*Texto escrito por Amélia Erbs, paroquiana da Paróquia do Santíssimo Sacramento de Itajaí há mais de 55 anos, homenageada durante o encontro em Aparecida pela sua atuação e tempo como agente da Pastoral Carcerária.
Ser agente da Pastoral Carcerária, sobretudo, é atender o chamado do Deus da vida e da história, que caminha com seu povo. Assim aconteceu com Abraão, que deixou sua terra e partiu para uma terra distante.
Também Moisés ouviu a voz do Senhor para empenhar-se na libertação do seu povo, escravizado no Egito. Assim aconteceu com os profetas e as profetisas, com Maria e com os Santos e Santas: com os homens e mulheres que entregaram seu sangue pelo Reino de Deus.
“Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10:10)
Pela graça que recebi no meu batismo, dando continuidade da minha vida, mesmo sendo difícil, mas não impossível, em 1980 passei por curso de três dias do Cursilho de Cristandade.
Naquele momento, Cristo me dizia que eu devia me envolver em atividades para promover a transformação de ambientes, para além das atividades que eu realizava dentro da Igreja.
Nós somos instrumentos, mas somente quem converte é Deus. Com muita fé e espiritualidade, há mais de 42 anos estou na Pastoral Carcerária, na qual aprendi muito, e para a qual Deus me deu forças para desenvolver as atividades.
No município de Itajaí (SC), a Pastoral Carcerária iniciou em 1978, à época, com os dois sacerdotes da Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento, Pe. Egídio Alberto Bertotti e Luiz João Bertotti (in memoriam), e com a participação da Irmã Emiliana Maria de Jesus, religiosa da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição (in memoriam), e membros da comunidade paroquial: Amélia Erbs, Cristina Maria Telles e Mário Uriarte Neto (Marinho).
Os sacerdotes Luiz e Egídio faziam as visitas e acolhiam com uma preparação para as confissões, e depois uma celebração ou com a Santa Missa. A Irmã Emiliana tinha o dom e o amor pela música, sobretudo pela música sacra e religiosa, que passava para os fiéis e os detentos; ela ensinava as pessoas. Naquele momento se chamava de cadeia, localizada na rua Sete de Setembro (esquina com a Avenida Joca Brandão), no município de Itajaí, com 50 detentos.
Na época de 1980, surgiu outro presídio no município vizinho de Balneário Camboriú, e lá também eram feitas visitas aos domingos à tarde. Com o passar dos anos outro presídio foi instalado no município de Itajaí, no Bairro Nossa Senhora das Graças, e ao lado havia uma Capela com o mesmo nome. Ao final das atividades daquele presídio, ocorrida por volta de 2019, havia 400 detentos e detentas. “Detentos”, palavra difícil de escrever, pois são nossas irmãs e irmãos.
Atualmente, todos os estabelecimentos anteriores, chamados presídios, transformaram-se no Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí (CPVI), localizado em endereço único no bairro de Canhanduba, com uma população de quase 3.000 presidiários/as: penitenciária com 1.400, presídio fechado com 1.080 e penitenciária feminina com 280 mulheres. Desse total são poucos os que desenvolvem atividade de trabalho. A população carcerária no estado de Santa Catarina cresceu em torno de 187% no período de 1998 a 2008.
Naquele momento, havia 6 milhões de habitantes no estado, o registro de 14 mil presos e 19 mil mandados em aberto. A situação é difícil, considerando que o sistema é precário, especialmente por falta de espaço para abrigar tantos irmãos e irmãs.
Nas atividades da Pastoral Carcerária, atendemos o que está previsto no Artigo 24 da Lei de Execução Penal, nº7.210 de 11 de julho de 1984, que prevê: “A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa”.
E buscamos cumprir o objetivo geral da Pastoral Carcerária que é “ser presença de Jesus Cristo e da Igreja Católica no cárcere e promover a valorização da dignidade humana, motivada pela palavra de Jesus: “Eu estava na prisão e vocês me visitaram” (Mt 25:36) e também pela Carta de São Paulo aos Hebreus – “Lembrai-vos dos presos como se estivésseis presos com eles” (Hb 13:3).
E nos objetivos específicos da Pastoral Carcerária consta “Levar o Evangelho de Jesus Cristo às pessoas privadas de liberdade e zelar para que os Direitos Humanos sejam garantidos no sistema prisional; ajudar o detento a tomar consciência de que a educação para a justiça passa pela recuperação e pelo exercício dos valores morais pessoais, coletivos e sociais; Marcar presença em realidades concretas ou específicas de exclusão social; Vivenciar a mensagem evangelizadora como parte indispensável à ação pela justiça e às tarefas de promoção da pessoa”.
Com o passar dos anos, conseguimos formar um estatuto da Pastoral Carcerária em Itajaí, com a contribuição importante do Doutor Sebastião Veloso Maurício, que após ter feito o Cursilho de Cristandade, se sentiu chamado por Deus a se envolver no grupo da Pastoral Carcerária.
Mais tarde sentimos a necessidade de formar um conselho da comunidade para atuar junto à Pastoral Carcerária; nesse sentido, tivemos a importante contribuição do Dr. Sebastião e da Dra. Yara de Oliveira Querne, à época advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Itajaí.
Nesses anos de Pastoral Carcerária no município de Itajaí, juntos aos leigos, participaram muitos sacerdotes: Egídio Alberto Bertotti (Paróquia do Santíssimo Sacramento), Luiz João Bertotti (in memoriam, Paróquia do Santíssimo Sacramento), Luiz Prim (Paróquia do Santíssimo Sacramento), Ivo Poffo (Paróquia Dom Bosco – Itajaí), Gercino Atílio Piazza (Paróquia São João Batista), Alcioni Berkenbrock (Paróquia São João Batista), José Henrique Gazaniga (Paróquia São João Batista), Rufino Garicequira (Paróquia Dom Bosco), Ewerton Martins Gerent (Paróquia de Camboriú) e por fim o espiritualizador Padre Valmir Debarbi (Paróquia São João Batista), que faleceu em 31 de julho de 2021, vítima da Covid-19.
Juntos a esses destacados sacerdotes nominados, muitas de nossas irmãs e irmãos trabalharam por essa Pastoral. Atualmente, a Pastoral Carcerária em Santa Catarina é formada por 128 membros, na maioria pessoas simples que realizam coisas simples, mas com grande resultado e recuperação no Estado. Neste ano de 2022, é comemorado o ano jubilar de 50 anos da Pastoral Carcerária, com evento nacional realizado em Aparecida do Norte, no período de 26 a 28 de agosto.
Em relação à comemoração do Jubileu consta no site nacional da Pastoral Carcerária que “São 50 anos de constantes visitas no cárcere, presença de Igreja na visita ao Jesus encarcerado, escutando as agonias, dores e sofrimentos da população mais marginalizada do país, o grito das “periferias existenciais” cujas fileiras vêm inchando cada vez mais; somando, atualmente, uma população prisional que no Brasil ultrapassa as 800 mil pessoas”.
E “ao celebrar as Bodas de Ouro da Pastoral Carcerária, queremos fazer memória de tantas vidas, rostos que sonharam com outro mundo possível, que Francisco propõe na Fratelli tutti, falando da fraternidade e amizade social, forma de vida com sabor do Evangelho, porque tudo está interligado nesta casa comum”.
O agente da pastoral carcerária é convidado a “ser uma igreja – no dizer do Papa – enlameada”, porque sai pelas estradas, muitas vezes formadas pelas galerias das prisões; é convidado a ir à última cela, ao castigo, ao seguro, à enfermaria. Nesses espaços superlotados, vai procurar aqueles/as que vivem amontoados em condições sub-humanas.
Indo ao encontro de quem perdeu a aparência humana e já não interessa a quase ninguém. A Pastoral Carcerária assume a sua vocação profética, não fica calada. O profetismo e o anúncio da Palavra de Deus são os dois grandes pilares que sustentam a missão e dão sentido à vocação do agente pastoral.
Para sê-lo não basta apenas boa vontade. É fundamental um bom preparo teológico, eclesiológico e sobretudo jurídico. Nesse momento, rezamos a Deus na esperança de contarmos com o próximo sacerdote, que a exemplo dos antecessores, possa nos ajudar a dar continuidade ao serviço da Espiritualidade na Pastoral Carcerária no município de Itajaí. E que consigamos um dia realizar o sonho de Deus de um mundo sem cárceres!