Correspondências com presos

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A imprensa fala seguidamente de presos, de cadeias, das façanhas do mundo da delinquência, do que há de habitual ao mais horrendo. De fato é um mundo “pesadão” e não se pode justificar o injustificável. Diante desta situação, há quem gostaria de entrar em contato com presos, mas tem receio. Como fazer para entrar em uma cadeia ? São trâmites administrativos não tão fáceis e mesmo quando se tem a autorização em mãos, não é certo que se possa encontrar a(s) pessoa(s) que se vai visitar. Por vezes está no pátio, no esporte, no parlatório com o Advogado, na Escola, no serviço, na Enfermaria, etc. Há contudo um meio eficaz de permanecer em contato com os presos. Até se diria poder estar presente ao mesmo tempo nos 149 estabelecimentos do Estado de São Paulo. Como ? Embora estejamos habituados à internet, a CARTA é ainda um dos meios de comunicação muito eficaz. Nem sempre se poderá encontrar um preso, mas a carta lhe chegará em mãos. Mais cedo ou mais tarde. E o quanto uma correspondência é mais do que importante na vida dos que estão cortados do “mundo de fora” ! Um pouco como me disse pessoalmente um detento : “Tudo o que aqui vem da rua, é como um balde de oxigênio ! “.
O que mais almeja um preso é “a tão sonhada liberdade”. Bem além de lhe ser tolhida a possibilidade de ir para onde quer, estar preso significa antes de tudo estar “à margem” do cotidiano real de todo cidadão. Uma coisa é ver “flashes” do que se passa fora da cadeia pela TV, outra coisa é “viver no clima” do que se passa aqui fora ; de “ver e sentir” os filhos crescer com seus questionamentos e necessidade de pai e mãe ao lado, em casa ; se sentir integrante da sociedade onde vivia, com o vestuário de sua escolha ; dar e receber carinho da família e amigos ; se alimentar a seu gosto e acompanhar o ritmo das festas tradicionais ; poder mesmo “se despedir” no funeral de parentes ou conhecidos.
Em poucas palavras, viver como um cidadão “normal”, bastante diferente daquele onde agora se encontra por razões as mais diversas. Um “mundo fechado”, unissexuado ( só entre homens ou só entre mulheres ), sem muitas fantasias nem cores, sem privacidade. Confinado, vigiado dia e noite e dependente em tudo, o cotidiano tenso do detento vai aos poucos perdendo a real dimensão.“Por um nada”, acontecimentos internos ou externos viram “ drama”. Fisicamente vigorosos, mas psicologicamente fragilizados, o estresse não é raro e por vezes extremo.
Diante deste quadro rápido, é “normal” ter receio de encontrar um preso, mas também é realista recordar que todos não “somos feitos” para toda e qualquer atividade.
Se entende também porque para um detento “ tudo o que vem da rua é como um balde de oxigênio “. Não para “justificar” o mal cometido, mas simplesmente para se fazer presente em meio aos limites e potencialidades de cada um-a. Levar o chamado “oxigênio“ para manter a vida ; fazer sentir ao que está cortado da sociedade que ele continua fazendo parte da mesma e mais cedo ou mais tarde voltará no lado de cá. Enquanto isto – sem defesas nem julgamentos ( esta função pertence às instâncias jurídicas ), se escuta, se encoraja a autoestima e dignidade, se acompanha como um irmão na estrada de Emaus.
E os meios para se por nesta vereda são os mais diversos. De uma carta simples ao envio de textos de autoajuda, de um comentário da Bíblia ou quem sabe mesmo um postal ? Sem esquecer as felicitações de aniversário ( o quanto é importante saber que se está sendo lembrado, quando parece que ao entrar numa cadeia, todos lhe viraram as costas. Isto é muito estressante e por vezes dá ensejo a um drama, tal descreve um detento a quem chamaram de “monstro”. ( “ no momento que eu estava trancado como um bicho dentro de um quartinho, com pensamentos de coisas ruins , do nada apareceu uma luz. Um grande envelope com uma linda tarifa (selo) de Jesus Cristo, com um nome que eu não conhecia. Chegou em minhas mãos, quando abri aquela carta, todos os meus pensamentos ruins se transformaram em pensamentos positivos, quando comecei a ler aquelas palavras tudo se fez novo, comecei a ter esperança de novo, de viver, mesmo eu errando da forma que eu errei. Uma pessoa que não conheço pessoalmente acredita que eu tenho mudança e que para Deus nada é impossível.” ).
Felizmente estes casos são extremos e não ocorrem todos os dias. O cotidiano é prosaico, mas a necessidade de “oxigênio” que dá vida não é menos necessária.
Gestos humanos, gestos apropriados ao contexto. Para os cristãos para quem a referência primeira são os ensinamentos e gestos de Jesus, o pano de fundo de todos aqueles que de longe ou de perto acompanham pessoas encarceradas não seria esta lembrança do que se lê no Evangelho ? ( O que vocês fizerem por um destes pequenos a mim o tereis feito. Mt. 25:40 ).
Padre Louis Granot, OP

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