No dia 5 de novembro, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados votou, por unanimidade, contra o Projeto de Lei 59/2023, de autoria da deputada Renata Abreu (PODE-SP), que previa a oferta de itens básicos de higiene pessoal a mulheres presas, incluindo papel higiênico, absorventes íntimos e fraldas infantis para mães acompanhadas de seus filhos. Com exceção da deputada Duda Salabert (PDT-MG), todos os presentes demonstraram uma postura de insensibilidade ao ignorar a dignidade e os direitos humanos dessas mulheres, que já enfrentam condições degradantes e desumanas no sistema prisional.
É revoltante constatar que, no Brasil, mulheres presas rasgam suas próprias roupas para conter o fluxo menstrual e realizar sua higiene básica, ou então usam pedaços de pão enquanto absorventes.
A população carcerária feminina do Brasil, embora apresente números absolutos inferiores ao encarceramento masculino, teve um crescimento exponencial na taxa de encarceramento desde o início dos anos 2000. De acordo com dados do Infopen e do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, entre 2000 e 2017, o número de mulheres em situação de cárcere aumentou em 675%. No mais, quase ¼ (24,4%) das mulheres privadas de liberdade estão presas provisoriamente, ou seja, em que pese serem constitucionalmente inocentes, estão sendo privadas de seus direitos mais básicos violados no cárcere. No que se refere ao perfil das mulheres presas no Brasil, tem-se que cerca de 65% se autodeclaram pretas ou pardas, e que 75% dessas possuem até o ensino médio completo.
Dentre essas mulheres, considera-se que que a grande maioria não é uma ameaça violenta à sociedade. São mulheres do tráfico, vítimas do contexto de pobreza e exploração, ou companheiras de homens envolvidos no crime. Muitas são mães, abandonadas por seus próprios familiares e pela sociedade. Elas já vivem em solidão, invisibilidade e sofrimento extremo. Negar-lhes o mínimo para sua higiene pessoal é um ato de crueldade que contraria os princípios básicos de direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, protegidos pela Constituição e pelos Tratados Internacionais, assinados pelo Brasil , como as Regras de Bangkok.
“E o Rei lhes responderá: Em verdade vos digo que sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” (Mateus 25,40).
Negar papel higiênico e absorventes é negar humanidade. É impor um sofrimento adicional desnecessário a pessoas que já foram privadas de tudo. É perpetuar uma lógica machista e escravocrata que se recusa a enxergar as mulheres encarceradas como seres humanos integrais, dignos de respeito e cuidados básicos. Afinal, a menstruação é uma condição biológica exclusivamente feminina, é inadmissível que o Parlamento trate isso como um problema a ser ignorado.
De acordo com um estudo da Organização Justa, os custos para fornecer absorventes íntimos e itens de higiene seriam ínfimos: 0,01% do orçamento destinado aos presídios. Este número é irrisório diante do impacto positivo que essa medida teria sobre a saúde e dignidade dessas mulheres. Mesmo assim, os parlamentares optaram por endurecer ainda mais um sistema que já pune em excesso.
Essa decisão é uma afronta direta aos princípios da justiça e da compaixão. O que esses deputados desejam? Voltar aos tempos da escravidão, quando as mulheres eram humilhadas, vilipendiadas e tratadas como menos que humanas? Esse tipo de postura nos faz questionar: até onde vai o desprezo por essas mulheres, majoritariamente pobres, pretas e periféricas?
Senhores e senhoras parlamentares, lembrem-se: “A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama ao próximo cumpre a lei.” (Romanos 13:8).
A história julgará severamente esta decisão. E nós, como sociedade, não podemos nos calar diante de tamanha injustiça. A luta pela dignidade das mulheres presas é a luta por uma sociedade mais justa e humana. Que possamos seguir com coragem, cobrando políticas que respeitem os direitos básicos de todos, especialmente daqueles que mais precisam.