Primeira unidade de um complexo penitenciário na região metropolitana de Belo Horizonte está quase pronta para funcionar sob regime de parceria com um consórcio de empresas. Na nova cadeia, os funcionários não vão trabalhar armados e haverá metas de qualidade
Prestes a ser inaugurada, a primeira unidade do complexo penitenciário na região metropolitana de Belo Horizonte construído e gerenciado por meio de uma parceria público-privada (PPP) já nasce sob polêmica. Embora não seja uma experiência totalmente inédita no país, uma vez que outras unidades da Federação já experimentaram o modelo de cogestão no setor prisional, o presídio mineiro reacendeu o debate sempre ferrenho sobre privatização na área da segurança pública. Pesam sobre o modelo críticas dos defensores do papel do Estado, de que a terceirização amplia os riscos de corrupção, de falta de treinamento de funcionários, de negligência no tratamento aos presos, entre outras falhas suscitadas pela lógica do mercado — de maximização do lucro e redução de custos. Por outro lado, os defensores do sistema enxergam na iniciativa uma forma de melhorar a gestão da área carcerária no país, que é mal atendida pelo Poder Público, para se chegar ao objetivo maior da aplicação da pena que é a ressocialização.
O complexo penitenciário de Minas Gerais terá cinco unidades, cada uma com 608 vagas masculinas. O primeiro pavilhão será inaugurado nas próximas semanas. Rômulo de Carvalho Ferraz, secretário de Defesa Social de Minas Gerais, considera naturais as críticas levantadas pelo projeto. “Como representa uma inovação em um sistema colocado há décadas da mesma forma, como o penitenciário, já esperávamos críticas. Problemas vão surgir ao longo da experiência e nós estamos preparados para corrigi-los. O governo se fará presente com um diretor e uma equipe técnica permanente lá dentro, além de manter serviços de guarda externa e de transporte dos presos”, assegura Ferraz. A novidade da iniciativa mineira, explica o secretário, está na parceria com o setor privado desde a construção das unidades. “Nos outros estados, as obras foram feitas pelo Poder Público, e a administração por meio de parceria. Aqui, o processo da PPP começou antes”, explica.
Na nova unidade regida pela parceria com a iniciativa privada, um consórcio de empresas cuidará da manutenção do local, dos serviços de limpeza, da oferta educacional, das oficinas de trabalho, do atendimento de saúde e psicológico, entre outras demandas. Há 380 indicadores previstos no contrato, com duração de 27 anos, que devem ser alcançados pelo consórcio. Um das metas, por exemplo, é assegurar uma consulta médica bimestral para cada preso. Se algum desses indicadores não for atingido, o repasse mensal do governo ao consórcio será reduzido. O custo mensal por preso será de R$ 2,8 mil, segundo informou a Secretaria de Defesa Social de Minas. Esse é, praticamente, o mesmo valor gasto por detento do sistema público, de R$ 2,7 mil. No presídio de Minas haverá 1.824 vagas para o sistema fechado e 1.216 para o regime semiaberto.
Ressocialização
Como o enfoque é a ressocialização, os monitores que lidarão diretamente com os presos — funcionários do consórcio, e não agentes penitenciários do Estado — trabalharão desarmados. Para o advogado e assessor da Pastoral Carcerária José de Jesus Filho, sobra publicidade e falta seriedade no modelo de gerenciamento conjunto de unidades prisionais. “Já visitei muitos estados que tentaram. Alguns desisitiram, outros mantêm até hoje o sistema de cogestão. O que posso dizer é que vi muita coisa errada. Presos amarrados nas celas, com limite de nove segundos para banho, sabonete que tinha que durar um tempo extenso. Enfim, a iniciativa privada quer lucro. Mas o sistema penitenciário não pode proporcionar isso, não segue a lógica do mundo dos negócios”, diz Jesus Filho. Segundo ele, eram constantes também os conflitos entre diretores das unidades, representantes do governo, e os gerentes da iniciativa privada.
A falta de dados transparentes, por parte de unidades prisionais que adotaram a administração público-privada, é outro ponto levantando pelo advogado. “São estabelecimentos muito mais complicados de se ter acesso, onde há uma maquiagem de dados absoluta. Não dá para terceirizar privação de liberdade. O presídio é diferente de um hospital, por exemplo, que qualquer um pode ter acesso, pode entrar, olhar. Em uma penitenciária, isso não ocorre”, aponta ele.
Para o juiz Luciano Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o modelo de PPP pode ser benéfico desde que o Estado mantenha-se presente. O magistrado já visitou várias boas prisões na Espanha e na Inglaterra que adotam modelo de gestão semelhante. “Uma, na região de Andaluzia (Espanha), tinha até piscina para os presos de bom comportamento se refrescarem no verão. Podemos inovar, claro que sempre com a participação dos governos”, diz o magistrado.
Fonte: Correio Braziliense
Autora: Renata Mariz