Por José Coutinho Júnior
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou no dia 30 de maio o relatório “Conflitos no Campo no Brasil”, documento anual que registra e analisa a causa dos conflitos e mortes ocorridas no campo, com os dados relativos ao ano de 2017. O documento aponta que 2017 foi o ano com a segunda maior taxa de mortes por conflitos no campo desde 2003.
Acesse o relatório completo no site da CPT
A CPT observa que os conflitos no campo são algo estrutural no Brasil, que decorrem da concentração de terra e do aumento da grilagem. Concentração essa que tende a aumentar: o governo Temer, por exemplo, não assentou uma única família em 2017, freando a política de reforma agrária que já andava a passos lentos no país. Trabalhadores rurais, sem terra, indígenas e outras populações do campo são as mais diretamente ameaçadas e assassinadas como resultado dos conflitos do campo.
Em 2017, 71 pessoas foram assassinadas como resultado dos conflitos no campo, apenas duas a menos que em 2003, ano com o maior número de mortes. Esse número se torna mais grave pois o total de conflitos em 2017 diminuiu em relação à 2016: 1431 conflitos aconteceram, o que corresponde a um assassinato a cada 20 conflitos, enquanto que em 2016 ocorreram 1536 conflitos. Além disso, a brutalidade nesses assassinatos é assombrosa. Cinco massacres ocorreram em 2017, totalizando 31 vítimas.
O motivo para esse aumento, tanto no número de mortes como na violência, de acordo com a CPT, é a consolidação de um projeto político que está em curso desde 2015, após o golpe político que tirou a presidenta Dilma Rousseff do poder.
Paulo César Moreira, membro da coordenação da CPT, analisa que a partir de 2015 se inicia um processo de violência institucional muito grave, “que tem como uma das bases o impeachment da presidenta eleita e a implantação de um projeto contrário ao direito dos povos da cidade e do campo”. Reformas que objetivam retirar direitos, como a da previdência, são apoiadas por um congresso conservador e suas bancadas, como a ruralista, evangélica e da bala.
“Também há um lobby no congresso dos bancos e da mineração. Isso tudo representa o aumento da concentração de poder, o que leva a uma maior impunidade. Crescem as milícias e o aparato de violência do estado contra o povo do campo, pois o estado está aliado a essas forças conservadoras e aumenta a ofensiva dos ruralistas contra o direito e a vida dos povos do campo”, afirma Paulo César.
Conflitos pela água
O relatório da CPT revela que os números de conflitos pela água também aumentaram substancialmente. O ano de 2017 é o que registra a maior quantidade de conflitos desde 2002, quando a CPT começou a registrar esses casos separadamente: 197 conflitos ocorreram, 124 dos quais em áreas de atuação das mineradoras.
Esse aumento, segundo Paulo César, não está dissociado do projeto atual de governo, baseado em entregar as riquezas naturais – não só a água, mas as reservas minerais, o petróleo e as terras agricultáveis – do Brasil ao mercado nacional e estrangeiro.
“A água entra dentro de um projeto político de entrega das riquezas ao mercado, nesse projeto de internacionalização dessa riqueza. O impacto disso sobre a natureza e as comunidades é absurdo, e afeta diretamente a nossa soberania enquanto Brasil; a nossa soberania alimentar, territorial e a própria capacidade que o país tem de gerir suas riquezas e ser autônomo”.
Trabalho Escravo
A quantidade de pessoas resgatadas de trabalhos em condições análogas à de escravo no campo também diminuiu em 2017. As tentativas de alterar o conceito de trabalho escravo que o Brasil tem atualmente (que incorpora não apenas o trabalho forçado, mas também condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva e servidão por dívida), com o objetivo de agradar a bancada ruralista, aliado a um orçamento e um número de fiscais menores para o combate ao trabalho escravo causou esta diminuição.
Para Paulo César, essa é uma situação grave. “Há um abandono, um apoio do governo atual à classe dos patrões em detrimento dos empregados, trabalhadores e trabalhadoras rurais, que significa uma legitimação do trabalho em condições análogas às de escravo e um aumento da violência no campo a partir dessa prática vergonhosa, que se perpetua no país desde a época da colonização.”
Há uma saída?
Frente a este aumento no número de mortes no campo, da violência e da impunidade, a CPT analisa que a única saída está na conscientização da sociedade do que representa este projeto político para o povo, e na união dos povos do campo e da cidade, numa frente única contra as retiradas de direitos e retrocessos sofridos nos últimos anos.
“O período eleitoral está chegando. É um período importante, mas a gente tem que pensar o Brasil num horizonte maior do que as eleições, tendo em vista que a nossa política e nosso sistema político são de uma fragilidade absurda. Precisamos de uma aliança entre povos da cidade e do campo, uma ligação direta do que o povo produz, da preservação da natureza e a continuidade de vida na cidade. O povo no campo sabe que sua expulsão para as cidades significa a sua morte. Cada vez mais se faz necessário uma busca de organização para reverter esse cenário, e que o povo do campo e da cidade possam fornecer saídas e um projeto próprio a partir dos seus anseios e esperanças”, conclui Paulo César.