Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de «saída», que Deus quer provocar nos crentes. […] Naquele «ide» de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída» missionária. Cada cristão e cada comunidade deve discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho. (EG 20)
Ao concluir a caminhada da 6ª Semana Social Brasileira, caracterizada por um grande Mutirão por Terra, Teto e Trabalho, na construção do Brasil que queremos, faz-se urgente alargar nosso olhar para as periferias existenciais que levantam seu grito de dor diante do ostracismo, do esquecimento e da indiferença que ainda encontram seja na sociedade como na própria realidade religiosa e eclesial. Estou-me referindo concretamente ao submundo das prisões, autênticas masmorras onde diariamente nossos irmãos e irmãs são sacrificadas e onde ecoam as palavras de Caim: “Por acaso eu sou o guarda do meu irmão?” e de Javé: “O que foi que você fez? Ouço o sangue do seu irmão, clamando da terra para mim”.
É verdade que, mesmo na mudança de época, numa sociedade pós-moderna, hiper individualista, cujo curso foi ulteriormente acentuado e levado a maior potência pela epidemia da Covid 19, continuam existindo pessoas que entregam sua vida pelos irmãos e pelas irmãs, os e as caídas ao longo do caminho, tornando-se autênticos samaritanos e samaritanas. Refiro-me às mais de três mil mulheres e homens que nos quatro cantos de nosso país constituem o corpo da Pastoral Carcerária, que com constância, fidelidade, ousadia continuam desafiando o sistema violento e punitivista do estado e da sociedade que diariamente exclui, executa e mata o “irmão Abel”. O Papa Francisco no seu programa pastoral na exortação “Evangelii Gaudium” fez um convite claro à Igreja por meio de quatro verbos: Primeirar, envolver-se, frutificar e festejar.
“Primeirar”, ou seja uma Igreja que toma a iniciativa e sem medo vai ao encontro porque sabe que o Senhor a precedeu no amor, e por isso vai ao encontro dos afastados, chega às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Por isso vive o desejo inexaurível de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva.
“Envolver-se”, a Igreja sabe «envolver-se». Jesus lavou os pés aos seus discípulos. O Senhor envolve-Se e envolve os seus, pondo-Se de joelhos diante dos outros para os lavar; mas, logo a seguir, diz aos discípulos: «Sereis felizes se o puserdes em prática» (Jo 13, 17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa–se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o «cheiro das ovelhas», e estas escutam a sua voz.
“Frutificar”, a Evangelização, fiel ao dom do Senhor, sabe também «frutificar». A comunidade evangelizadora mantém-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio. O semeador, quando vê surgir o joio no meio do trigo, não tem reações lastimosas ou alarmistas. Encontra o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova, apesar de serem aparentemente imperfeitos ou defeituosos.
“Festejar”, Por fim, a comunidade evangelizadora jubilosa sabe sempre «festejar»: celebra e festeja cada pequena vitória, cada passo em frente na evangelização. No meio desta exigência diária de fazer avançar o bem, a evangelização jubilosa torna-se beleza na liturgia. A Igreja evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade evangelizadora e fonte dum renovado impulso para se dar.
Para Francisco, bispo de Roma é claro que Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. [EG 176] Ele expressa no capítulo 4° do que é o programa de seu ministério petrino esta sua preocupação ao afirmar claramente que:
O querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros.
Confessar um Pai que ama infinitamente cada ser humano implica descobrir que «assim lhe confere uma dignidade infinita».
Confessar que o Filho de Deus assumiu a nossa carne humana significa que cada pessoa humana foi elevada até ao próprio coração de Deus.
Confessar que Jesus deu o seu sangue por nós impede-nos de ter qualquer dúvida acerca do amor sem limites que enobrece todo o ser humano. A sua redenção tem um sentido social, porque «Deus, em Cristo, não redime somente a pessoa individual, mas também as relações sociais entre os homens».
Confessar que o Espírito Santo atua em todos implica reconhecer que Ele procura permear toda a situação humana e todos os vínculos sociais: «O Espírito Santo possui uma inventiva infinita, própria da mente divina, que sabe prover a desfazer os nós das vicissitudes humanas mais complexas e impenetráveis».
A partir do coração do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana, que se deve necessariamente exprimir e desenvolver em toda a ação evangelizadora. [EG 177, 178]
Como é perigoso e prejudicial este habituar-se que nos leva a perder a maravilha, a fascinação, o entusiasmo de viver o Evangelho da fraternidade e da justiça! A Palavra de Deus ensina que, no irmão, está o prolongamento permanente da Encarnação para cada um de nós: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).
Por isso mesmo, «também o serviço da caridade é uma dimensão constitutiva da missão da Igreja e expressão irrenunciável da sua própria essência». Assim como a Igreja é missionária por natureza, também brota inevitavelmente dessa natureza a caridade efetiva para com o próximo, a compaixão que compreende, assiste e promove. [EG 179]
Com estas palavras de Papa Francisco compreendemos como a alegria do evangelho tem uma dimensão fortemente social e comunitária e por isso como as pastorais que tocam a realidade humana são profundamente evangélicas e necessárias na Igreja, mesmo que muitos de nossos pastores ainda não tenham compreendido e continuem não compreendendo a necessidade, a importância primordial delas, porque sem o humano não podemos nem ter o divino. Na verdade, não podemos considerar algumas pastorais da primeira divisão e outras da segunda divisão, todas elas são expressão do anúncio do Reino de Deus.
Eis porque como Pastoral Carcerária ao escolher como nosso Norte e sonho o “Mundo sem prisões” proclamamos e concretizamos cada dia àquela “Igreja em saída”, muitas vezes enlameada, mas profundamente samaritana, capaz de superar a Igreja “Alfandega” para ser expressão de uma Igreja em saída, Sócio libertadora expressão da profecia do Evangelho que afirma que somos todos irmãos e irmãs, e por isso capazes de uma sincera e fraterna amizade social.