O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária levantou na quinta-feira, 28 de março, preocupações sobre o uso excessivo da privação de liberdade e as deficiências na prestação de assistência jurídica eficaz às pessoas presas e detidas. Segundo os peritos, privar as pessoas de sua liberdade é o recurso mais comum utilizado no país, tanto em termos de detenção administrativa quanto no sistema de justiça criminal.
“Existe uma cultura do uso de privação de liberdade como a norma e não como uma medida excepcional reservada para delitos graves, conforme exigido pelas normas internacionais de direitos humanos”, disse o especialista em direitos humanos Roberto Garretón ao final da visita oficial de 10 dias ao Brasil.
“Na maioria dos casos criminais, medidas alternativas para detenção não foram aplicadas mesmo nos casos de infrações mais leves”, disse o integrante do Grupo de Trabalho, observando que pequenos delitos como roubo podem resultar em detenção. Atualmente, o Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, com cerca de 550 mil pessoas, das quais 217 mil estão em prisão preventiva.
A dificuldade dos pobres no acesso à justiça foi um tema recorrente durante a visita. A maioria dos que estão em prisões do Brasil são pobres e não podem pagar por uma assistência jurídica eficaz. A assistência jurídica gratuita oferecida por defensores públicos pareceu ser a única opção disponível.
No entanto, observaram os especialistas, o número de defensores públicos no país é severamente inadequado. Os detidos muitas vezes se reúnem pela primeira vez com o defensor público apenas no tribunal na ocasião de uma audiência. Estados como Santa Catarina, Paraná e Goiânia não têm nenhum defensor público.
“Em um país onde a maioria dos presos é pobre e não pode pagar por advogados de sua escolha, é extremamente preocupante que não haja assistência jurídica suficiente disponível para aqueles que precisam”, disse Garretón.
“Encontramos inúmeros casos onde os detidos foram presos, levados para a detenção e tiveram que esperar meses para ver um defensor público”, disse Vladimir Tochilovsky, o outro membro da delegação do Grupo de Trabalho, ressaltando que a longa detenção pré-julgamento também é um problema sério no Brasil. “Ainda pior, alguns esperaram anos antes que eles pudessem ter um julgamento e descobrir quais eram as acusações contra eles”.
A necessidade de proteger com rigor o direito dos detidos a um julgamento justo, e também o direito de ser apresentado rapidamente a um tribunal, foi constantemente levantado pelo Grupo de Trabalho em toda a visita.
O Grupo de Trabalho também expressou sérias preocupações sobre prisões e confinamento compulsório de dependentes de drogas. Isso muitas vezes envolvia usuários de drogas jovens, pobres e desabrigados que foram presos, alegadamente em um esforço para “limpar” as ruas. Pressões para reforçar estes tipos de prisões estariam ocorrendo, segundo os relatos, devido aos grandes eventos que o Brasil sediará, como a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016.
O Grupo de Trabalho advertiu contra prisões feitas com base em discriminação. Também levantou questões em relação à detenção de adolescentes e pessoas com doença mental. O Grupo pediu ao Governo para garantir que a privação da liberdade em todas essas situações esteja em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos.
Durante a sua primeira visita oficial ao Brasil, de 18 a 28 de março de 2013, o grupo de especialistas independentes designados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar alegações de privação arbitrária de liberdade visitou várias instalações de detenção, incluindo prisões, delegacias, centros de detenção para migrantes e instituições psiquiátricas.
A Delegação do Grupo viajou para Campo Grande, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo, além de Brasília, onde se reuniu com as autoridades competentes do Executivo, Legislativo, órgãos judiciais nas esferas federal e estadual, bem como organizações da sociedade civil.
A delegação foi composta por Roberto Garretón (do Chile) e Vladimir Tochilovsky (da Ucrânia). Os outros três membros do Grupo de Trabalho são El Hadji Malick Sow (do Senegal), que é o Presidente-Relator; Shaheen Sardar Ali (do Paquistão), que é a Vice-Presidente; e Mads Andenas (da Noruega).
O Grupo de Trabalho vai apresentar o seu relatório sobre a visita ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2014.
A antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU estabeleceu este Grupo de Trabalho em 1991 para investigar alegações de privação arbitrária de liberdade. Seu mandato foi prorrogado em 1997, para cobrir a questão da custódia administrativa de imigrantes e de requerentes de asilo. O Conselho de Direitos Humanos prorrogou o mandato do Grupo de Trabalho para um período de três anos em 30 de setembro de 2010.
Leia a íntegra da declaração do Grupo de Trabalho da ONU após a visita ao Brasil
Fonte: ONU Brasil