Em audiência pública, Mães de Maio relembram massacre e clamam por justiça

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Na manhã do dia 18 de maio, ocorreu uma audiência pública do Movimento Independente Mães de Maio, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP. 

Além das falas das mães, a audiência contou com falas de Isadora Brandão, do Ministério dos Direitos Humanos; Marivaldo Pereira, do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Ana Míria Carinhanha, do Ministério da Igualdade Racial, além da presença do deputado estadual de São Paulo Eduardo Suplicy. 

As Mães de Maio foram representadas por Débora Silva, que reforça o fato daquela ser uma audiência provocativa na presença dos ministérios, e ali era preciso ouvir as mães que não se esqueceram do massacre ocorrido em 2006 em SP.

“Aqui nós fizemos um tribunal popular colocando o Estado brasileiro no banco dos réus. Mas que tribunal é esse que não tem voz? O silêncio coletivo é um silêncio fascista e nós não podemos aceitar mais de 600 jovens assassinados no espaço de uma semana”.

Débora cobra a ausência de uma justiça que atenda a população negra e pobre, e questiona se o estado de direito e a democracia servem apenas “ao asfalto e à branquitude,” já que esta nunca chegou na favela e na periferia.

Ela pede para que os ministros apoiem o PL das Mães de Maio, que tem como objetivo oferecer suporte institucional, proteção social e assistência médica para impactos que tenham sido causados por violência. 

“De vocês nós queremos o mínimo, nós queremos reparação psicológica. Nós não queremos discursos, queremos ação e políticas públicas para essas mães”.

Ela relembra de um PL que o movimento fez junto da Pastoral Carcerária, para que essas mães, pós maio de 2006, não existissem nas estatísticas. 

Em seguida, subiu ao palanque Ana Paula Oliveira, mãe de Jonathan Oliveira Lima, um jovem assassinado aos 19 anos na Favela de Manguinhos, por um policial militar que já respondia por triplo homicídio e duas tentativas de homicídio.

“Não vamos deixar que esqueçam o que esse Estado assassino fez com os nossos filhos. Essa luta não pode ser apenas das mães que perderam seus filhos para o genocídio, ela tem que ser de todos. Lutamos pelos filhos que se foram, mas também lutamos pelos que ainda estão aqui”. 

Ana diz que a justiça para as mães nunca será feita, porque “não basta assassinar os corpos dos nossos filhos, é preciso criminalizar e desumanizar essas vítimas para ganhar legitimidade”, e acrescenta que não estão ali pedindo favores, estão exigindo seus direitos. 

O secretário de Acesso à Justiça, Marivaldo Pereira, diz que o novo governo está totalmente aberto para levar a pauta do movimento adiante. 

Ele relembra a extinção do PL da “liberdade para matar”, do ex-ministro Sérgio Moro: “enterramos o projeto que assegurava a mais absoluta liberdade para os agentes agirem fora da lei e assassinar nossa juventude”. 

Marivaldo esclarece que a secretaria de Acesso à Justiça foi criada para ser um espaço de encaminhamento de pautas sociais de pessoas que historicamente são vítimas do Estado e não têm acesso à espaços de tomada de decisão da sociedade. “É uma secretaria de vocês, onde podem se sentir em casa”.

Sobre o projeto de acolhimento e acompanhamento das mães, Marivaldo diz que além de conversar sobre a implementação em SP, já está se buscando levar para as mães do RJ.

“Acho que o nosso grande objetivo é não ter que interromper o processo de proliferação de entidades de mães que choram pelo assassinato dos seus filhos, temos que nos organizar para buscar justiça, o simples cumprimento da lei”, finaliza.

Sandra de Jesus Barbosa, mãe de Luiz Fernando, assassinado com 20 anos em via pública, às 18h30 por policiais da ROCAM, conta que descobriu a morte do filho através de um vídeo que viralizou nas redes sociais.

“Eu sou uma mulher dilacerada, destruída, porque os agentes públicos destruíram qualquer oportunidade de vida do meu filho. E descobri na Constituição o direito à vida, que meu filho não teve”.

Ela conta que durante três dias ficou sem dormir e sem comer, procurando provar a inocência do filho, enquanto os policiais responsáveis pela morte dele foram atendidos por psicólogos. 

“Eu quero justiça. Vou viver até o último dia da minha vida levantando com dor e chorando, porque dói. Dói, no dia das mães,você ter que levar flores em um cemitério frio, sentar no chão e limpar o túmulo do seu filho”.

Isadora Brandão, secretária nacional e representante do Ministério dos Direitos Humanos, ressalta a importância da luta das Mães de Maio, que se propõe a lidar com a violência letal contra jovens e negros, praticada por agentes públicos.

“As repercussões dessa violência são incalculáveis. Produz desestruturação familiar, adoecimento mental, depressão, melancolia, perda de sentido. É um problema que vai além da morte física desses jovens, reproduz também no seu entorno muita morte social”. 

A secretária traz a reflexão de que não temos uma palavra no nosso vocabulário que identifique uma mãe que perde um filho, “a mulher ou o homem que perdem o companheiro se tornam viúva ou viúvo, a criança que perde os pais se torna órfão, mas não existe palavra para quem perde um filho”.

Ela diz que temos convivido e tolerado o intolerável, e é preciso avançar nas propostas de políticas públicas que previnam essa violência e que reparem os efeitos causados, e que o ministério tem como prioridade construir um estatuto das vítimas e elaborar políticas que possam repará-las.

“A reparação simbólica é garantir a memória e a verdade sobre a história desses jovens assassinados”.

Maria Cristina, mãe de Paraisópolis, conta que já conhecia as histórias dos crimes de maio quando perdeu o filho Fernando Luis, dezesseis anos depois.

“É muito complexo falar que estamos aqui fortes, resistentes e resilientes como todo mundo acha. Nós não somos fortes, nos alimentamos da luta. Para mim todo momento é triste e desesperador, porque depois do meu, muitos outros já foram assassinados também”.

A mãe conta que os policiais que mataram Fernando justificaram a morte por asfixia como uma ação que seguia protocolos. “Não podemos permitir que isso continue acontecendo. Nós mães somos aquela voz que exige a mudança”.

Ela finaliza dizendo que não precisamos dessa polícia que mata, porque “eles matam gente inocente, matam só os pobres, periféricos e os negros”.

Ana Carinhanha, diretora de ações governamentais do Ministério da Igualdade Racial, que a pedido da ministra Anielle Franco foi oferecer uma escuta das experiências individuais, disse que as mães “colocam de fato a necessidade urgente deste problema ser olhado com a atenção e o respeito que merece”.

A diretora traz em sua fala o reconhecimento de que “o Estado errou e erra a cada vez que o corpo de uma pessoa tomba no chão pelas mãos do próprio Estado”, e afirma que o Ministério da Igualdade Racial e o Governo Federal não pretendem fugir de suas responsabilidades. 

Ela defende que em muitos dos casos, as vítimas assassinadas são inocentes, e mesmo que não sejam, há protocolos e leis a serem seguidos,  “não existe democracia se nós ignoramos essa violência que está acontecendo e precisa ser interrompida”.  

Ana se comprometeu a discutir todas as formas de reparação que buscam dar suporte institucional, proteção social, assistência médica e psicológica e outras questões abordadas durante a audiência.

“Enquanto Estado nós também temos limitações, e acredito que vocês conheçam muitas delas, mas gostaria de dizer que vamos empenhar todos os nossos esforços para promover os melhores diálogos e atender as demandas que vocês nos trazem”, conclui.

Débora, fundadora do movimento Mães de Maio, diz que o amor das mães se multiplica quando elas têm seus direitos negados.

“É necessário que os ministérios estejam com o compromisso, porque o caminho nós já sabemos qual é. As mães vão ocupar Brasília para reivindicar e fazer o que já fazemos há 17 anos: negociar justiça, políticas públicas e que parem de matar nossos filhos. É o mínimo”.

DEIXE UM COMENTÁRIO

Volatr ao topo