A recém-instituída Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional faz menção a uma das bandeiras históricas da Pastoral Carcerária e outros grupos que atuam na defesa dos direitos humanos nos cárceres: o combate à revista vexatória nas unidades prisionais.
A Política prescreve respeito à dignidade no ato de revista às pessoas que ingressam nas unidades prisionais, e também recomenda o desenvolvimento de práticas alternativas à revista íntima, especialmente para o caso de crianças e adolescentes.
A temática da revista vexatória está em discussão também no Congresso Nacional, onde tramita o PLS 480/2013, que prevê acréscimos de artigos na Lei de Execução Penal (LEP) para impedir a prática de revista vexatória em todas as unidades prisionais brasileiras. Recentemente, a Rede de Justiça Criminal, da qual a Pastoral Carcerária faz parte, finalizou seu parecer em apoio ao PLS 480/2013, que já está disponível para consulta (veja abaixo).
De acordo com o parecer, é necessário “que seja aprovada uma lei federal que uniformize a regulamentação da revista dos visitantes a unidades prisionais e proíba expressamente a revista vexatória, incluindo o desnudamento total, o toque íntimo e os agachamentos. Essa também é a posição endossada pela Comissão Mista Instituída para Analisar e Apresentar Proposta quanto à Revista nos Estabelecimentos Penais do Brasil, composta por representantes do CNPCP, DEPEN, SAL, CONSEJ, Pastoral Carcerária Nacional, Sindicato de Agentes Penitenciários e associação de familiares e amigos de pessoas presas”.
O parecer aponta que as práticas de revista vexatória no Brasil são aplicadas a todas as pessoas, sendo “uma medida pessoal, intrusiva e preventiva, isto é, desvinculada de atos processuais”, e que afeta especialmente as mulheres, que são a maioria dos visitantes. Muitas vezes, ao saber dos constrangimentos das revistas vexatórias, os próprios presos pedem que familiares deixem de visitá-los, o que redunda na perda de vínculos familiares.
De acordo com o parecer, a revista vexatória é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, pois faz com que o simples vínculo de parentesco ou afetividade com uma pessoa presa transforme o indivíduo em um criminoso, o que viola o princípio da pessoalidade na aplicação da pena, tal como disposto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, o qual determina que “nenhuma pena passará a pessoa do condenado”. Contesta-se, ainda, a legalidade da imposição de tal prática em crianças e adolescentes, os argumentos de que a revista impede a entrada de substâncias e objetos ilícitos nas unidades prisionais, e há menção de que o princípio de dignidade humana não pode ser violado por regras administrativas.
O parecer mostra, ainda, a incompatibilidade da prática de revista vexatória em face ao direito internacional dos direitos humanos, citando, por exemplo, que conforme a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992, todo o Estado deve respeitar a integridade pessoal, a pessoalidade na aplicação da pena, o direito à honra e à dignidade, a proteção da família e os direitos das crianças; e que a Corte Europeia de Direitos Humanos já reconheceu que revistas de presos que envolvam o desnudamento total impactam no direito à privacidade e à dignidade, podendo causar violação aos direitos humanos.
Tendências sobre a proibição da revista vexatória no Brasil também constam no parecer, tais como a lei 10.792/2003, que determina que todos os estabelecimentos penitenciários possuam aparelhos detectores de metais, para ser usados em pessoas que desejem ter acesso às unidades; a Resolução nº 9, de 12 de julho de 2006, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que dispôs que a revista manual só deve ser feita excepcionalmente, diante da fundada suspeita de que o visitando é portador de objeto ou substância proibida; e as legislações que deliberam sobre tal prática nos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Uma vez expostas as argumentações, assim é concluído o parecer: “Em razão dos motivos expostos, a Rede Justiça Criminal, composta pela Associação pela Reforma Prisional (ARP), Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto Sou da Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), Justiça Global e Pastoral Carcerária se manifestam favoravelmente a aprovação do PLS 480/2013, no que concerne à constitucionalidade formal e material e se posicionam pela sua célere aprovação, uma vez que constituirá em avanço significativo na proteção de direitos e garantias fundamentais”.
VEJA A ÍNTEGRA DO PARECER DA REDE DE JUSTIÇA CRIMINAL