Gabriela, 20 anos, já tinha tratado sua dependência química duas vezes antes de ser presa junto com um amigo, na posse de crack. Gabriela reconheceu ser usuária de crack e dependente, mas se tivesse dito que estava traficando drogas, como fez o amigo, estaria em liberdade.
A Lei 11.343/2006 proíbe punir o usuário de drogas com prisão, porém todos os dias, usuários são mantidos nas prisões do país, aguardando o Judiciário decidir se são ou não usuários, caso em que são liberados para buscar tratamento adequado.
Usuária de crack desde os 13 anos, Gabriela foi presa em maio de 2012. Quando finalmente foi ouvida em audiência, se encontrava na penitenciária havia seis meses, onde o acesso a drogas é livre, desde que a pessoa possa pagar.
O colega que foi preso junto com ela não se declarou usuário, e, assim, o processo foi desmembrado. Ele, por ser menor de 21 anos, primário, com bons antecedentes (como Gabriela), foi sentenciado a um ano e oito meses de prisão por tráfico de drogas em dezembro de 2012. Essa sentença imediatamente foi substituída para uma pena alternativa, expediu-se alvará de soltura e ele foi para casa.
Gabriela, que manteve a versão de que é usuária, não foi julgada, não foi solta, e retornou à mesma prisão para aguardar o julgamento, na esperança de provar que, como usuária, não deve ficar presa.
Gabriela tem pais que a apoiam e tentam ajudá-la a cuidar-se. Segundo sua mãe, o advogado do dela aconselhou Gabriela a declarar-se usuária. Porém, agora que o colega, sentenciado por tráfico, está em casa há nove meses, os pais de Gabriela entendem que este conselho estava “errado”, que teria sido melhor declarar-se traficante e sair da prisão.
Gabriela continua “cautelarmente” presa. Para provar que uma pessoa é usuária, o juiz pode pedir um exame toxicológico. No caso da Gabriela, este foi pedido quatro vezes, sendo que duas vezes faltou escolta para levá-la e, na outra vez, faltou o perito necessário para realizar o exame.
Quando a Pastoral Carcerária consultou Gabriela sobre a possibilidade de chamar mais atenção pública ao seu caso, ela teve duas respostas. A primeira: “se me ajudar a sair daqui, pode publicar!”. A segunda resposta, muito sensata para uma moça de 20 anos, foi dizer que como ela há muitas outras moças de 20 anos presas, usuárias, “talvez este caso tenha como ajudar com a situação delas”, comentou.
A defensora pública Verônica Sionti, junto com o Núcleo Carcerário da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, entrou com três Habeas Corpus no processo por excesso de prazo e constrangimento ilegal, e ficou indignada quando todas as instâncias (TJ/SP, STJ e STF) não reconheceram o constrangimento ilegal de manter uma usuária de drogas presa por ineficiência do judiciário.
Manter Gabriela presa fere o princípio da igualdade, já que o moço que foi preso com ela, está solto desde dezembro. Mesmo se a “justiça” não reconhece que Gabriela é usuária, e a sentencia como traficante, não há nada que justifique que ela receba uma pena mais grave do que ele – algo que, de fato, já aconteceu.