Por Arthur Stabile
Da Ponte Jornalismo
A Ouvidoria das Polícias de São Paulo aponta que há “fortes indícios” de que policiais militares atiraram e mataram quatro adolescentes rendidos na Favela do Areião, no jaguaré, zona sul de São Paulo. Provas colhidas desmentem a versão apresentada pelos PMs de que vítimas teriam reagido e iniciado um confronto.
De acordo com relatório assinado pelo ouvidor Benedito Mariano, os policiais usaram força desproporcional na ocorrência e atiraram nas vítimas já rendidas, impossibilitando qualquer reação. O caso aconteceu em 6 de outubro de 2018.
Os três PMs envolvidos no caso são o soldado Moisés de Souza, 28 anos, o cabo Carlos Eduardo Teodoro Bezerra, 33, e o 3º sargento Gilmar Pereira da Costa, 39, todos da Força Tática do 23º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano).
Dois dos jovens mortos são José Jonhatan Marques da Costa, 17, Mateus Damaceno de Sá, 16. Os outros dois são identificados no relatório apenas como M.M da S. e D.R.B., ambos com 15 anos. Com a exceção de José, natural de Cachoeirinha (PE), todos são nascidos em Osasco, região metropolitana de São Paulo.
Na época do crime, familiares já levantavam a hipótese de execução. Um familiar de um dos adolescentes, que pediu para não ser identificado, chegou a declarar que a PM teria assassinado o grupo. “A polícia matou friamente eles. Se deviam, teriam que pagar perante a lei. Vamos fazer a justiça direitinho, não justiça com as próprias mãos”, afirmou à Ponte.
Três provas no documento definem que não houve confronto entre os adolescentes e os policiais: o relato de uma sobrevivente que estava com os quatro rapazes, vídeos de câmeras de segurança e laudos das armas supostamente utilizadas pelos jovens (apresentadas na delegacia pelos PM) e do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa).
Execução x legítima defesa
A testemunha narra que estava com os adolescentes em um carro e não viu nenhuma arma com eles. Após um tempo, o motorista teria percebido a viatura e entrou na Favela do Areião. Ao parar o carro, segundo a testemunha, ela ouviu “quatro barulhos fortes” e todos se deitaram no chão. Ela já prestou depoimento à Corregedoria da PM e ao DHPP.
“Na sequência, a testemunha ouviu vários disparos de arma de fogo, repetidos e uma das vítimas começou a gemer de dor e, na sequência, ouviu choro, sendo que uma das vítimas caiu sobre ela, que se fingiu de morta”, aponta o documento. Os tiros teriam sido dados após os cinco, desarmados, terem se rendido.
Depois dos disparos, a jovem aponta que um policial disse “quem está vivo levanta” e ela percebeu várias viaturas no local. Em seguida, um PM teria ditado para ela uma versão para contar na delegacia e a ameaçado. “Se acontecer alguma coisa e você mudar o seu depoimento, você e sua família terão que mudar de endereço”, teria dito o policial.
O relatório da Ouvidoria inclui um vídeo de câmera de segurança que registrou a ocorrência. Segundo o documento, “as imagens deixam claro que no momento dos disparos, não havia chamada “troca de tiros” e, sim, uma sequência cadencial de, provavelmente, uma arma de fogo. Ainda de acordo com o documento, o vídeo também comprova a conversa separada do PM com a testemunha.
Nas imagens obtidas pela Ponte, é possível ver apenas um PM atirando e o som de cinco disparos. O vídeo registra o som de dois disparos antes da chegada de um policial com arma nas mãos, enquanto outro PM dá a volta atrás de um carro e mais um aparece abrindo a porta da viatura.
A versão dos PMs é diferente. Segundo eles, o veículo dos jovens era roubado e, quando os PMs perceberam, começaram uma perseguição. O motorista do carro teria dado disparos ao entrar na comunidade. Ao descerem do carro, “cinco indivíduos desembarcaram. Houve troca de tiros que culminou com quatro indivíduos baleados”, sustentaram os PMs à Polícia Civil.
Ainda no B.O. (Boletim de Ocorrência) do caso, os PMs apontam terem apreendido quatro armas de fogo, sendo uma pistola e três revólveres, com os jovens. Duas delas (calibres .38 e 9mm) estariam ao lado dos jovens mortos e outras duas (outra .38 e um .32) dentro do carro.
‘PMs desconsideraram métodos’
No documento da Ouvidoria, três armas são apontadas como “supostamente utilizadas pelos civis”: 9mm, calibre 32 e uma calibre 38. Conforme o relatório, apenas a de calibre 32 realizou um único disparo, estando a pistola 9mm com todas as balas e a 38 com o tambor quebrado, “o que, em tese, impossibilitaria o seu uso”.
“As supostas armas utilizadas pelos adolescentes […] não apresentam condições de se estabelecer o confronto alegado e não provado pelos policiais militares”, sustenta o ouvidor Benedito Mariano, citando os 23 disparos feitos pelos PMs, sendo 11 pelo soldado Souza, 10 pelo sargento Costa e 2 pelo cabo Bezerra. Doze tiros acertaram os jovens.
Segundo o ouvidor Benedito Mariano, os PMs contrariaram regras básicas de atuação nesta ocorrência. “Os quatro conceitos do método Giraldi foram desconsiderados pelos PMs”, sustenta, citando “proporcionalidade, oportunidade, necessidade e qualidade”. E conclui: “Portanto, as mortes dos quatro adolescentes poderiam ser evitadas”.
O relatório foi enviado à Corregedoria da PM e ao DHPP, que investigam o caso. Mariano sustenta que ele “serve de subsídio para a apuração dos fatos”. Os policiais militares estão afastados das ruas, prestando serviço administrativo.