Pesquisa revela racismo nas abordagens policiais do Rio de Janeiro

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“Saber que aquela não é a última vez… A angústia de saber que você tá propenso a sofrer aquilo todo dia…” – Jovem negro entrevistado na pesquisa.

“Eu fico pensando: como será minha vida? Eu vou aguentar ser parado pela polícia todo dia?” – Jovem garçom negro que usa transporte público à noite e que foi entrevistado na pesquisa

No dia 15 de fevereiro deste ano, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) publicou os resultados da pesquisa “Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro”, que analisa a atuação policial em suas abordagens cotidianas na cidade do Rio de Janeiro.

Ilustração: Junião/Ponte

Nos dias 4, 5 e 6 de maio de 2021, equipes do Datafolha realizaram 3.500 entrevistas em pontos de fluxo da cidade do Rio de Janeiro, com moradores de mais de 16 anos, perguntando a idade; a cor; a escolaridade; se consideravam o bairro onde moravam uma favela, um bairro de periferia ou um bairro sem ser de periferia; e se se já haviam sido parados ou abordados pela polícia.

Do total de entrevistados, 739 moradores responderam ao questionário completo, sendo uma amostra representativa dos moradores da cidade que já foram abordados pela polícia. Essas respostas são a base da pesquisa do CESeC.

A população carioca é composta por 48% de pessoas negras, 51% de pessoas brancas e 1% de pessoas de outra raça/cor, segundo dados do DataFolha.

Por outro lado, segundo a pesquisa do CESeC, cerca de 63% das pessoas abordadas ou paradas pela polícia são negras, 31% são brancas e 6% são de outra raça/cor. Esse cenário mostra o pilar racista e seletivo da política de enquadro e de morte adotada pelo Estado fluminense.

Se analisarmos os dados da pesquisa relacionados ao número de vezes que a pessoa foi abordada pela polícia, chega-se a um resultado ainda mais preocupante e cruel. 66% das pessoas abordadas ou paradas mais de 10 vezes pela polícia são negras, 28% são brancas e 5% são de outra raça/cor.

Aqueles que responderam terem sido ‘parados mais de 10 vezes’ (e muitos desse grupo já foram parados centenas de vezes) compõem um setor da sociedade que representa quase um quinto dos já abordados (17%), que são alvo reiterado do olhar de incriminação prévia por agentes da lei. Sentem-se vistos como criminosos, sentem medo quando avistam policiais, pressentem e, de alguma forma, vivenciam as abordagens mesmo quando elas não acontecem”.

Sobre as dinâmicas das abordagens, a pesquisa mostrou que os negros parados em van ou Kombi foram 74%, em transporte público foram 71% e, entre os que foram parados andando a pé na rua ou andando de moto, 68% eram negros.

Quando foram perguntados sobre como foi especificamente a última abordagem policial sofrida, a pesquisa mostrou que 44% dos entrevistados foram abordados há um ano ou menos. Em 36% dos casos, elas ocorreram à noite; em 31%, tarde; em 23%, pela manhã; e, em 8%, de madrugada. Na última experiência de abordagem, 76% tiveram que apresentar documentos à polícia e 50% foram revistados.

Quando se olha quem eram esses 50% revistados, o CESeC verificou que 84% eram homens, 69% eram negros, e 70% eram moradores de favelas e bairros de periferia.

“A revista pessoal é um procedimento agressivo e invasivo em que o abordado é obrigado a colocar as mãos na parede ou sobre outras superfícies, como o capô de um carro ou a lataria de um ônibus, e tem seu corpo apalpado por um agente. Nesse procedimento, o abordado deve manter as mãos imobilizadas e os pés afastados. O abordado fica de costas para o policial e não vê nem o rosto nem se o policial está com a arma apontada para a cabeça, se há outros agentes apontando armas, se estão fazendo gestos que podem se tornar agressões, nem o que se passa entre os policiais e com outros abordados”.

O CESeC ainda revelou que a polícia usa uma estratégia violenta de intimidação nas abordagens de mulheres e mulheres trans: a revista das bolsas. Segundo a pesquisa, foram inúmeros relatos de mulheres que ”tiveram seus pertences despejados em cima da lataria da viatura ou na rua”.

A pesquisa analisa ainda a utilização procedimental de violência física, violência verbal, corrupção e invasão de celular por parte dos policiais. Segundo a pesquisa, foram 28% dos entrevistados que revelaram que a polícia apontou diretamente uma arma para a pessoa entrevistada ou para algum de seus acompanhantes.

O trabalho apresentado pelo CESeC revela, assim, os traços cruéis do racismo estrutural. A dor que atravessa o corpo negro controlado e violentado pelo Estado é constante. O sistema penal é completamente genocida, em todas as suas faces, desde a atuação da polícia até o encarceramento. Por isso precisamos aboli-lo.

 

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