Por que Yoga na Prisão?

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Interna Katty BondRosa Nascimento chegou à Prisão de Sant’Anna na cidade de São Paulo no último mês de novembro, depois de ser pega em uma operação policial por estar envolvida em fraudes com cartões de crédito. Sua adaptação foi difícil, especialmente por ela ter ficado em uma cela por muitas horas. Antes, ela trabalhava como gari nas ruas da cidade. Na solitária, ela começou a ficar mais e mais deprimida até o dia em que não queria mais sair da cama. Sua companheira de cela sugeriu que ela se tornasse voluntária no projeto da horta e isso a deixou um pouco mais animada.
Em uma das vezes em que Rosa caminhou pela prisão (a maior da América Latina com aproximadamente 2500 prisioneiras) da sua cela para a horta, ela viu um cartaz anunciando aulas de Yoga na escola da prisão. Atualmente, Rosa é uma das mais assíduas nas aulas que eu tenho facilitado nos últimos três anos e que conta com dez participantes. “Praticar Yoga tem sido muito bom para mim. Eu me sinto em paz quando volto para a minha cela”, disse Rosa em uma partilha no final de uma das nossas aulas. “Yoga mudou a minha vida neste lugar e me trouxe felicidade”.
Algumas pessoas me perguntam por que eu ofereço aulas de Yoga para as prisioneiras. A minha resposta inicial é que a diretora da educação da prisão me pediu para oferecer essas aulas para ajudar as prisioneiras na concentração e na autodisciplina, porque muitas das mulheres que estão na prisão têm dificuldade com os estudos na escola da prisão. Como uma missionária e membro da Pastoral Carcerária, eu tento responder aos pedidos dos brasileiros porque eu estou constantemente pedindo a eles para estarem abertos para alguma das atividades formativas que eu ofereço no Brasil. Eu também acho que é muito mais fácil facilitar uma atividade na prisão quando há o interesse de uma diretora ou outra pessoa com cargo de chefia nas unidades prisionais.
Depois de alguma dificuldade para ter o projeto de aulas de Yoga aprovado, os responsáveis pelo setor de educação na prisão facilitaram o recrutamento de prisioneiras para as minhas aulas, permitindo que eu fosse à sala de aula para convidar as mulheres, colar cartazes nos corredores da prisão e fazer uma parceria com o setor de saúde para que quando prisioneiras fossem diagnosticadas com alta ansiedade e problemas emocionais, fossem encaminhadas para a Yoga. Eu também pedi para minhas companheiras da Pastoral Carcerária para que convidem as prisioneiras quando elas fizerem as suas visitas. Mas o melhor mecanismo de recrutamento até agora tem sido as próprias participantes que me entregam pequenos pedaços de papel com os nomes e os números da matrícula para que eu possa convidá-las.
Mas há dias em que eu me sinto frustrada depois de ser impedida de entrar na prisão porque as celas estão sendo revistadas pela segurança do presídio em busca de celulares, drogas e armas. Outras vezes, é a reforma do espaço onde fazemos as aulas. Mas apesar de todos os desafios, incluindo o lugar impróprio onde nós praticamos Yoga (as mulheres varrem e passam o pano antes de espalharem papel madeira pelo chão para que nos deitemos em nossos tapetes), mesmo assim, eu continuo indo.
A minha resposta para a pergunta “E por que Yoga para as mulheres?” foi aumentando. Uma prática de Yoga não requer equipamentos e precisa de pouco espaço, o que é perfeito para as prisioneiras praticarem em suas celas. Eu sempre digo às participantes que elas não aproveitarão o beneficio máximo da Yoga se elas praticarem apenas comigo. Eu partilho muitas adaptações dos exercícios, pois elas estão em níveis diferentes e isso permite a participação de todas. Uma regra básica é que se doer, elas devem parar. Nós trabalhamos intensamente com o autoconhecimento, conhecimento do corpo e o respeito aos limites de cada uma, pois essa é a base para uma mudança positiva que acontece a partir de dentro de cada pessoa.
As aulas enfocam os exercícios de “enraizamento”, como a série de postura de guerreira, que promove concentração. Há também o componente de gênero, já que muitas delas partilham que estão na prisão porque se envolveram com homens que praticaram crimes. Eu vejo a Yoga como beneficio para esse momento da vida delas, mas também importante para a preparação emocional e o controle do estresse para quando elas saírem da prisão.
Trauma é uma ameaça que está presente na maioria da vida dessas mulheres. Muitas foram abusadas ainda quando crianças, outras como adultas. Algumas se tornaram dependentes químicas e começam a se comportar de forma abusiva com elas mesmas e outras pessoas.
Mike Huggins, fundador do Projeto Yoga para a Transformação, escreveu em um recente artigo no Huffington Post. “Muitos prisioneiros sofrem de complexos traumas. Trauma pode resultar em uma vida inteira de abandono, violência doméstica e sexual, abuso de drogas e álcool. Os efeitos aumentam quando há outros eventos traumáticos sérios como a participação em atos violentos. Ser prisioneiro já é um evento traumático. Traumas não resolvidos tornam-se a causa para raiva. O que nós resistimos, vai persistir. Abrindo o caminho de conexão entre o corpo e a mente, autoaceitação e autovalor, a autoconsciência torna-se um instrumento para entender os nossos sentimentos e emoções. É por isso que a autoconsciência pode dar coragem ao prisioneiro para não se envolver em brigas e para resistir a retaliações”, afirma.
A saúde mental tende a se deteriorar rapidamente nas penitenciárias e muitos sofrem de ansiedade e depressão por estarem em espaços tão pequenos. Yoga, especialmente com os exercícios de respiração, pode ser um poderoso instrumento de regulação do estresse em ambientes caóticos. A resposta mais comum para a pergunta “como você se sente depois da prática?” é: “Em paz comigo mesma e com este lugar”. O trabalho de integração corpo-mente é talvez um dos caminhos de aceitação desse momento da vida enquanto se mantém a esperança e o otimismo para o futuro.
 
Kathleen Bond,
Integrante da Pastoral Carcerária do Estado de São Paulo
Missionária leiga de Maryknoll

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