Cursistas comentam suas impressões sobre o curso presencial de Justiça Restaurativa em São Paulo

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Na última quinta-feira (15/09), as participantes do curso de Justiça Restaurativa (JR) se reuniram no Centro de Formação Paulinas – Ipiranga – para mais um dia de formação do curso presencial CHC – Interlocução em Filosofia Clínica e ESPERE. Lá puderam contaram sobre os benefícios das práticas circulares, como essa dinâmica pode vir a ser uma das saídas para um mundo sem cárceres, e a importância do curso para elas.

“Nós lutamos há um tempo contra todas essas concepções de aprisionamento das pessoas e por um mundo sem cárcere, e a Pastoral vem com essa proposta, para nós a PCr é uma interlocutora da esperança”, diz uma das cursistas.

O curso foi realizado pela Pastoral Carcerária Nacional entre os dias 11 e 16 de setembro, sob a coordenação da assessora da PCr na questão da Justiça Restaurativa, Vera Dalzotto, e ministrado pelas formadoras Joselene Linhares e Josiane Domingas Bertoja.

Vocês acham que a prática circular ajuda na abertura e sentem ser um espaço seguro?

K.: Eu acredito que sim. Eu já conhecia a prática porque sou uma sobrevivente do cárcere, não era tão profundo como aqui, porque aqui é para conseguirmos aplicar na nossa comunidade. Mas eu acho bem interessante, porque é a questão da escutatória e lá no cárcere nós tínhamos problemas com isso, tinha o objeto da palavra, mas todo mundo atropelava, depois da segunda ou terceira vez que nos adaptamos a falar só quando estávamos com o objeto.

P.: Eu também acredito que sim. Não estamos numa posição de sala de aula, com um professor para ensinar, aqui somos provocadas a falar o que sentimos, o que pensamos e essa abertura para discordar e entender o que o outro está falando é o que ajuda no círculo. Eu posso discordar de uma e ela discordar de mim, mas estamos entendendo que tudo bem e não há culpa. Então estar em círculo significa estar juntas na mesma direção.

A.: A circularidade sempre foi importante para nós, mulheres negras, por conta desse olhar horizontal e não só vertical, poder olhar circularmente. Foi explicado o porquê do ciclo, ele vem dos povos originários e da sabedoria indígena e também queremos levar isso para a comunidade, então sentar em círculo com os nossos e de uma forma que a gente possa estar se olhando a partir do mesmo lugar.

E.: Bastante, até o escutar. Às vezes a gente quer tentar ajudar, mas fica interrompendo, falando em cima e acaba não conseguindo porque não escutamos o que o outro fala. Pelo menos eu sou assim, quero ajudar mas quando sento pra escutar e conversar eu acabo falando mais que a pessoa.

Para vocês, é possível inserir essas práticas dentro das nossas comunidades?

K. Sim, é uma técnica em que eu sou a partilhante, mas eu quero fazer com que outras pessoas sejam as partilhantes e se descubram, conheçam a historicidade e singularidade de cada um, alcançando a plasticidade que é o mover, o “nasci de um jeito, mas com toda a minha vivência vou conseguir chegar onde eu quero”.

E.: Saindo daqui eu quero levar para dentro da minha casa. Claro, é uma experiência muito nova, e eu quero sim levar para fora, não sei se vai ser possível reunir a galera da comunidade, são pequenos passos, mas eu creio que seja. Acho que vai da persistência também.

Vocês acreditam que a justiça restaurativa possa ser uma das saídas para um mundo sem cárceres?

P.: É uma alternativa, até porque privar a pessoa da sua liberdade, na constituição, é a última opção, mas na prática é colocada como a única. Talvez a justiça restaurativa seja a opção, porque já vemos isso acontecendo no socioeducativo, mas tem uma barreira muito grande quando vem para o prisional porque a pessoa já foi sentenciada, e o que se muda quando já tem uma decisão judicial? Não reverte. Então como isso pode ser aplicado para a remissão?

Entrando no contexto de religiosidade dentro das unidades prisionais, hoje quem domina é a evangélica, e eles vem na linha de você ter que confessar e admitir para ser perdoado e encontrar o caminho. Acabamos percebendo que as pessoas se culpam, no momento do julgamento ela já é acusada e convencida da culpa, e quem não é convencido acaba confessando para acabar logo. Pronto, entra na unidade e vai viver com aquela culpa, o círculo pode sim ajudar a pessoa que está dentro a se encontrar.

É um meio da pessoa se conectar com ela mesma, se perdoar e se a outra parte aceitar ser ouvida. É uma coisa que deve ser pensada em como aplicamos a justiça restaurativa para pessoas que já estão em cumprimento de pena, e não apenas para o prisional. A pessoa que está no semiaberto vem para o aberto em pouco tempo, esse processo tem que vir antes, não é um processo rápido, nós temos esse entendimento, então como esperar que uma pessoa que está vindo de um calabouço passe por uma triagem para fora, e se ache nesse momento? É desafiador, mais que importante, é necessário e urgente.

K.: É o exemplo que nós vimos, a JR no socioeducativo, mas antes de alguma decisão judicial. A JR deve trabalhar a base, o preventivo, tentar aplicar antes da sentença porque depois vai remir a pena e talvez o dano seja até mais grave.

A.: Vou falar a partir do lugar de familiar de sobrevivente do sistema: a gente conhece a justiça punitiva. Toda a nossa militância é perpassada e atravessada por outras alternativas, nós lutamos há um tempo contra todas essas concepções de aprisionamento das pessoas e por um mundo sem cárcere, e a Pastoral vem com essa proposta, para nós a PCr é uma interlocutora da esperança.

Nós no Ceará, há alguns anos temos levantado essa discussão de que devemos chegar antes da bala e da algema, e a justiça restaurativa casa com esse movimento, nós também queremos ser interlocutores da esperança e sonhar esse mundo sem cárcere.

O que vocês vão levar do curso e qual foi a importância dele?

K.: Aqui foi colocada a proposta que a gente trabalhasse conosco, esquecer um pouco a sociedade, família, a frente e a comunidade, então acho que vai modificar muita coisa em mim, vou continuar essa busca por essa mudança interna para que eu possa me tornar melhor para o outro, mas começando por mim. É muito importante, acredito que na minha cidade não tenha muito esse trabalho e com as ideias de quem está na luta há muito tempo, eu tenho como começar alguma coisa nesse sentido.

A.: Eu volto com embasamento, com mais conhecimento. A gente tem uma ideia e estamos apostando nessa proposta de uma justiça diferenciada que não seja a do sistema judiciário, e a restaurativa é isso, nós lutamos pela restauração dessas pessoas, pela reinserção social delas e estamos levando novas técnicas.

Eu costumo sempre dizer que nós saímos dos nossos lugares, aprendemos e voltamos para ensinar às nossas camaradas. Volto muito feliz e agradecida pela oportunidade que nos foi dada, também a questão da valorização de ser familiar e sair do nosso estado, vir para esse processo de formação e voltar sendo uma interlocutora de outra proposta que não seja o encarceramento.

E.: Eu conheci a pastoral dentro do presídio, não sabia o que era. Eu estava trabalhando e a PCr foi levando aquele amor lá dentro que foi chamando a minha atenção, então fui buscar saber, descobrir quem são essas pessoas. Quando eu saí, a primeira coisa que eu fiz foi procurar a Pastoral Carcerária, e daqui vou levar o amor ao próximo, o compreender o porquê de tais atitudes e o não julgamento.

P.: Eu volto muito confiante, muito segura do que eu aprendi e ainda estou aprendendo aqui, e penso em aplicar essa roda primeiramente com familiares, que é meu ponto focal e com as pessoas que eu sinto mais emocionalmente abaladas e destruídas.

Aqui acabamos até entendendo porque algumas pessoas são a favor deste punitivismo que a gente vive hoje dentro das prisões, é um confronto grande que eu tenho comigo e com essas pessoas, sem deixar de recebê-las e de tentar ajudar de alguma forma.

Vou muito confiante no que vou conversar com elas, com quem eu vou propor a roda, porque eu não vim só para participar do curso, vim com objetivo de entender como vou aplicar e eu quero aplicar, mas minha base vai ser o coletivo de familiares.

Não tem um olhar do judiciário para essas famílias, como se as pessoas que estão privadas de liberdade não tivessem famílias, e todo mudo nasceu de alguém e essas pessoas hoje são apagadas, o máximo que a gente consegue é a criminalização das nossas palavras, dos nossos gestos e atos, é tudo muito agressivo e conflituoso, e acabamos vestindo o que eles nos impõem.

Texto: Isabela Menedim

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