“Os novos sujeitos exigem novas estruturas; entre essas estruturas está o processo democrático. Querem e precisam fazer-se ouvir; não podem e não querem ser considerados e tratados como objetos; estão a questionar a atual forma de viver a Democracia, com seus ritos e com seu arcabouço jurídico. Tal modelo de Democracia não mais responde a seus anseios e necessidades como seres políticos.” (Documento 91 da CNBB, “Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática”, 32).
“Na verdade, o que pretendem os opressores ‘é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime’, e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine.” (Paulo Freire, “Pedagogia do Oprimido”)
O Estado de São Paulo registra a maior população carcerária do país. Com mais de 220 mil mulheres e homens presos, chega à taxa de 497 pessoas presas por 100 mil habitantes, superior à já altíssima e absurda média nacional, que é de 300/100 mil. O encarceramento em massa é evidente. As condições de sobrevivência nas unidades prisionais paulistas são extremamente precárias, podendo ser classificadas como tortura. Ao invés de se implementar políticas para a urgente e necessária diminuição da população prisional, o estado prende e prende muito. Segundo a própria Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), entre 2011 e julho de 2015, o Estado encarcerou simplesmente 497.393 pessoas. Somente no primeiro semestre de 2015 foram presas 65.617 pessoas, o que significa uma média mensal de 9.373 pessoas presas.
Em meio a esta opção política pelo encarceramento e por prisões, eis que surge, infelizmente, um programa político do Governo do Estado que prevê o fechamento de escolas. Não nos parece razoável, sob qualquer pretexto, essa medida, vez que as salas de aula das escolas da rede pública estadual apresentam, em sua imensa maioria, superlotação. Conjuga-se a esse fato a grande quantidade de jovens paulistas entre 15 e 17 anos que não estão no ensino médio, realidade que não é diferente em outras unidades da federação. Entendemos que deveríamos estar discutindo a ampliação e a melhoria da educação pública e a diminuição do encarceramento. Tragicamente, porém, parece-nos que estamos no rumo inverso.
A proposta de reorganização da educação (Decreto 61.672, de 30 de novembro de 2015, entre outras portarias e resoluções), apresentada pelo governo do estado, visava transferir, também, mais de 300 mil estudantes para outras unidades educacionais. Tal medida, prevista inicialmente já para o ano de 2016, atingiria de forma abrupta o cotidiano de estudantes e familiares.
A Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo posicionou-se de forma contrária à reorganização e apontou, entre outros aspectos, “uma intenção irresponsável de economia de gastos públicos que, associada a iniciativas como a da flexibilização do currículo do ensino médio, o fechamento de salas no período noturno, a diminuição da oferta de vagas para Educação de Jovens e Adultos, entre outras, apontam para o descompromisso com a oferta pública da educação, funcionando como estímulo para a privatização do ensino.” Movimento esse de precarização que abre margem à privatização que pode ser observado de forma semelhante no sistema prisional, com a entrada das PPP’s.
Assim como o fechamento de escolas, o projeto apresentando, conhecido como “reorganização da educação”, não foi dialogado com estudantes, seus familiares, professoras e professores, funcionárias e funcionários das unidades escolares e comunidades locais, e entidades representativas de profissionais da educação. Justamente por carecer de procedimentos democráticos, a sua implementação foi profundamente questionada pelo judiciário, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública.
O movimento de ocupação das escolas estaduais, organizado e promovido pelas/os estudantes, legítimo e profundamente democrático (tendo o reconhecimento até do Tribunal de Justiça que assegurou a não reintegração de posse das ocupações por se tratar de direito constitucional de manifestação), foi sendo, lamentavelmente, criminalizado e tratado de forma altamente violenta pelas forças repressivas do Estado. Isto é inadmissível uma vez que estamos em um Estado democrático e num cenário onde, entre outras reivindicações, as/os estudantes buscam o diálogo que lhes foi negado.
Em vista dessa conjuntura, a Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo se solidariza e apoia a organização e o movimento das/os estudantes paulistas, assim como a luta de mães e pais, professoras e professores, funcionárias/os escolares, comunidades locais e organizações ligadas ao ensino oficial por uma educação pública, gratuita, democrática, inclusiva e de qualidade.
Neste sentido e neste contexto, é pauta urgente:
- Políticas de ampliação e qualificação da educação pública estadual, construídas em conjunto com a comunidade escolar (estudantes, funcionárias/os, professoras/es e familiares), sem haver a hipótese de fechamento de escolas;
- Não criminalização e não punição de estudantes e demais envolvidas/os nas ocupações e nas manifestações contra a chamada “reorganização da educação” paulista;
- Implementação de um profundo e rigoroso Programa Estadual de Desencarceramento e Desmilitarização, como já apresentado na Agenda Estadual de Desencarceramento e de Desmilitarização – Segurança Pública e Direitos Humanos no Estado de São Paulo.
Mais escolas, menos cadeias! Por um Mundo sem Cárceres!
Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo