Desde o ano 2000, a psicóloga e psicanalista Isabel da Silva Kahn Marine, doutora em Psicologia Clínica, está à frente de uma parceria entre o curso de Psicologia da PUC-SP e a coordenadoria de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, pela qual, estagiários do 5º ano de faculdade realizam um trabalho voluntário junto a grávidas e mães que aleitam seus bebês nas penitenciárias localizadas na capital paulista.
A partir das experiências desse projeto, a psicóloga escreveu o artigo “Tornar-se mãe num presidio: a criação de um espaço potencial”, contando detalhes da iniciativa e as dificuldades das gestantes e puérperas nas prisões. A reprodução do conteúdo pela Pastoral Carcerária foi permitida pela autora.
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De acordo com Isabel, na realização dos grupos de trabalho com as presas – semanalmente, durante uma hora e meia -, os objetivos sempre são fortalecer o vínculo mãe-bebê, considerando sua importância para o desenvolvimento da criança; valorizar os atores institucionais em relação ao seu lugar de destaque frente à promoção de saúde da mãe e seu bebê; e mobilizar a rede de sustentação afetivo-social mãe-bebê, para garantir a convivência da criança com essa comunidade.
Nesses encontros, as presas elaboram o “Livro do Bebê”, com informações sobre a criança e a mãe (fotos, como cuidar, a rotina da criança, história de vida de cada um); é trabalhada e resgatada a questão da figura da mãe e mulher, a partir de momentos de reflexão, técnicas de massagem e atividades artísticas; é feito o uso de músicas infantis, construção de brinquedos, confecções de decorações infantis na tentativa de tornar o local mais lúdico; e se escuta as propostas das mulheres para a troca de experiências.
De frente com a realidade
“A experiência dentro de um presídio com mães e bebês traz radicalmente a vivência da violência e as dificuldades e desafios de se buscar significações para rupturas e faltas, dentro de um sistema legítimo, ético e que resgate laços de solidariedade e respeito humano”, aponta Isabel Marine, em um dos trechos do artigo.
Conforme a psicóloga relata, “parecia que quanto mais as mães podiam sonhar para seus bebês a liberdade que elas almejavam, mais ameaças e mais hostilidades eram mobilizadas nos funcionários, que lamentavam não estar em unidades masculinas ou mesmo em presídios onde não havia bebês. Podíamos inferir que a valorização do vínculo mãe-bebê e, consequentemente, da mulher ‘bandida’ era perturbadora para os agentes penitenciários”.
Segundo Isabel, uma das reclamações recorrentes das presas é não saberem quase nada sobre seus bebês quando são hospitalizados. “Nem sempre era garantida a atualização das informações, e comentava-se sobre a resistência do hospital em atualizar a contento o estado de bebê. Essa ‘má vontade’ do hospital foi relacionada à ‘aura que envolve a penitenciária’. Relataram também que as pessoas enxergam a prisão como ‘lixo social’, que têm medo de qualquer relação com ela e que, por isso, qualquer comunicação era muito difícil”.
Ainda de acordo com a pesquisadora, “observou-se, em algumas unidades, nem mesmo espaços lúdicos para os bebês são garantidos, pois são penitenciárias que tiveram que se adaptar para receber a nova realidade. Faltam brinquedos, os ambientes físicos nem sempre são adequados para permitir, por exemplo, que fiquem no chão, de forma a estimular seu desenvolvimento motor, há ausência de playgrounds, o que compromete inclusive a visita de outros filhos”, afirma, apontando, ainda, em outro trecho do artigo que “a partir das questões trazidas pelas detentas em relação ao hospital e aos abrigos pudemos perceber a dificuldade de articulação da penitenciária com a rede social”.
O que precisa e pode mudar?
“Visto que a assistência, cuidado e atenção às gestantes e puérperas em situação de privação de liberdade é um direito constitucional, consideramos de extrema importância garantir um trabalho voltado para esse público, de modo a proporcionar espaços em que a saúde psíquica possa estar em pauta, trabalhando a valorização dessas mulheres (mães ou futuras mães) não só no aspecto do ser mãe, como também no de ser mulher, contribuindo para o reconhecimento e responsabilização dessas mulheres para que possam desenvolver a maternidade do filho que vai nascer”, comenta Isabel, na conclusão do artigo.
Em outro trecho do texto, a pesquisadora lembra que é preciso que se realize um trabalho de conscientização dos funcionários das penitenciárias, especialmente com aqueles que lidam diretamente com as mães e os bebês. “Considerando que o trabalho dentro de uma penitenciária já é complexo e envolve questões difíceis, no caso deles essa tarefa se torna ainda mais delicada e importante, pois, assim como as mães, todos os funcionários também fazem parte da formação dessas crianças. Muitos dos mitos e resistências já apontados neste texto poderiam ser trabalhados, contanto que se criasse um espaço de escuta e sustentação para esses funcionários, que também são afetados pela complexa dinâmica que envolve a chegada de um bebê”.
Isabel ressalta, também, que “o fato de muitas penitenciárias ainda não estarem adaptadas para receber as mães e seus bebês fez com que, ao longo do processo do estágio, esses aspectos fossem questionados de forma a se pensar estratégias para tentar modificar minimamente aquele local. Era frequente a queixa das mães em relação à falta de recursos para os bebês que não possuíam nenhum tipo de brinquedo, e que nem mesmo as famílias podiam entrar com esses objetos”.
A Doutora em Psicologia clínica indicou, ainda, que “a psicologia aponta que se deve garantir uma segurança básica para a constituição subjetiva que usualmente está referida à presença da mãe, sendo que a gestação é o momento em que se funda esse processo. Fortalecer esse momento é essencial, considerando inclusive que o bebê poderá permanecer com sua mãe durante os primeiros seis meses de vida, condição estabelecida por Lei. Dentro desse cenário, mostra-se de grande importância que se garanta uma estrutura que proporcione uma permanência saudável tanto para mãe como para seu bebê durante esse período. De acordo com o art. 89 da Lei Nº. 7210/84, as penitenciárias femininas teriam que ser dotadas de seções para gestantes e parturientes, porém, na prática, o que se vê é que a grande maioria das penitenciárias carece desse tipo de ambiente”.