“Na unidade que estou tem menos porrada, mas tem quase todo dia. Eu fiquei muito revoltado quando eu soube o que fizeram com a minha mãe. Ela mostrou as intimidades dela, ficou sem roupa e agachada, tiraram sarro da cara dela, falaram do corpo dela. Ela não quis mais me visitar de vergonha”.
O relato de um jovem apreendido na Fundação Casa, que ilustra as consequências da prática de revista vexatória, foi lido durante a audiência pública sobre a prática de revista íntima em internos e visitantes da Fundação Casa, realizada em 12 de fevereiro, em Santo André.
A atividade, que contou com a participação de 190 pessoas e foi organizada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Santo André e a Primeira Defensoria Pública da Unidade local, com o apoio do Fórum dos Conselhos Tutelares do Grande ABCD, reuniu os familiares de adolescentes apreendidos e de egressos do sistema socioeducativo, bem como instituições que defendem o fim da prática da revista vexatória.
Heidi Cerneka, da coordenação nacional da Pastoral Carcerária, participou da audiência e recordou os casos que já viu, como o de uma senhora de 92 anos que foi visitar o neto e teve que passar pela revista. “Quando entro como representante da Igreja, tem unidade que eu tenho que sentar em cima do banquinho, fico vestida, mas a família tira a roupa para sentar. Será que o banquinho enxerga quem é família de preso, quem é entidade, quem é advogado? Acho que não. Qual que é a proposta disso?”, indagou.
A integrante da PCr Nacional disse que todos devem agir contra a manutenção da prática de revista vexatória – “temos que sentir essa urgência na pele” – e ressaltou que tal revista é inaceitável. “A gente sabe que tem muito abuso verbal nas revistas, muita ofensa. Mas poderia ser a revista mais educada do planeta, não aceitamos. O abuso é um plus, mas a revista em si não pode existir. Somos contra a revista vexatória não só porque é ineficaz, mas porque está errado e ponto final”.
Durante a audiência, o defensor público Marcelo Carneiro Novaes apresentou o dado de que os adolescentes apreendidos na Fundação Casa chegam a ser submetidos a, até, 15 revistas íntimas ao dia, totalizando 70 mil revistas diárias nas unidades da Fundação.
“Acreditamos que esse é um procedimento violador do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e de toda a normatização que existe no país, ele não é previsto em lei”, disse em entrevista à TVT. “Isso fere a dignidade, fere o pudor da pessoa que está sendo revistada e que em nada contribui para o processo de ressocialização. Muito pelo contrário: gera ódio, gera revolta, gera perda de autoestima e uma situação de violência que pode ser replicada do lado de fora”, complementou.
Na audiência foram apresentadas sugestões para conter a revista vexatória na Fundação Casa, entre as quais o uso de aparelhos de scanner corporal. Também foi aprovada a criação de um fórum permanente das medidas socioeducativas na região, com o envolvimento de entidades ligadas ao direito da criança e do adolescente; além da proposta de levar a discussão da temática ao conhecimento da população mais carente.
ASSISTA A ALGUMAS DAS INTERVENÇÕES DA AUDIÊNCIA PÚBLICA