Cultura em troca de Liberdade

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Magistrados de todo o país devem receber em breve uma orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para considerarem atividades extracurriculares – como jogos esportivos, encenação de peças teatrais, música e leitura de livros – válidas na concessão do perdão de pena a presos do regime aberto e semiaberto.
O texto do parecer em análise no órgão amplia a interpretação de “estudo” prevista na Lei nº 12.433, sancionada em 2011. Pela norma, 12 horas estudando resultam em um dia de pena remida. Como novo entendimento do CNJ, que ainda precisa ser aprovado no plenário do órgão, até detentos que se dedicam aos livros sozinhos poderão ser beneficiados com a diminuição de dias a cumprir. Apesar de polêmica, a prática da remição por meio de atividades alternativas à educação formal é realidade em pelo menos cinco estados, além do Distrito Federal, segundo dados do Ministério da Educação (MEC).
O texto da recomendação do CNJ já foi remetido aos conselheiros e ao presidente do órgão e do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, para chegar à votação, ainda sem data marcada, embalada pelo consenso. Autor da minuta, o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Luciano Losekann, acredita na aprovação sem grandes problemas.
“Todos aqui são muito sensíveis à questão penitenciária. Talvez sejam necessários apenas alguns ajustes. Não creio em resistência”, afirma. Segundo ele, optou-se por uma recomendação, e não uma resolução, em respeito à autonomia dos magistrados e também para criar regras mínimas. “Não é pegar uma bola, dar ao preso e com isso diminuir a pena. Terá de ser uma atividade orientada e integrante do plano político-pedagógico da unidade prisional”, destaca.
Para Maurício Miranda, promotor de Justiça do Distrito Federal, é preciso cautela para não banalizar o instrumento da remição de pena por estudo. “Jogar futebol, ler livros, será que há embasamento científico que ateste a efetividade dessas atividades na reinserção social do preso? Temos assistido a uma política do Estado de sempre diminuir as penas das pessoas, sem avaliar o impacto dessa redução”, critica.
Na avaliação do padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, qualquer medida que diminua o ócio dentro das unidades prisionais deve ser estimulada. Ele defende que atividades como leitura e teatro têm potencial de impactar intelectualmente as pessoas privadas de liberdade.
A recomendação em análise no CNJ determina alguns critérios para concessão do perdão da pena. No caso da leitura, por exemplo, o preso terá de escrever uma resenha da obra lida no período máximo de 30 dias. Os educadores poderão ainda fazer perguntas orais sobre o livro. A remição por esporte ou projetos culturais seguem o mesmo raciocínio do ensino formal, ou seja, a cada 12 horas de atividade, divididas no mínimo em três dias, ganha-se um dia de pena perdoada. Os presos que estudarem sozinhos, em unidades onde não haja oferta de ensino formal, terão de ser aprovados em testes periódicos realizados pela rede de educação, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No Brasil, apenas 10% dos 549,5 mil detentos participam de alguma atividade educacional, conforme dados de junho de 2012 do Ministério da Justiça. O CNJ foi provocado por uma nota técnica encaminhada pelos ministérios da Educação e da Justiça no ano passado – que pediram uma resolução padronizando a concessão do perdão da pena por meio das atividades extracurriculares. O órgão optou, porém, pela recomendação.
Um livro por quatro dias
Em resposta a levantamento feito pelo Ministério da Educação, seis unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal, informaram ter projetos de educação não formal, como teatro, música e literatura, para fins de remição de pena. No Paraná, as 31 unidades prisionais oferecem programas de leitura que dão perdão da pena. Cada livro lido resulta em quatro dias remidos. Cerca de mil detentos, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça paranaense, se beneficiam do atendimento.
Em Minas Gerais, os livros também rendem dias a menos de prisão. Helil Bruzadelli, superintendente de atendimento ao preso da Secretaria de Defesa Social mineira, explica que o projeto está disponível a 75% dos 21 mil presos sentenciados do estado – os provisórios não têm acesso ao projeto. “As obras disponíveis seguem o mesmo critério da rede pública”, explica Bruzadelli.
Em Santa Catarina, segundo a assessoria de imprensa do sistema prisional local, juízes de algumas comarcas fazem indicações. Em Joaçaba, um determinou que Otelo, de Shakespeare, fosse lido. O sistema prisional federal, que abriga alguns dos presos mais perigosos do país, também concede perdão de pena pela leitura. Mas o Ministério da Justiça não informou quantos já foram beneficiados.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS
Pela diminuição da ociosidade
Todas essas medidas alternativas são muito bem-vindas, porque diminuirão um dos maiores problemas do sistema penitenciário, que é a ociosidade, muito relacionada ao fenômeno da reincidência. O teatro, a cultura, a leitura, tudo isso ajuda a pessoa a se sentir mais sensível em relação ao próprio mundo e à sociedade. Claro que haverá, como já existem nos estados que fazem remição de pena por tais atividades, critérios. É o juiz quem dará a palavra final. Não basta dizer que leu o livro, tem de passar por uma avaliação. As críticas sempre surgem quando a educação e a cultura são ofertadas à população pobre, imagine para o preso. Entretanto, não acredito que essa medida trará qualquer modificação na superlotação das penitenciárias brasileiras, diante da cultura do encarceramento cada vez mais forte no país, sem que haja condições dignas para os privados de liberdade.
Padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária.
Só educação tem impacto
Fico bastante preocupado com a tendência atual da política criminal conduzida pelo Estado de reduzir penas e antecipar exageradamente a soltura dos condenados. Embora eu não conheça o teor da recomendação que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) estuda fazer, é preciso haver critérios científicos atestando que as atividades extracurriculares realizadas resultam em acréscimo cultural e intelectual relevante ao detento. Sem um critério científico, tais atividades servirão apenas para diminuir a população carcerária e tornar a administração das unidades menos complexa. Sem contar o risco de o próprio preso se sentir desmotivado a estudar, porque estudar é difícil, exige dedicação, não é algo sempre prazeroso. Queiramos ou não, a única coisa reconhecidamente produtiva é a educação formal, com impacto intelectual e profissionalizante no processo de reinserção social.
Maurício Miranda, promotor de Justiça do Distrito Federal.
Fonte: Correio Braziliense – Renata Mariz – publicado em 21 de fevereiro de 2013

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