O Retrato de Um Tempo em Ruínas

 Em Justiça Restaurativa, Notícias

Vivemos uma era de inversão de valores, onde a ética foi substituída pelo oportunismo, a empatia pela indiferença, e a justiça pela vingança. Condutas que deveriam ser condenadas tornaram-se objeto de aplausos; líderes que propagam o ódio e a violência são seguidos como ídolos, enquanto vozes que clamam por paz, justiça e compaixão são ridicularizadas.

A sociedade moderna, guiada por algoritmos e vaidades, cultiva a aparência em detrimento da essência. Casas são construídas como palácios, mas os corações que as habitam estão em ruínas. Vivemos tempos em que os dentes são brancos como sepulcros caiados, mas os sentimentos estão escurecidos pela ganância, pela competição desenfreada e pela ausência de sentido.

A violência verbal e física tornou-se banal. A morte é aplaudida quando serve a uma narrativa de vingança. O encarceramento, especialmente de corpos negros e pobres, é visto como solução rápida para problemas sociais que, na verdade, exigem cura, não castigo. As prisões se tornam cada vez mais opressoras — e menos transformadoras.

Religiões que deveriam anunciar misericórdia e amor, hoje vociferam culpa, pecado e medo, muitas vezes movidas por interesses financeiros e poder, distanciando-se da compaixão de suas origens espirituais. O nome de Deus é usado como bandeira de julgamento, não como fonte de acolhimento.

Enquanto isso, a vida humana vai perdendo seu valor, em uma comparação absurda onde os animais — muitas vezes tratados com mais cuidado — se tornaram substitutos emocionais de filhos, não por consciência ecológica ou afetiva, mas por medo de compromisso, egoísmo ou desilusão com o mundo. Não é errado amar os animais, mas é trágico deixar de amar o ser humano.

Consumimos para não sentir, compramos para preencher vazios que não são materiais, sorrimos em selfies enquanto choramos por dentro. Vivemos como se a felicidade fosse um produto, e não um estado de alma cultivado em silêncio, no amor, no serviço, no autoconhecimento.

Mas Ainda Há Saída… E Ela É Humana

Apesar de tudo isso, não estamos condenados ao caos. O mundo pode ser outro — mas depende de escolhas. E essas escolhas não vêm de cima. Vêm de cada um de nós.

  • Justiça Restaurativa: Precisamos parar de pensar em punição como solução. A justiça verdadeira repara, escuta, cura. Ela une ao invés de separar.
  • Empatia e Inteligência Emocional: Compreender o outro, mesmo que ele pense diferente, é um ato de evolução. Sem isso, continuamos em guerra constante — com os outros e conosco.
  • Perdão e Autoperdão: Carregamos culpas como correntes. Perdoar liberta. Perdoar-se é essencial para poder amar.
  • Fé com obras: Não basta crer. É preciso agir. Fé sem ação é ilusão.
  • Aceitação das diferenças: O outro não precisa ser igual a mim para ser digno. A dignidade é inata ao ser humano.
  • Renúncia à verdade absoluta: Humildade intelectual e espiritual é reconhecer que eu posso estar errado. E que o outro, mesmo diferente, também tem algo a ensinar.

A saída para esse mundo adoecido está nas escolhas diárias de cada um de nós. Começa nos pequenos gestos: no modo como falamos, como julgamos, como tratamos os outros, como educamos nossos filhos, como escolhemos o que consumir e o que compartilhar. Não se trata de um grande ato heróico, mas de uma sequência contínua de pequenas decisões com base na compaixão, na consciência e no amor.

Se os maus são exemplo hoje, que sejamos, então, bons exemplos silenciosos, que inspiram sem alarde, que constroem no íntimo, que resistem na ternura. Porque ainda não está tudo perdido — enquanto houver quem lute com o coração limpo.

    Texto: Vera Dalzotto

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