Por Isabela Menedim
Na última terça-feira (20), a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo sediou uma audiência pública para a elaboração do Decreto Presidencial de Indulto de 2023. O evento contou com participação e falas de diversas entidades e representantes de outros estados.
Maurício Stegemann Dieter, conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), e Douglas de Melo Martins, presidente do CNPCP, estavam presentes para ouvir os pedidos e sugestões das entidades para eventualmente elaborar o indulto.
Douglas deu início à audiência e disse que estamos enfrentando um momento difícil, já que o Supremo Tribunal Federal declarou o estado de coisas inconstitucional no sistema prisional. No entanto, várias instituições, pessoas e entidades da sociedade civil denunciavam as violações de direitos humanos no sistema prisional há um tempo.
“A superlotação carcerária é um dos principais fatores que contribuem para essas violações de direitos humanos. Ela dificulta qualquer tipo de trabalho de reinserção social por parte da administração penitenciária”.
Ele ressalta que nem sempre as soluções para esse problema são as mais adequadas e dá como exemplo o fim do contingenciamento do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), uma medida apontada pelo Supremo Tribunal Federal que atende aos interesses dos estados na criação de mais presídios.
O presidente do CNPCP diz ser necessário pensar em uma política criminal que envolva todos os poderes e instituições, além de promover um debate na sociedade e que as audiências públicas são um espaço para confrontar a visão majoritária da sociedade de que o encarceramento em massa é uma política de segurança pública.
“O meu questionamento é como o CNPCP pode ampliar esse debate, alcançar mais pessoas e de alguma maneira avançar para construirmos uma proposta de indulto que seja aceitável nesta sociedade de transição, nesse processo de luta muito intenso e radicalizado com grupos ultraconservadores se sentindo cada vez mais à vontade no debate público”.
Maurício Dieter aponta que o intuito da audiência é criar uma minuta mais ambiciosa e ousada, que interfira de maneira significativa no drama carcerário. Mas, para isso é preciso lidar com a realidade e negociar com o Poder Executivo e o Poder Judiciário, que têm assumido o controle sobre o indulto nos últimos anos, além de restaurar o diálogo com o STF.
“Se queremos convencer que os princípios de moralidade, probidade, entre outros, utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para exercer influência sobre o indulto nos últimos anos estão presentes, precisamos apresentar uma proposta qualificada. E qualificar a proposta significa democratizá-la e abri-la ao maior público possível”.
Dra. Kenarik Boujikian, jurista e magistrada, mencionou o estado de coisas inconstitucional e que existe uma tarefa para todos de desconstituir essa realidade. A questão da multa e a das medidas de segurança foram destacadas como pontos a serem abordados na elaboração do indulto.
Em relação à multa, Kenarik diz que o CNPCP e os indultos anteriores não têm tratado adequadamente desse tema, enfatizando que o impacto na vida das pessoas é gigantesco. Foi citado o exemplo de São Paulo, onde há quase duzentos mil processos relacionados a multas.
Para as medidas de segurança, ela esclarece que o indulto não desencarceraria milhares de pessoas, mas ressalta a importância de como lidamos com essa questão, especialmente em relação aos indivíduos com transtornos mentais; ela destaca também a ineficácia da fixação da medida de segurança com base na pena máxima e que deve ser considerado o mínimo legal.
Ir. Petra Pfaller, coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional, elogiou a presença e a força dos jovens na audiência, destacando a importância deste “resgate”, enfatizou que é preciso ter coragem para avançar e adotar mudanças, mencionando que devem ter propostas preparadas em um coletivo para a população LGBT, idosos e para a questão indígena.
Ela descreve as condições precárias das prisões, como colchões inadequados, falta de lençóis e toalhas, e esclarece como isso resulta em tortura e doenças de pele. Petra defende a inclusão das vítimas de tortura no decreto de indulto, e fala sobre as dificuldades de fazer denúncias de tortura.
“São coisas que a gente viu ontem, anteontem. Então, acho que é importante compartilhar para reforçar a importância de um decreto que realmente ajude o desencarceramento. Não precisaremos construir novos presídios”.
Petra destaca a dificuldade de comprovar esses casos devido ao arquivamento da maioria das denúncias enviadas a diferentes órgãos, e diz acreditar que o decreto de indulto poderia ajudar na situação alarmante e cruel da tortura que ocorre.
Outra questão levantada por ela foi a perseguição religiosa. Ela reconheceu que a Pastoral Carcerária e outras igrejas e religiões enfrentam restrições e até perseguição, mas afirmou que continuam trabalhando.
“Escutamos bastante sobre a falta de acesso das visitas religiosas, especialmente das matrizes africanas. Acho importante fazer esse apelo, elaborar uma resolução de assistência religiosa, assim como uma resolução de acesso às visitas familiares. Seriam duas resoluções importantes nessa luta pelo desencarceramento”.
Cláudia Sampaio, do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia, menciona a importância de um novo olhar sobre a medida de segurança e ressalta a necessidade de retomar decretos constitucionais e democráticos no indulto.
Ela cita dados da Pastoral Carcerária, em que o último decreto de 2017 deveria beneficiar 3,5% das mulheres encarceradas, mas apenas 1,2% foi beneficiado devido à falta de política pública.
“As Secretarias dos Estados de Administração Penitenciária não conduziram, os Conselhos não lutaram, as instituições negligenciaram. Isso é inadmissível diante de um estado social democrático de direito”.
Outro ponto abordado foi a análise do caráter genérico no indulto, direcionamentos específicos para grupos, como ocorreu com as forças armadas em 2022, devem ser evitados.
Por fim, Cláudia fala sobre a justiça restaurativa, e explica uma proposta para permitir a concessão de indulto quando os círculos restaurativos forem concluídos e o conflito tiver sido resolvido. Para ela, essa ação “legitima e viabiliza a acessibilidade à justiça”.
Bruno Shimizu, Defensor Público do Estado de São Paulo, apresentou uma proposta ao CNPCP com a intenção de tornar o indulto mais democrático. A proposta foi elaborada por várias entidades, incluindo defensorias públicas e organizações de direitos humanos.
As entidades citaram o indulto como instrumento de redução da população carcerária e apontaram a necessidade de um decreto avançado para lidar com as restrições impostas pelos tribunais superiores e pelo Congresso Nacional.
A proposta busca reconstruir o que já existia nos decretos anteriores, que foram desfigurados nos últimos anos. Uma sugestão apresentada é a possibilidade de comutação de pena por superlotação. Além disso, foi mencionada a importância de levar em conta vulnerabilidades específicas, como mães de menores de idade, responsáveis por crianças, pessoas com deficiência, indígenas e pessoas LGBTQIA+ – especialmente pessoas transsexuais.
Catia Kim, do Instituto Terra,Trabalho e Cidadania (ITTC), falou sobre representar as mulheres migrantes em situação de cárcere, reforçando o impacto limitado do indulto no desencarceramento, e sugeriu a inclusão da expressão “migrantes” na nomenclatura do indulto, de acordo com a Lei de Migração, e o abandono do termo “estrangeiros”.
Ela trouxe a reflexão para pensar se um indulto voltado a essas mulheres migrantes deveria ser aplicado no Dia das Mães “para ampliar o acesso das mulheres, especialmente as mães com filhos pequenos ou com deficiências”.
Catia cogita possibilidade de utilizar o indulto como argumento jurídico na regularização migratória e na revogação de impedimentos à migração, e defendeu a abordagem da política criminal de forma interseccional, considerando o impacto da política de drogas e o processo de criminalização da migração. Por fim, ressaltou a necessidade de ação coletiva.
Edição: José Coutinho Júnior