II Seminário Amparar debate a questão de raça, racismo estrutual e as sequelas atuais da escravidão

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Por Isabela Menedim

Nos dias 16, 17 e 18 de novembro, o Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP recebeu palestrantes e plateia nacionais e internacionais para a realização do II Seminário Internacional Amparar, com o tema “Tecendo redes globais pelo fim das prisões”.

 

Na noite do dia 17,  teve início a mesa de raça e encarceramento, com mediação de Fabio Misael, membro da Amparar. A primeira convidada a se apresentar foi Elaine Paixão, da Agenda Nacional Pelo Desencarceramento na Bahia. 

Ela reflete que a política do encarceramento é capitalista, e que ao entrar em um presídio, só nos deparamos com corpos negros. “Só vemos nossa pele preta, não podemos deixar que nossos corpos sejam violentados e encarcerados”, protesta.

Elaine também compartilha a situação do seu estado: segundo ela, na Bahia a polícia está seguindo uma política de genocídio. “A prisão é a última opção, primeiro eles tentam te matar”, finaliza, com o desabafo de que a segurança pública só protege o cidadão branco.

Presa por oito anos e quatro meses, Patrícia Mendes declara nunca ter recebido uma visita. Além de tentar sem sucesso contato com os filhos, que ficaram sob a guarda da ex-sogra, ela tentou contatar a mãe em 2002, mas o único número encontrado não retornava as ligações. Desde então ela não tem notícias de sua mãe.

Ela relata a dificuldade de viver no cárcere sem o apoio familiar, pois “Já é difícil lá dentro e sem uma família para te apoiar é muito pior”. Quando reclamou de dor de dente, o dentista da penitenciária arrancou três de seus molares sem ao menos avisar antes. Depois de certo tempo, passou a engolir a dor por estar cansada de ouvir “não”.

Agora integrante da Amparar, ela diz ter percebido que presas têm voz e sabe que há muitas pessoas lutando por elas e pelas injustiças. “Eu prefiro a morte do que voltar para lá”, conclui, repetindo enfaticamente.

Sobrevivente do cárcere de Nashville, no Tennessee, Dawn Herrington, do Conselho Nacional de Mulheres e Meninas Encarceradas e Sobreviventes do Cárcere (tradução livre), conta que seu estado foi um dos últimos a abolir a escravidão e é o berço global da industria de privatização de prisões.

Dawn conta que as mães da comunidade negra têm uma maior possibilidade de serem presas e perderem a guarda dos filhos para o conselho tutelar, e que no Tennessee, uma a cada dez crianças têm pais presos.

Por conta do encarceramento em massa no estado, cerca de meio milhão de pessoas encarceradas estão sendo privadas não só de liberdade, mas de poder votar em representantes políticos que defendem os direitos e interesses da comunidade negra, diz.

De acordo com Dawn, os dados sobre as raças das pessoas privadas de liberdade nos Estados Unidos não são confiáveis, já que há um problema com a identificação racial. Muitos latino-americanos e mestiços são classificados como brancos, tornando injusta uma comparação com a população negra.

“Nossos irmãos e irmãs estão morrendo nessas prisões, crianças estão morrendo e isso é inaceitável”. Ela diz estar esperançosa com uma união entre os países, pois acredita que juntos temos poder suficiente para libertar os povos, acabar com a opressão, racismo, capitalismo e o fascismo. “Encontrei refúgio e liberdade na solidariedade global”, finaliza, citando frase da ex-integrante do Partido Pantera Negra, Assata Shakur.

Para fechar a mesa, Gabrielle Nascimento, da Frente Estadual Pelo Desencarceramento em São Paulo, analisa que a Amparar é a responsável por demonstrar que o racismo estrutura o sistema de justiça criminal no Brasil.

Ela afirma que o encarceramento em massa é um projeto político intencional de morte e que foi um desafio debater sobre isso, já que até os movimentos mais progressistas corriam atrás de defender pessoas inocentes.

“O movimento negro sempre olhou para o sistema de justiça criminal como ele é: uma máquina de moer gente, uma máquina de controle social dos corpos pretos”.

O Brasil foi o país que mais recebeu pessoas escravizadas e o último das Américas a abolir a escravidão. Gabrielle relembra que nesse momento histórico o povo preto estava em uma situação jurídica na qual eram considerados objetos e mercadorias.

“Mas tinha um momento em que eles poderiam ser considerados pessoas, que era quando cometiam um crime”. A palestrante reforça com revolta que eles não podiam exercer seus direitos civis, como votar, mas que poderiam se tornar réus. 

Gabrielle aponta a lógica do capitalismo, onde uma pessoa só é considerada pessoa a partir do momento em que se torna passível de ser punível.   

“A sociedade civil e as organizações que trabalham com sistema de justiça criminal demoraram para entender que o Estado Brasileiro elegeu a população negra como um inimigo interno”, denuncia por fim.

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