O papel das Irmãs Missionárias da Consolata na fundação da Pastoral Carcerária em SP

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A Pastoral Carcerária Nacional completa 50 anos em 2022. Com o objetivo de celebrar a nossa história e as pessoas que ajudaram a PCr ser a organização que é hoje, temos realizado entrevistas com diversas pessoas.

A Irmã Benilda Esclara Capeloto faz parte da Congregação das Irmãs Missionárias da Consolata, e visitou o Carandiru, junto com diversas outras Irmãs de sua Congregação, incluindo a Irmã Daniela Ferrari, que foi quem motivou suas irmãs a se juntarem à Pastoral Carcerária. Daniela visitou o Carandiru de 1974 a 1991, ano em que faleceu. 

Benilda relata na entrevista abaixo a sua experiência nas visitas, como a PCr se organizava na época e o porquê da Congregação se interessar em visitar os presos. Confira:

Por quanto tempo você fez parte da equipe que visitava as prisões?

De 1973 a 1977 eu fiz parte dessa equipe que trabalhava ali no Carandiru, depois fui transferida para a Libéria, na África. Quando retornei eu retomei a Pastoral Carcerária em 1984 e fiquei ali até 1987, depois fui transferida novamente para Moçambique, voltei só agora em 2018.

Missa celebrada no Carandiru em 1984. Divulgação: Arquivo pessoal

Por que a Congregação das Irmãs Missionárias da Consolata começou a participar da Pastoral Carcerária? 

Quem tomou a iniciativa de participar da Pastoral foi a irmã Daniela Ferrari, que trabalhou muitos anos ali no Carandiru. Era a época em que estava de fato começando a se organizar essa Pastoral Carcerária. A frente como coordenador da nossa equipe estava o Padre Geraldo, ele era pároco numa paróquia na região de Santana. Também participavam Irmãs de uma outra congregação, não só as Missionárias da Consolata, era uma equipe de leigos, religiosas e sacerdotes. E nos anos 80 ingressaram os seminaristas diocesanos. 

Quando nos reunimos, tínhamos encontros de planejamento entre nós. Íamos aos domingos, às vezes de manhã, mas à tarde, no Carandiru. Terças à noite íamos para a celebração da eucaristia na penitenciária masculina, que não era muito distante do  Carandiru. 

Como eram as visitas?

Quando nós chegávamos ao Carandiru e também na penitenciária masculina, os detentos que podiam sair da cela saíam, e nos reuníamos com eles no pátio central da detenção, ou então na capela que funcionava no pavilhão 9. 

Eram esses os locais onde nos encontrávamos com os presos. Eles vinham para o local, e enquanto o padre celebrava a missa em um desses pavilhões, nós da equipe nos distribuíamos em outros pavilhões para a missa ou a celebração da palavra.

Vocês tinham contato com as pessoas presas?

Nós não tínhamos muita intimidade com os detentos, porque tínhamos que ter uma certa discrição e reserva, mas conversávamos com eles, e sobretudo antes do culto nos reuníamos, porque tinha sempre a equipe de liturgia em cada pavilhão e tinham detentos que sabiam tocar e cantar. 

Inclusive em uma época, um famoso cantor e compositor estava preso, então ele cantava e tocava conosco. E nós fazíamos essa parte da liturgia e da celebração, além de um momento de reflexão da palavra de Deus; era também um momento de catequese para os detentos. 

Eu posso dizer que em todos os anos que trabalhei ali, esse momento de contato com os detentos foi sempre muito tranquilo e sereno, uma coisa que me chamava muita atenção era o respeito que tinham conosco, tinha alguns que ficavam o tempo todo com a cabeça abaixada, nem levantavam os olhos, era um respeito, uma educação muito louvável.

Às vezes, conversando, tínhamos conhecimento dos sofrimentos, da razão porque estavam ali, e muitos se sentiam arrependidos do caminho que tinham feito e gostariam de ter um caminho diferente.

Equipe que visitava o Carandiru, composta por religiosos e leigos, e preso que ajudava na liturgia. Divulgação: Arquivo pessoal

Tem histórias de pessoas que estavam presas que te marcaram?

Sim, lembro de dois muito bem. Um preso tinha o dom da música, ele tocava e cantava muito bem, era uma pessoa muito amiga, com uma comunicação muito aberta conosco, porque ele nos ajudava muito na liturgia. 

Esse detento me chamou muito a atenção, e eu tinha muita pena dele estar ali, e no tempo em que estávamos ali, por conta do bom comportamento, ele estava para receber o indulto de sair da prisão. 

Outro que me chamou muita atenção foi um rapaz do Chile, que se envolveu com o tráfico de drogas. Procurei fazer um trabalho junto ao cônsul do Chile, para que ele fosse para sua cidade de origem, La Serena, e eu consegui fazer com que ele fosse transferido para ficar próximo da sua família. Ele me escreveu algumas vezes, mas como fui para África eu perdi o contato. Não sei como foi o desenrolar da sua vida, mas me lembro muito e até hoje rezo ainda por ele. 

Como era a Pastoral Carcerária nesse período?

Lembro muito do Padre Geraldo, ele me marcou muito, e era extremamente dedicado a esta Pastoral. Tinha um interesse muito grande em ouvir, porque ele atendia a confissão dos presos, e uma coisa que ele comentava às vezes conosco era que ali dentro tem muita gente inocente, que não fez nada, mas está ali por causa de outros. 

Também nos nossos encontros participavam os policiais, o presidente do Carandiru, os carcereiros, e a gente procurava neste contato com os responsáveis a possibilidade de um tratamento mais humano. Inclusive nesse tempo os presos tinham cursos e aulas ali dentro da detenção, tinha muitos que completavam seus estudos, havia curso de habilitação profissional para eles. 

Então nós procuramos acentuar essa parte. Os presos perceberam através da PCr que nós nos interessávamos e estávamos junto com eles. Quando íamos ao pátio, os presos o enchiam e não ficava nenhum carcereiro ali. E agora que eu penso, nunca tive medo nenhum, nem aquela apreensão do que podiam fazer comigo. Às vezes estávamos ali eu, um seminarista e um leigo, e não tinha nenhum segurança ou guardas armados. 

Eu acredito que esta proximidade tranquila com eles era também um sinal da presença de Deus no meio deles. Sem medo, sem ostentação de armas e segurança, só nós e eles ali, cantando e rezando num momento de paz.

A cada domingo tinha visita dos familiares em um dos pavilhões, então não fazíamos a celebração naquele pavilhão. Uma dessas vezes, chegamos a saber depois que tinha uma senhora que ia visitar o detento que tinha matado seu filho, e ela fazia isso como sinal de perdão, levava comida e conversava com ele. Aquilo me tocou demais, a que ponto que chega uma pessoa assumir de fato a vida cristã, o perdão que Deus pede.

Por que o interesse da congregação em estar ao lado da Pastoral Carcerária?

Dentro da nossa congregação, o tio do fundador, José Allamano, trabalhava com detentos. É um santo, São José Cafasso, que acompanhava os presos na Itália quando tinha pena de morte. Ele acompanhava o detento até o local onde seria enforcado. Ele tinha esse trabalho de pastoral junto aos detentos, sobretudo os que eram condenados à morte. 

Esse cuidado pela pessoa condenada é algo que passa como herança desse santo, que é quase familiar da nossa congregação. A Irmã Daniela foi impulsionada por isso, se interessou pela Pastoral Carcerária e nos animou. Ela começou a ir ao Carandiru e convidou algumas irmãs para ir com ela, éramos bastante jovens.

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Quem foi Irmã Daniela*

A Irmã Danielina Ferrari, conhecida como Daniela, fez parte da Congregação das Irmãs Missionárias da Consolata.  

De 1974 a 1991, Ir. Daniela visitava os presos da Casa de Detenção do Complexo Carandiru, aos domingos, tentando passar por todos os pavilhões a cada visita.

Durante suas visitas procurava animar e incentivar os presos a permanecerem firmes e a não sucumbir à humilhação e ao sofrimento do cárcere. Ela também os ajudava a manter contato com as suas famílias, mesmo que a resposta demorasse a chegar, ela insistia em conversar sobre seus pais, mães, esposas e filhos.

Afirmava sempre a importância de permanecer perto de Deus, e quando julgava necessário, recorria aos puxões de orelha. Rezava muito para que Deus consolasse e fortalecesse os encarcerados e seus familiares.

Daniela escrevia para as famílias de presos, e contatava àquelas que chegavam para visitá-los, levava remédios para os que estavam doentes e selos para os que não tinham como escrever para a sua família.

Nascida na Itália, sempre soube como é se sentir longe de casa, e por isso sempre acolhia os presos estrangeiros.

Enquanto acontecia a liturgia no Pavilhão 9, Daniela passava na capela do Pavilhão 5, e ajudava nos ensaios dos cânticos, assim que o culto começava, ela corria para visitar os presos que estavam na cela disciplinar do mesmo pavilhão. 

Seguia até o pátio interno do Pavilhão 2, onde cumprimentava os presos e as visitas, continuando para o Pavilhão 4, visitando os presos doentes e as enfermeiras. Antes de retornar a capela do Pav. 9, ainda dava um jeito de passar pelos pavilhões restantes, todo o percurso com um sorriso no rosto.

Com quase 70 anos, trazia pacotes de folhetos litúrgicos para as capelas, arrumava santinhos, cartões postais e cartões de natal, doados a ela para presos.

Durante o período que lutava contra uma doença, a Irmã Daniela recebeu diversas cartas e listas de assinaturas enviados pelos presos, que desejavam uma rápida recuperação e prometiam suas orações e solidariedade.

Três dias antes de seu falecimento, Daniela encaminhou uma carta de denúncia a uma entidade internacional de Direitos Humanos, sobre a situação de presos que estavam sendo assassinados pelos guardas.

*: Trecho de um texto enviado pela Congregação das Irmãs Missionárias da Consolata à PCr Nacional

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