Esta é minha filha amada, ela é do meu agrado

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partilha prisao (1)O Batismo de Jesus e nosso Batismo
(partilha de uma visita na penitenciária feminina de Macapá).
Como toda terça feira, ontem também fui à penitenciária feminina, em Macapá, para a visita semanal. A liturgia celebrava o Batismo de Jesus. Vinha pensando nisso desde o final de semana. Sinto que o ritmo dos tempos litúrgicos ajuda a perceber o passar dos dias, das semanas, dos meses na monotonia da cadeia. Anima-me saber que a liturgia foi e continua sendo a primeira e principal Catequese, na igreja, desde seus primórdios. Gosto de pensar que nas celebrações estamos em comunhão com toda a Igreja e peço ao Espírito de Jesus pra ser pequeno sinal dessa comunhão junto às mulheres presas da minha cidade. Por isso, nunca me sinto só, mesmo quando, como ontem, a imposição do horário decidido pela segurança, inviabiliza a companhia de outros colegas da PCr. Alegrei-me ao ver que quase todo o grupo veio participar, éramos 16 mulheres, dos 18 aos 65 anos. Sou eu a que tem mais tempo de cadeia… 15 anos!
Abraços, apertos de mãos, silêncios, olhares.  Olhares e silêncios que falam mais que as palavras, quando apuramos os ouvidos do coração. Este período é sempre pesado, nas cadeias, duro de atravessar, sofrido. Eu faltei nas últimas semanas e temos várias coisas pra partilhar, as notícias das que não estão. As mudanças após a troca de governo deixam todas ansiosas. Por elas e pela cadeia masculina.
Preparamos a mesa com uma toalhinha colorida, a água, as flores despertam curiosidade. Os cantos e mantras ajudam a nos recolher. Lembramos juntas o período litúrgico, desde o Advento. Gostam de lembrar, de mostrar que sabem, de ler a folhinha.  Falando em Batismo, pergunto quem se lembra do próprio Batismo. Somente duas levantam a mão e dizem que não sabem se foram batizadas.  Umas três lembram que foram batizadas já com 5-6 anos e contam do que lembram.
Aprofundo e pergunto pela madrinha, padrinho, muito valorizados na nossa realidade. E convido a nomeá-los, se conseguirem. A emoção aflora ao dizer nomes que trazem lembranças de infância, família, afetos, aconchegos.  Que bom termos isso em nossa vivência! Que bom saber que nossos pais nos propiciaram isso.  Sinto que o momento é favorável e aprofundo mais um pouco: quem lembra o lugar, a igreja onde foi batizada? Todas lembram, pelo menos o município, o bairro. Ajudo a lembrar a quem é dedicada a igreja do lugar e a memória toma forma. Mais emoção. As lembranças e a conversa se avolumam, não precisa mais estimular. As lágrimas rolam novamente, lágrimas boas, acho, que revelam a redescoberta de algo que parecia nem existir mais, mas que se descobre presente e vivo, basta livrá-lo dos escombros que o cobrem. Lavar a poeira do tempo e do sofrimento para que a luz que foi acesa volte a iluminar. Muitas vezes, fiz essa experiência simples com elas, ao rezar o terço, litanias, cantar musicas: exercícios que fazem “re-cordar” (trazer de volta ao coração!)  Faz doer, mas faz muito bem!
Lembramos a celebração do Batismo, o que é usado, o que significa, falo da materna atenção da Igreja que marca as etapas de nossa vida de forma tão simples. É fácil, então, entender o relato do Batismo de Jesus, no rio Jordão, com João, o Batista, primo de Jesus. É sincera a vontade de atender o convite da liturgia e renovamos juntas as promessas de nosso Batismo, de pé ao redor da mesa. Depois cada uma se asperge com a água que abençoamos proclamando:  “Eu – Maria, Rosilene, Michelle, Lúcia, Anna Maria… – renovo as promessas de meu batismo em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo”.
Veio-me espontâneo concluir proclamando sobre cada uma delas: “Maria, Lúcia, Claudia…  você é filha amada do Pai, Ele gosta de você”.
O refrão “Lavadas em Cristo somos uma nova criatura, as coisas antigas já se passaram, somos nascidas de novo”, repetido como mantra, ajudou a nos manter em clima de oração e silêncio, acalmou o coração.
Encerramos como sempre com o Pai Nosso e Ave Maria de mãos dadas e trocamos abraços nos aspergindo e abençoando umas às outras até a água terminar.
Deixei as flores com duas meninas mais sofridas pela situação pessoal e familiar. Maneira de dizer que estarei com elas, mesmo de longe, até o próximo encontro. Melhor ainda: Deus está contigo, pois você é filha amada dele e Ele gosta de estar com você.
Saí no sol forte do fim da tarde no equador, enquanto elas voltavam a suas celas quentes. Hora da chamada.
Saí de lá habitada pelas vidas dessas mulheres sofridas, sofredoras, que ainda carregam o peso de saber que causam sofrimento em quem amam. Entrego cada uma a Deus, já são dele. No silêncio da volta agradeço por Ele me permitir partilhar um pouco de meu tempo, vivência, afeto, oração com estas suas filhas amadas.
Deu vontade de partilhar com vocês. Uma forma de aliviar a emoção, em ação de graças.
Macapá-AP  janeiro de 2015
Festa do Batismo do Senhor
Anna Maria Rizzante
Agente de Pastoral Carcerária no Amapá

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