Neste domingo, o Fantástico veiculou uma matéria a respeito das mulheres trans no sistema prisional. É positivo que o programa tenha discutido um assunto que por vezes tem sido colocado embaixo do tapete nos tempos atuais de homofobia e preconceitos.
No entanto, a reportagem foca em alguns casos individuais, fazendo passar uma mensagem romantizada dos presídios, como se estes fossem um local de inclusão e oportunidades para a população trans, que é extremamente marginalizada, tanto fora como dentro do cárcere.
Se para as mulheres o cárcere é sinônimo de reprodução de desigualdades, opressão de gênero e desconstrução da sua essência para moldá-las, as mulheres trans em situação de prisão – e toda população LGBT – são ainda mais invisibilizadas, jogadas nas masmorras brasileiras.
Visitando os cárceres pelo Brasil afora, nos deparamos com a realidade brutal, desumana e machista com que as mulheres trans são tratadas. Celas superlotadas, ausência de material de higiene e roupas íntimas, péssimo atendimento à saúde, a maioria não tem direito de prosseguir com a terapia hormonal, não tem acesso a preservativos e tratamentos de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis e não há nenhuma assistência psicológica.
Como a matéria do Fantástico abordou em uma das entrevistas, o abandono é muito presente: essas mulheres não recebem visitas de familiares e amigos.
Além de todas essas violências, percebemos em nossas visitas pastorais que um grande problema é que o cárcere busca fazer com que as presas trans percam as características de gênero que elas escolheram fora da prisão – exemplo maior disso é a obrigação de corte de cabelos, determinado pelo sistema, que acaba com a individualidade da pessoa.
As mulheres trans também são tratadas como objetos, sendo abusadas e torturadas com violências emocionais, físicas e sexuais, práticas tão naturalizadas por conta da marginalização dessa população na sociedade como um todo.
Longe do que nos mostrou a matéria veiculada, as violências e opressões que as mulheres trans vivem nas prisões não tem qualquer tipo de apoio ou solidariedade.
O sistema carcerário é uma máquina de morte, e as vidas que lá estão são tidas como descartáveis pela sociedade; o Estado brasileiro faz com que dentro do sistema carcerário e fora dele, essas mulheres se sintam amplamente abandonadas, humilhadas, perdendo sua essência, dignidade, identidade e alegria de viver.
O Estado Brasileiro viola leis com práticas perversas, desumanas e insensíveis, gerando mais ódio e violência dentro e fora das prisões, seguindo um caminho contrário ao que nos pede Jesus no Evangelho de Jo, 10,10: “eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância.”
A realidade das mulheres trans, da população LGBT e das mulheres encarceradas é muito dura. Nós da Pastoral Carcerária seguimos como profetas da esperança, na busca do sonho de Deus: o mundo sem cárceres.
Rosilda Ribeiro é coordenadora nacional para a questão da mulher presa da Pastoral Carcerária