A Pastoral Carcerária Nacional para a Questão da Mulher Presa produziu uma pesquisa sobre a situação das mulheres encarceradas durante o período da pandemia da COVID-19.
A pesquisa é baseada em um questionário enviado às secretarias penitenciárias de 19 estados de todas as regiões do país; destes, 13 responderam com dados e informações sobre as prisões femininas, do período de maio a agosto de 2020.
Além disso, relatos de familiares recebidos pela Pastoral no decorrer da pandemia foram utilizados, assim como dados fornecidos pelas coordenadoras estaduais da mulher da PCr em alguns dos estados.
Apesar dos números apresentados referenciarem o período de maio a agosto, demonstram que a subnotificação de dados realizada pelos órgãos oficiais torna a existência de um relatório com 100% de precisão factual impossível. Assim, o período analisado nos fornece um panorama de uma população que vem sendo silenciada e invisibilizada durante a pandemia.
Prova disso é que, enquanto a volta gradual das visitas tem se iniciado em uma série de presídios masculinos por todo país, segundo informações de nossos/as agentes de Pastoral, em apenas dois presídios femininos isso aconteceu, neste mês de dezembro, isolando estas mulheres e fazendo com que a obtenção de notícias seja mais difícil ainda.
Abaixo, você confere a pesquisa na íntegra:
SITUAÇÃO DAS MULHERES PRESAS EM TEMPOS DE PANDEMIA
A Pastoral Carcerária Nacional para a Questão da Mulher Presa aplicou questionários para obter informações sobre a COVID-19 nas unidades prisionais femininas de nosso país. Os dados obtidos, que seguem a seguir, são referentes ao período de maio a agosto de 2020.
Os questionários foram encaminhados para secretarias de administração penitenciárias de 19 estados, sendo que destes, 13 responderam: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná (região Sul), Amapá, Manaus (região Norte), Alagoas, Maranhão, Pernambuco (região Nordeste), São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo (região Sudeste), Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso do Sul (Centro-Oeste); neste último, as informações não são em âmbito estadual, mas sim de algumas unidades que o compõem, ao contrário dos demais.
Dessa forma, os dados apresentados trazem um panorama parcial da situação vivenciada nos estabelecimentos prisionais femininos durante a pandemia. Os resultados da pesquisa estão apresentados nos gráficos abaixo, de acordo com a região de cada estado, como mencionado acima.
O número de infectados pela COVID-19 no sistema prisional de nosso país tem aumentado significativamente nos últimos meses. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, houve um aumento de 82 % nos últimos trinta dias. Ao questionarmos sobre casos confirmados de COVID-19 entre as privadas de liberdade, obtivemos os dados indicados no gráfico 1.
Como não há testes suficientes para atender toda a população carcerária, a privada de liberdade somente é submetida a testagem quando apresenta sintomas, e muitas vezes são isoladas sem testagem durante o tempo recomendado para o isolamento, em média 14 dias.
Dessa forma, os dados apresentados no primeiro gráfico correspondem apenas a pacientes com sintomas, sendo que privadas de liberdade assintomáticas e com casos leves não entram nessas estatísticas.
Em relação ao isolamento das privadas de liberdade que testaram positivo para o novo coronavírus, todas as unidades prisionais responderam que há alojamento específico. As unidades onde não houve registro de casos informaram que será respeitado o isolamento se ocorrer a contaminação, para combater a propagação da doença.
Nesse sentido, caberia aos órgãos fiscalizadores, como o Departamento de Monitoramento e Fiscalização, verificar se as prisões estão seguindo as recomendações impostas e se o isolamento das contagiadas está sendo respeitado, pois sabemos da realidade de superlotação e as precariedades de que padece esse sistema, onde os riscos são iminentes.
Ressaltamos que diante das incertezas trazidas pela COVID-19, por ser uma doença nova e atingir grandes proporções, até o momento, a prevenção continua sendo uma opção assertiva.
Prisão Domiciliar
Para frear ou tentar combater a propagação do coronavírus nas unidades prisionais, seria necessário reavaliar a execução das prisões e priorizar a concessão de prisão domiciliar, o que auxiliaria
em um esvaziamento parcial ou total das unidades.
No gráfico abaixo está apresentado o número de privadas de liberdade que obtiveram a prisão domiciliar em decorrência da COVID-19.
A propagação e contágio do novo coronavírus é maior, sendo também mais letal quando comparado a outras gripes. Soma-se a isso que até o momento não há uma vacina ou medicamentos específicos para o tratamento da doença, e que, mesmo quando uma vacina exista, é de se questionar se a população prisional irá recebê-la.
Lembramos também que o sistema prisional, por suas precárias condições e superlotação, é de alto risco, requerendo do estado um envolvimento maior.
Gestantes, bebês e idosas
O próximo gráfico apresenta o número de gestantes, bebês e idosas presentes nas prisões avaliadas pelo questionário.
Questionamos também acerca das principais doenças, que acometem as privadas de liberdade nas unidades prisionais. Em todos os estados as respostas que mais apareceram foram: diabetes, hipertensão, HIV, DST’s e obesidade; dados do Depen de abril de 2020 apontam que 4.052 mulheres possuem doenças crônicas ou doenças respiratórias.
Não obstante a legislação indicar medidas preventivas à propagação da COVID-19 no âmbito do sistema de justiça penal, pode-se observar uma certa objeção no seu cumprimento. Tal fato pode ser observado no gráfico 3, onde verifica-se que ainda há privadas de liberdade com seus filhos e pertencentes ao grupo de risco encarceradas.
A Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda a concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, sobretudo em relação às mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos, ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com necessidades especiais e demais pessoas presas que se enquadrem no grupo de risco.
Há também a Lei 13257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e dá o direito à prisão domiciliar para a mãe lactante e seus bebês.
Os fatos apresentados acerca de toda essa situação de violações de direitos e que ferem a dignidade da pessoa humana experienciadas pelas mulheres em privação de liberdade configuram-se como tortura.
São negligências cometidas não só pelo sistema prisional (que não atende como corresponderia a LEP), mas também pelo poder judiciário, que coaduna com tal situação e descumpre legislações e recomendações específicas para essa população prisional.
Visitas e entrega de materiais
As iniciativas adotadas pelos estados brasileiros como forma de tentar conter a disseminação do coronavírus nas unidades prisionais foram, no geral, medidas que visam à restrição dos direitos de pessoas presas, como a suspensão das visitas por familiares e entidades religiosas, visitas essas imprescindíveis em um momento tão delicado, em que o apoio emocional ofertado pelo atendimento religioso, direito da pessoa presa e missão profética da Pastoral, possibilitam também o combate à tortura e a promoção da dignidade humana, sendo a única voz das pessoas presas fora do cárcere.
Além da suspensão das aulas, do recebimento e envio de cartas e de alimentos e material de higiene pessoal, por parte dos visitantes, entre outros.
E também como alternativa, em alguns estados, foi possibilitada a visita virtual e o envio de e-mail. Ocorre que não houve um planejamento adequado quanto ao formato dessas visitas virtuais, sendo que em algumas unidades permitiam-se até 3 horas de visita, em outras apenas por alguns minutos, sem falar que não são todos os familiares que possuem os recursos necessários para possibilitar as visitas virtuais, e nestes casos não houve sequer uma medida alternativa para viabilizar essas indiferenças, negligenciando assim os direitos da pessoa presa e de seus familiares.
Caracteriza-se outra espécie de tortura, uma vez que as pessoas privadas de liberdade e seus respectivos visitantes são punidos pela falta de prudência do Estado e permitido pela maioria dos magistrados que dizem atuar conforme a lei, mas se fizessem de fato não estaríamos tratando de tantos descasos até os dias de hoje.
O gráfico abaixo apresenta o número de privadas de liberdade que tiveram a possibilidade de visita virtual e a periodicidade da entrega de material de higiene pessoal. A conversa virtual, monitorada e controlada pelos/as agentes penitenciários/as dura pouco tempo e não permite uma conversa pessoal, resguardando a intimidade familiar, e nem há a possibilidade que a pessoa presa denuncie à familiar eventuais torturas ou maus tratos.
A menor periodicidade de entrega de itens pessoais que no início da pandemia foi suspensa – especialmente os de higiene, que na maioria dos estados é entregue somente uma vez ao mês, faz com que a população prisional seja mais vulnerável ainda ao coronavírus, dado o ambiente superlotado e com péssimas condições sanitárias que são os cárceres.
Relatos trazidos nos questionários por familiares, entidades de direitos humanos e agentes da Pastoral Carcerária salientam a falta de acesso a informação sobre as privadas de liberdade, gerando angústias e incertezas.
“Ligamos na unidade e dizem que não podem dar informações, ou dizem que está tudo bem, mas nós sabemos que pode não estar”.
Em outro relato, os familiares também demonstram preocupações decorrentes da falta de notícias.
“Não sabemos se há material de higiene, medicamentos, se elas estão bem. Não sabemos a real condição delas”.
Tratamento médico
O número de privadas de liberdade que estavam em tratamento médico, tanto clínico geral como psiquiátrico, durante o período avaliado pelo questionário, é apresentado no gráfico abaixo.
Tais informações são relevantes, uma vez que essas privadas de liberdade tendem a ter quadros mais graves quando acometidas pelo coronavírus, assim como a ausência de notícias dos familiares e as incertezas podem agravar o estado de saúde em pacientes em tratamento psiquiátrico.
Conclusões
Com essa pesquisa, pôde-se confirmar a grande dificuldade em obter informações sobre as mulheres privadas de liberdade, reforçando sua invisibilidade dentro de um contexto que já é excludente e agravado pela pandemia.
A resistência em fornecer informações sobre o que está acontecendo nas prisões não só prejudica a produção de uma análise aprofundada sobre a situação atual das mulheres presas como também deixa familiares e organizações sociais que lidam com o cárcere no escuro em relação às violências e torturas que vem ocorrendo nas prisões, e que tipo de ações preventivas – se há alguma de fato – estão sendo aplicadas.
Além disso, as ações de prevenção detalhadas pelas secretarias para combater a transmissão do vírus, como a distribuição de máscaras para as privadas de liberdade, orientações acerca dos cuidados com a higiene, em especial a higienização das mãos, não são efetivas, considerando que a prisão é um ambiente propositalmente torturador.
A superlotação, condições precárias de higiene, doenças, violências e torturas às quais essas mulheres estão submetidas são parte do funcionamento do sistema carcerário, cujo objetivo é moer esses corpos e vidas.
A pandemia do coronavírus, neste cenário, é mais uma ferramenta de tortura, que se espalha sobre essas mulheres, seus filhos e filhas, sem que uma solução de fato efetiva – como o desencarceramento – seja tomada.
Enquanto as Marias nos cárceres continuarem presas e sofrendo, a Pastoral Carcerária estará ao lado delas. Seguimos, por um mundo sem cárceres!