12 de outubro de 2022
Maria, Mãe dos/as torturados/as pela injustiça do mundo.
Maria, claridade misericordiosa.
Força da alegria entre os/as oprimidos/as, és tu, Maria.
Maria, és tu, força da alegria entre os/as oprimidos/as.
Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e inapagável impressão. Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das perfídias humanas, a ternura materna retornava ao passado em amarguradas recordações. Estava, na hora extrema, o filho amado. Maria deixava-se ir na corrente das lembranças.
Nas circunstâncias maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se tornara incontestável nos menores detalhes de sua vida. Naquele instante supremo, revia a manjedoura, na sua beleza agreste. Através do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infância do filho.
Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o calor de seu coração? Desde os mais tenros anos, quando o conduzia à fonte tradicional de Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas.
A partir da dignidade teológica de Maria de Nazaré, tendo em vista a fenomenologia, encontra-se a singularidade das Marias contemporâneas, a sua essência. Maria, Mulher contemporânea humana, solteira, casada, que tem filho/as ou não, que trabalha “em casa e/ou fora”; mulher que sofre, que é feliz, que está privada de liberdade, que vive em situação de rua, que é marginalizada socialmente e economicamente (por ser mulher, ser estrangeira, por prostituição ou vícios), as Marias que encontram em Maria de Nazaré um exemplo de vida.
Marias, aquelas que vem desde muito tempo lutando por igualdades de direito, em diversas situações, em contextos culturais e sociais. Maria, Mulher, filha, esposa, mãe, avó; em cada uma dessas faces, traz em si a busca da felicidade. Da natureza singular: MULHER. Protagonista na vida de ser Igreja, de ser comunidade; espiritualizada e espiritualizante. Marias deste tempo que, muitas vezes, além da jornada de trabalho em casa – “dona de casa” –, tem a jornada de trabalho fora de casa, provedora de seu/suas filho/as, no contexto de muitas famílias. Mulher, que abdica de ter uma família, ter seus próprios filhos/as biológico/as e, assim, escolhendo a vida religiosa, são as Marias valorosas!
E trazemos as mães que tem as filhas e filhos encarcerados, pois para elas, mães amorosas, cuja alma observa que o vinho generoso de Caná se transformara no vinagre do martírio, que é a prisão, o tempo assinala sempre uma saudade maior no mundo e uma esperança cada vez mais distante. Relembram sua criança pequenina, como naquela noite de beleza prodigiosa, em que a recebera nos braços maternais, iluminada pelo mais doce mistério.
Súbito, recebeu notícias de que um período de dolorosas perseguições se havia aberto para todos os que fossem fiéis à doutrina do seu Jesus divino. Maria entregou-se às orações, como de costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem em angústias do coração, por amor de seu Filho.
Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já a caravana espiritual se dispunha a partir, quando Maria se lembrou d/aos discípulo/as perseguidos/as pela crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale das sombras, à espera das claridades definitivas do Reino de Deus. Emitindo esse pensamento, imprimiu novo impulso às multidões espirituais que a seguiam de perto. Os mármores mais ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as liteiras patrícias passavam sem cessar, exibindo pedrarias e peles, sustentadas por misérrimos escravos.
Mais alguns momentos e seu olhar descobria outra multidão guardada a ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cárceres, onde centenas de rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes. Os condenados experimentaram no coração um consolo desconhecido.
Maria se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as suas preces, cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembleia de torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a claridade misericordiosa de seu Espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes. Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que por ele haviam desprezado o conforto do lar, jovens que depunham no Evangelho do Reino toda a sua esperança.
Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos Espíritos abatidos uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria suplicar a Deus para eles a liberdade? Mas, Jesus ensinara que com ele todo jugo é suave e todo fardo seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo.
Recordou que seu filho deixara a força da oração como um poder incontrastável entre os discípulos amados. Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de deixar entre o/as cristã/os oprimido/as a força da alegria. Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcerada, de rosto descarnado e macilento, disse-lhe ao ouvido:
“Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!… Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu!”
A privada de liberdade que estava triste não compreende o porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o coração. De olhos extasiados, contemplando o luminoso firmamento, através das grades poderosas, ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e enternecido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas, transformando todas as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo e esperança.
Daí a instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho, a exemplo do que acontece hoje nas prisões. Irmãs e irmãos, que o cântico nos diversos templos cristãos abrande nossos corações e possamos sentir o perfume que Maria de Nazaré espalha onde encontrar um coração amoroso.
São Paulo, 12 de outubro de 2022, 305 anos da aparição da pequena imagem nas águas do Rio Paraíba.