Responsabilidade adulta – quem vai assumir?

 Em Igreja em Saída

Padre GianfrancoNestes dias, retornou à minha mente o filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. Nas cenas iniciais da película é reproduzido o modelo de educação composto por quatro pilares que os próprios alunos repetem mecanicamente: tradição, honra, disciplina e mérito. Será o novo professor de literatura inglesa, que passou como aluno por essa mesma instituição a desconstruir um sistema educativo velho, ultrapassado, reprodutor de estereótipos e formas que acabava fazendo das próprias pessoas simples roubos, reprodutores de um modelo societário que respondesse ao mercado sem ter em conta as aspirações e os sonhos pessoais.
A mesma questão e o mesmo dilema nós encontramos hoje em nossa sociedade, que aprisionada em velhos clichês moralizantes e saudosistas, tem imensas dificuldades em responder aos ritmos frenéticos e rápidos que o consumo e a tecnologia estão nos impondo, para além dos graves questionamentos que afligem as camadas mais vulneráveis e em risco de nossa sociedade. Isso facilita o surgimento de movimentos e franjas ultraconservadoras que, perante uma sociedade líquida e inconsistente, onde tudo é questionado e opinado, propõem normas e procedimentos, soluções que aparentam segurança, alimentam certezas e propõem soluções ilusórias que produziram em nível nacional o parlamento que hoje temos, fundado em três pilares: o da bala – indústria das armas e da violência; o da Bíblia – a religião alienação, onde o divino é castigador e ao mesmo tempo fascinante; o do boi – a monocultura e o latifúndio como solução da crise econômica.
Mas, nesse processo socioeconômico que é global e cada vez mais complexo, se inserem as questões pontuais que afetam os países e embora se queira fazer crer que a questão da crise é o fator econômico, na realidade, o alvo principal dela é o ser humano subjugado, vilipendiado e ainda pior, reduzido a uma qualquer mercadoria a ser barateada pelo mercado que, não tem mais limite algum, e até os próprios governos e atores da política não sabem mais como controlar.
É neste contexto que devemos ler os acontecimentos que nestes meses estão prendendo a atenção da opinião pública mundial, e analisarmos em nosso país o panorama das ações que o parlamento está levando adiante, quais sejam a redução da maior idade penal, a retirada de direitos trabalhistas, a terceirização do trabalho, a onda de privatizações desde o sistema prisional até serviços básicos da sociedade, o questionamento sobre as terras e direitos indígenas, chegando a tocar uma possível reforma política feita a toque de caixa, capaz de questionar até as bases democráticas da própria Carta Magna nos próximos anos.
Eis a razão pela qual não podemos tratar da diminuição da maior idade penal de 18 para 16 anos como questão que soluciona e diminui a violência e a delinquência, e usá-la e manipulá-la como se essa fosse a responsável e a causa do caos e das mazelas que afligem o povo brasileiro e sua vida cotidiana. Sem dúvida que a diminuição da maior idade penal, fortemente defendida e propagada pela mídia das grandes cadeias televisivas e usada pela Câmara como resgate para seus péssimos índices de popularidade, tem motivações econômicas e dívidas a ser pagas e hoje justificadas com falsos e grosseiros populismos que jamais se podem sustentar e poderão ser aceitos mesmo com a aprovação do parlamento, porque disso trata a própria Constituição.
Por isso, não podemos ser ingênuos e cair na armadilha que nos foi preparada e que aparentemente nos quer levar ao fabuloso mundo das maravilhas, porque não será isso que nos espera após a definitiva aprovação do rebaixamento da maior idade penal. O que na realidade assistiremos será um aumento da violência, tendo na hiperlotação do sistema carcerário a grande oficina do crime, da violência e truculência humana. Teremos efeito cascata na questão do alcoolismo, do transito, nas relações humanas, afetivas, etc. Enfim, os próprios números da estatística nos socorrem nisso, acabaremos mais uma vez para carregar nas costas de nossos adolescentes, e particularmente dos mais fracos, daquelas camadas que o Estado tem a obrigação ética de apoiar, um crime e uma responsabilidade que é tipicamente dos adultos e que, depois de 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda hoje, não conseguiram colocar na prática e tornar eficazes. Medidas socioeducativas previstas no mesmo estatuto e as diretrizes do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), plano nacional de medidas preventivas e de sustento às famílias que, através das LOAS e das suas estruturas orgânicas, como os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e os Centros de Referência Especializada (CREAS) deveriam garantir apoio e sustentabilidade dos entes públicos, primeiros entre eles o município, às situações sociais mais conflitivas e urgentes.
O final do filme, com a despedida do professor, aparente fracasso de uma nova proposta política, encontra na atitude da busca e reconhecimento do “meu capitão”, e sua afirmação, a liberdade para um novo horizonte de pensamento, uma nova visão da vida partindo, como faz o Papa Francisco, de uma nova linguagem: a do encontro, da descoberta do “diferente” como valor a ser acolhido e valorizado, independentemente do que ele é e significa.
E também o final desta nossa fala é a expressão clara de contrariedade à redução, não apenas da maior idade penal, mas também dos direitos constitucionais que, um pequeno e seleto grupo de eleitos quer colocar em nossas costas, beneficiando seus próprios interesses e comprometendo para sempre o futuro e o sonho democrático de uma nação.
Não esqueçamos: a redução não é de idade, mas sim de liberdade republicana, de democracia, de direitos. A modificação da Constituição é o verdadeiro ataque à soberania nacional e à segurança e vida dos cidadãos. É o certificado de óbito para as futuras gerações do povo brasileiro.
Padre Gianfranco Graziola,
Vice-coordenador Pastoral Carcerária Nacional e Missionário da Consolata.
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