquíssimos de sempre, cujas riquezas são, em menor ou maior grau, produto desse sistema que lança os excluídos ao sistema prisional, ignora os crimes de policiais contra os mais pobres e dá de ombros para a criminalidade do colarinho branco.
SP – A tortura se tornou uma política comum no modus operandi da polícia?
RV-
 A tortura faz parte da cultura policial no Brasil desde a invasão portuguesa. Especialmente em São Paulo, bem se sabe da história das incontáveis torturas perpetradas contra índios e escravos e que se seguiram, desde a República Velha, contra os mais pobres, os negros formalmente libertos e os movimentos sociais. A Ditadura Militar, que levantou uma enorme e complexa estrutura de repressão, marca o aprofundamento dessa cultura de tortura. Essa estrutura repressiva ainda subsiste. Junto com ela, a naturalização da tortura nas práticas policiais que, até hoje, com os anos de chumbo ainda cobertos e impunes, segue em vigor.
SP – Apesar do aumento do efetivo militar e da truculência na ação da polícia, os índices de violência só aumentam. O que está errado?
RV –
 Não precisamos de mais policiais na rua. Esse discurso é falacioso e escamoteia as reais intenções que motivam a defesa do aumento do efetivo militar. A Polícia Militar é justamente aquela em relação à qual a população periférica fica mais vulnerável, vez que opera nas ruas e aborda, em regra, os mesmos de sempre: pobres, jovens e negros. O crescimento do efetivo da Polícia Militar, nesse contexto, serve ao interesse de acuar, ainda mais, aquela população que menos tem acesso aos mais essenciais direitos humanos. Em um contexto de profunda desigualdade, é óbvio que o fortalecimento e o embrutecimento da Polícia Militar em lugares onde deveria haver promoção de direitos básicos só fará recrudescer a violência.
SP – Uma polícia desmilitarizada é o desejo de alguns setores da sociedade. O que você pensa sobre isso?
RV –
 Penso que é um primeiro passo e ele é fundamental. Obviamente, não basta trocar o nome. A GCM, por exemplo, não faz parte das Forças Militares e tem práticas tão militarizadas quanto às da PM. A desmilitarização tem que se refletir em mudanças reais no sentido de mudar a concepção de uma polícia de guerra para uma polícia minimamente comunitária e, na medida do que é possível em uma sociedade forjada na violência estrutural, a serviço da população mais vulnerável. Para além da desmilitarização, precisamos também pensar em formas efetivas de controle popular das polícias. Obviamente, a polícia, assim como todas as instituições ditas públicas, tende sempre a ser instrumentalizada pelas classes dominantes e, justamente por isso, não dá para vislumbrar mudanças profundas sem protagonismo popular. A atual campanha pela desmilitarização da polícia, encampada por movimentos populares de peso, como as Mães de Maio, em pouco tempo atingiu 4 mil assinaturas e segue a todo vapor. Apenas a partir da mobilização popular podemos concretizar essa caminhada de resistência ao militarismo e à violência estatal.
SP – Recentemente, os paulistas acompanharam uma onda de violência nas periferias. Que tipo de ação o “Fórum pelo fim dos massacres” vai propor para modificar esse cenário?
RV –
 O Fórum é uma chamada pública ao debate crítico das questões que envolvem o Massacre do Carandiru e que até hoje são determinantes dos diversos massacres que ocorrem cotidianamente. Quando a sensação de insegurança cresce, o Poder Público, invariavelmente, responde com ações de criminalização da pobreza, de encarceramento em massa, de militarização da gestão pública, de extermínio, entre outras soluções mágicas. Partimos do pressuposto de que essas respostas, longe de resolver a situação, na verdade a agravam. O “Fórum pelo fim dos massacres”, nesse momento, deve encaminhar propostas no sentido de frear drasticamente as ações de repressão, sobretudo o processo avançado de encarceramento em massa, de militarização e os sucessivos extermínios policiais, e de fortalecer politicamente as comunidades periféricas com a construção de instrumentos capazes de garantir a participação popular no controle das instituições do Poder Público.

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