“Às 8 horas, Chegamos e nos deparamos com uma cena dantesca: um homem jogado no chão sujo, amarrado com algemas numa barra de ferro chumbada na parede interna do corredor desde as 22 horas do dia anterior. Quando saímos da unidade, às 10 horas, já eram dois os algemados na barra de ferro, sem serem ouvidos; estavam expostos a todas as pessoas que entravam na DP”.
O relato de Geraldo Soares Wanderley, coordenador da Pastoral Carcerária no Rio Grande do Norte, na visita que realizou ao CDP de Pau dos Ferros, no oeste potiguar, em 1º de março, ilustra o descaso a que são submetidos os detentos nas unidades prisionais desta cidade e também em Assu, onde os agentes da pastoral estiveram em 28 de fevereiro.
Na visita a cinco celas do CDP de Pau dos Ferros, houve a constatação de superlotação e de presos idosos sujos com fezes por estar sem tomar banho há meses, além de relatos de não realização dos banhos de sol, de espancamentos na prisão ou durante os processos interrogatórios, de falta de acesso à Justiça e de escassos atendimentos de saúde. “O mais grave é o fato de haver ali alguns internos com problemas mentais, que surtam de vez em quando”, contou Wanderley. “Há internos com problemas psiquiátricos, com ataques convulsivos que pensam não vão mais voltar à vida”.
Ainda em Pau dos Ferros, no presídio regional, houve resistência da direção do presídio para que a pastoral conversasse com os presos. Há denúncias de maus tratos, com práticas de tortura, e tentou-se barrar a entrada, sob a alegação da falta de segurança do presídio. Após insistência, Wanderley foi autorizado a falar com os presos, mas não nas celas.
Os detentos confirmaram as situações de espancamento, castigos com spray de pimenta e a obrigatoriedade de permanecerem nus no pátio, debaixo do sol, e destruição de seus objetos pessoais nos procedimentos de revista. Alguns chegaram a mostrar as marcas da violência que carregam no corpo: projéteis e costelas quebradas.
No CDP de Assu, em visita realizada em 28 de fevereiro, a realidade encontrada não foi diferente: superlotação, falta de acesso à Justiça, denúncias de maus tratos e constatação de péssimas condições sanitárias. Na cela dos presos “mais problemáticos”, como é conhecida pelos agentes penitenciários locais, os detentos reclamaram da violência a que são submetidos e aos castigos coletivos que recebem, incluindo spray de pimenta pelo corpo.
Mobilizações para mudanças
Diante dos cenários encontrados, a coordenação estadual da Pastoral Carcerária mobilizou as comunidades de Assu, Pau dos Ferros e também de Mossoró em reuniões, nas quais foram agendadas capacitações dos atuais agentes pastorais e dos novos, com convite extensivo a gestores de órgãos municipais e estaduais.
Na reunião em Mossoró, dia 28, os agentes da pastoral também relataram o deterioramento do complexo penal Mário Negócio, onde, em janeiro, um agente penitenciário matou um preso. Não se sabe se houve abertura de inquérito para apurar o caso.
Também foi reforçada a necessidade de que os integrantes da Pastoral Carcerária destas cidades se mobilizem para participar do encontro estadual da pastoral, a ser realizado entre 5 e 7 de julho, em Natal, capital potiguar.
Cobranças ao Estado do Rio Grande do Norte
Diante do cenário encontrado nas visitas, o coordenador da Pastoral Carcerária no Rio Grande do Norte, Geraldo Soares Wanderlei, encaminhou a carta ao secretário estadual de Justiça, Júlio César de Queiroz, que assumiu a função em fevereiro. Leia a íntegra abaixo.
Exmo. Sr. secretário da Secretaria Estadual de Justiça, Dr. Júlio César:
Considerando que os fatos narrados encerram preocupações e providências inadiáveis e que é preciso a união de forças para minimizar os efeitos negativos que produzem;
Considerando que o tratamento humanitário e solidário na execução penal custa quase nada de recursos orçamentários e tem resultados indiscutíveis, duradouros e pacíficos, evitando a destruição da vida e do patrimônio público;
Considerando que só podemos realizar grandes projetos de mudanças no comportamento humano dos presos e dos servidores se adotarmos como princípios nas relações humanas o respeito à cidadania e à dignidade das pessoas e o diálogo como ponte para o entendimento e que esta tarefa é conjunta;
Considerando, ainda, que esse desafio é uma tarefa que só conseguiremos realizar agindo solidária, conjunta e fraternalmente, sem violência, discriminação nem preconceitos;
Aproveitamos para solicitar providências adequadas aos problemas apresentados, lembrando que acontecem em quase todo o sistema sem que nenhuma melhora ocorra, ao mesmo tempo em que nos colocamos à disposição para ajudarmos no que for possível.
Coordenador Estadual da Pastoral Carcerária
Vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos