Existe para cada um de nós um “NATAL”, que é o dia de nosso nascimento, o dia em que saindo do ventre materno vimos a luz. O nosso nascimento tem hora, dia, mês, ano; diferente é o Natal de Jesus, porque o seu nascimento é luz, e além disso ele é o princípio de nosso nascimento, ele está no início do tempo, do “CRONOS”, que segundo a mitologia grega, devorava os próprios filhos para que nenhum deles um dia pudesse roubar-lhe o trono. Ao contrário da divindade grega, Deus, transforma o tempo, “CRONOS”, em “KAIRÓS”, tempo de Deus em que algo especial acontece, como nos testemunha Paulo escrevendo à comunidade da Galácia:
“Mas quando se cumpriu o prazo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os súditos da lei, e nós recebêssemos a condição de filhos. E como sois filhos, Deus derramou em vosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai. De modo que não és escravo, mas filho; e se és filho, és herdeiro por disposição de Deus”. [Gal 4,4-7]
Natal é, portanto, também herança, participação, é voltar as raízes da vida de cada ser para sentir o sopro criador e recriador de Deus que, por meio da palavra, gera nova vida para a humanidade.
“No princípio já existia a Palavra e a Palavra se dirigia a Deus e a Palavra era Deus. Tudo existia por meio dela e sem ela nada existiu de tudo que existe. Nela havia vida, e a vida era a luz dos homens. A luz brilhou nas trevas e as trevas não a compreenderam… A luz verdadeira que ilumina todo o homem estava vindo ao mundo. Estava no mundo, o mundo existiu por ela, e o mundo não a reconheceu. Veio aos seus e os seus não a acolheram…A Palavra se fez homem e acampou entre nós”. [Jo 1,1ss]
Natal: um Deus próximo
Deveríamos ser nós que vamos à procura de Deus, que deveríamos buscá-lo, mas as partes se invertem, é quem nos procura é Deus, é Ele que vem nos procurar, vem ao nosso encontro, e o faz de forma bem original e concreta por meio de seu Filho Jesus.
Diz-nos a esse respeito Papa Francisco:
“Transcorridos dois milénios desde o nascimento de Jesus, após tantos Natais comemorados no meio de ornamentações e prendas, depois de tanto consumismo que envolveu o mistério que celebramos, corremos um risco: o de sabermos muitas coisas sobre o Natal, mas esquecermos o seu significado. O Evangelho do nascimento de Jesus parece escrito precisamente para isto: tomar-nos pela mão e levar-nos lá onde Deus quer. Sigamos o Evangelho!
De fato, começa com uma situação parecida com a nossa: todos estavam preocupados e atarefados com um evento importante em desenvolvimento – o grande recenseamento – que exigia muitos preparativos. Neste sentido, o clima de então era semelhante ao que nos envolve, hoje, no Natal. Mas a narração do Evangelho distancia-se daquele cenário mundano”.
Olhar para a manjedoura
E Francisco nos leva a fixar nosso olhar num lugar especial:
“A manjedoura! Para voltar a encontrar o sentido do Natal, é preciso fixar nela o olhar. E por que é tão importante a manjedoura? Porque é o sinal, não casual, com que Cristo entra em cena no mundo. É o manifesto com que se apresenta, o modo como Deus nasce na história para fazer renascer a história. Que nos quer dizer então a manjedoura? Quer-nos dizer pelo menos três coisas: proximidade, pobreza e concretismo.
Proximidade. A manjedoura serve para deixar o alimento mais próximo da boca e assim consumi-lo mais depressa. Deste modo pode simbolizar um aspecto da humanidade: a voracidade em consumir. Pois, enquanto os animais no estábulo consomem alimento, os homens no mundo, esfomeados de poder e dinheiro, consomem mesmo os seus vizinhos, os seus irmãos. Tantas guerras! Em tantos lugares, ainda hoje, são espezinhadas a dignidade e a liberdade! E as principais vítimas da voracidade humana são sempre os frágeis, os vulneráveis. Também neste Natal, uma humanidade insaciável de dinheiro, insaciável de poder e insaciável de prazer não dá lugar – como sucedeu com Jesus (cf. 2, 7) – aos mais pequenos, a tantos nascituros, pobres, abandonados. Penso sobretudo nas crianças devoradas por guerras, pobreza e injustiça. Mas é precisamente lá que vem Jesus, menino na manjedoura do descarte e da rejeição.
Na manjedoura incómoda da rejeição, acomoda-Se Deus: vem para ali, porque nela está o problema da humanidade, a indiferença gerada pela pressa devoradora de possuir e consumir. Cristo nasce lá e, naquela manjedoura, descobrimo-Lo próximo. Deus não é um pai que devora os seus filhos, mas o Pai que, em Jesus, nos faz seus filhos e nutre de ternura. Vêm tocar-nos o coração, dizendo que a única força que muda o curso da história é o amor.
Pobreza. A manjedoura de Belém fala-nos também de pobreza. Na realidade, à volta duma manjedoura, não há grande coisa: tojo, qualquer animal e pouco mais. As pessoas hospedavam-se no quentinho dos albergues, não no estábulo frio duma pensão; mas aqui nasceu Jesus, e a manjedoura lembra-nos que nada mais havia em redor senão quem Lhe queria bem: Maria, José e alguns pastores… todos, pobres, irmanados pelo afeto e a maravilha, não por riquezas e grandes possibilidades. E assim a pobre manjedoura faz emergir as verdadeiras riquezas da vida: não o dinheiro nem o poder, mas as relações e as pessoas. E a primeira pessoa, a primeira riqueza é precisamente Jesus.
E nós somos chamados a ser uma Igreja que adora Jesus pobre, e serve Jesus aos pobres. Como disse um santo bispo: «A Igreja apoia e abençoa os esforços tendentes a transformar as estruturas de injustiça colocando apenas uma condição: que as transformações sociais, económicas e políticas redundem em autêntico benefício para os pobres». Certamente não é fácil deixar o tépido calor do mundanismo para abraçar a nua beleza da gruta de Belém, mas lembremo-nos de que, sem os pobres, verdadeiramente não é Natal. Sem eles, festeja-se o Natal, mas não o de Jesus… Irmãos, irmãs, no Natal Deus é pobre: renasça a caridade!
Concretismo. A manjedoura fala-nos de concretismo. De fato, um bebé numa manjedoura constitui uma cena chocante, até mesmo uma cena dura. Lembra-nos que Deus se fez verdadeiramente carne. Por isso, a seu respeito, já não bastam teorias, belos pensamentos e devotos sentimentos. Jesus, que nasce pobre, viverá pobre e morrerá pobre, não fez muitos discursos sobre a pobreza, mas viveu-a, em toda a sua profundidade, por nós. Da manjedoura à cruz, o seu amor por nós foi palpável, concreto: do nascimento à morte, o filho do carpinteiro abraçou a aspereza da madeira, a aspereza da nossa existência. Não nos amou com palavras, não nos amou por divertimento!
Por conseguinte não se contenta com aparências. Não quer apenas bons propósitos, Ele que Se fez carne. Ele que nasceu na manjedoura, procura uma fé concreta, feita de adoração e caridade, não de palavreado e exterioridade. Ele, que Se deixa colocar na manjedoura nu e, nu, O colocarão na cruz, pede-nos verdade, descendo à realidade nua e crua das coisas, abandonando ao pé da manjedoura desculpas, justificações e hipocrisias. Ele, que foi ternamente envolvido em panos por Maria, quer que nos revistamos de amor. Deus não quer aparência, mas concretismo.
No Natal, Deus é concreto: em seu nome, façamos renascer um pouco de esperança em quem a perdeu!
A gratuidade restauradora de Deus
Finalizando sua missão Paulo escreve a Tito esta linda mensagem que expressa o gesto gratuito de Deus para conosco e esta gratuidade se torna o mestre que transforma e restaura a nossa vida:
Caríssimo: 11 A graça de Deus se manifestou trazendo a salvação para todos os homens.12 Ela nos ensina a abandonar a impiedade e às paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade,13 aguardando a feliz esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo.14 Ele se entregou por nós, para nos resgatar de toda maldade e purificar para si um povo que lhe pertença e que se dedique a praticar o bem. [Tt 2,11-14]
Jesus, contemplamos-te recostado na manjedoura. Vemos-te tão próximo, perto de nós para sempre… Obrigado, Senhor! Vemos-te pobre, ensinando-nos que a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas nas pessoas, sobretudo nos pobres: desculpai, Senhor, se não Vos reconhecemos e servimos neles. Vemos-te concreto, porque concreto é o vosso amor por nós: Jesus, ajudai-nos a dar carne e vida à nossa fé. Amém.