Adriana Ancelmo, mulher do ex governador Sérgio Cabral que encontrava-se presa devido a lavagem de dinheiro no estado do Rio de Janeiro desde dezembro de 2016, foi contemplada na semana passada com a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, para que pudesse cuidar dos filhos de 11 e 14 anos. Importante não é se revoltar com a prisão domiciliar de uma mulher acusada de um crime popularmente chamado de “corrupção”, e sim com o fato de a concessão da prisão domiciliar ser seletiva.
Atualmente, 30% das mulheres no sistema penitenciário não possuem condenação, ou seja, estão sujeitas a prisão preventiva. Sabemos que existem muitas mulheres na mesma situação de Adriana, mas que enfrentam enormes dificuldades para conseguir a conversão de regime ou outras medidas cautelares – seja isso por falta de acesso à justiça ou mesmo pela seletividade com a qual o Judiciário trata diferentes camadas sociais no Brasil.
O Grupo de Trabalho (GT) Mulher e Diversidade da Pastoral Carcerária (PCr) da Arquidiocese de São Paulo é abolicionista penal, vislumbrando, como a PCr da América Latina, Caribe e a PCr Nacional, “um mundo sem cárceres”. Por isso, não defende a prisão de qualquer pessoa como solução para o fim da criminalidade ou os conflitos sociais em quaisquer classes ou contextos.
Neste sentido, além de reconhecer a prisão como instituição produtora de violências e torturas e incapaz de eliminar a insegurança e resolver problemas da sociedade, nós também enxergamos o sistema judiciário como estrutura (re)produtora das desigualdades sociais. Dessa forma, nos causa indignação ver magistrados e operadores do direito utilizando concessões de medidas que abrandam o cumprimento da sentença apenas para quem é economicamente privilegiado e não para todas as mulheres presas que têm direito, caracterizando uma grave distorção do sistema de justiça que precisa ser pautada.
O Judiciário age de maneira correta quando aplica as normas do Tratado Internacional de Bangkok, assim como quando aplica o artigo 318 do Código de Processo Penal ou ainda o Marco Legal da Primeira Infância. O problema é que só age assim de forma seletiva, privilegiando determinadas classes sociais em detrimento de outras.
A solução não pode ser revogar a prisão domiciliar de Adriana Ancelmo, negando a ela também um direito que é negado às mulheres pobres. Da mesma forma, a solução também não é negar o mesmo direito a todas as mulheres presas. Promover a igualdade e a justiça seria estender a outras mulheres em situação semelhante à Adriana Ancelmo o mesmo direito e, principalmente, o respeito à dignidade humana, garantidos por lei.
A concessão de prisão domiciliar para mães presas pode ajudar a promover, portanto, o desencarceramento feminino. Não queremos com isso reforçar a ideia de que o lugar das mulheres é exclusivamente em casa cuidando dos filhos. As mulheres devem ter autonomia e liberdade para decidir seu presente e seu futuro. Queremos, sobretudo, cobrar e exigir o cumprimento do direito de mulheres presas em regime provisório que, como cidadãs, têm a possibilidade de exercer a maternidade em um regime de prisão domiciliar previsto pela lei.
Por cárceres menos desumanos,
Pela urgente e necessária redução da população feminina presa,
Por um mundo sem prisões!
Grupo de Trabalho “Mulher e Diversidade” da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo
São Paulo, 31 de março de 2017