Da Pastoral Carcerária do Ceará
Nesta terça-feira (07/dez) a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará concede o título de Cidadão Cearense ao Secretário de Administração Penitenciária do Ceará (SAP-CE), Luís Mauro de Albuquerque Araújo. A iniciativa muito nos estranha em pontos que analisamos a seguir.
Timing político
Há cerca de uma semana, em entrevista à rádio O POVO/CBN, Mauro Albuquerque foi questionado sobre uma possível candidatura a cargo político nestas eleições de outubro de 2022. Poucos dias depois a Assembleia, sob rubrica da ex-deputada Patrícia Aguiar (PSD), põe o respeitoso título em pauta.
Nada contra a provável candidatura do policial civil brasiliense. Afinal, estamos em um Estado Democrático de Direito, e todas as ideias estão livres para serem discutidas no Parlamento – mesmo as que vão contra ideais consagrados em todo mundo, como a preocupação com os Direitos Humanos de populações vulneráveis.
O que nos estranha é que esta candidatura, com viés autoritário, esteja nascendo sob um governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Lutamos muito, desde a redemocratização, para termos no Poder representantes alinhados a uma política de paz e respeito às populações vulneráveis, como é o caso dos encarcerados. É triste, hoje, assistirmos a um governo dito de esquerda patrocinar a candidatura de alguém tão ligado aos ideais bolsonaristas.
Escândalos
São muitos os problemas que perpassam a administração de Albuquerque à frente da SAP. Logo no início de sua gestão, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) veio ao Ceará e divulgou Relatório denunciando série de abusos cometidos pela nova administração dos presídios cearenses. Em meio à ascensão da extrema-direita bolsonarista, o assunto virou pauta nacional, ao ponto de Camilo ser “elogiado” por Bolsonaro. “Ele [Camilo] provou que essa questão do combate à violência não pode ser com direitos humanos”, disse o presidente em entrevista a uma rádio.
Em julho de 2019, após ápice da primeira crise nos presídios cearenses sob controle de Albuquerque, o secretário deu uma entrevista chamando de “mentirosos” os defensores dos Direitos Humanos no Ceará – era provavelmente uma indireta à advogada Ruth Leite, então presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), hoje integrante desta Pastoral Carcerária. Menos de um ano depois, em fevereiro de 2020, Albuquerque deu a seguinte declaração: “Se houve alguma repressão maior, se os agentes bateram, foi durante janeiro de 2019 (…) foram enfrentamentos que alguns usam até hoje para falar que foi ‘maus tratos’.” Ou seja, por fim, provou-se quem eram, afinal, os mentirosos no debate.
Com a pandemia de Covid-19 os presidiários ficaram impedidos, por muito tempo, de receberem visitas de familiares e assistência religiosa. Quando as visitas foram sendo retomadas, foram surgindo muitos casos de abusos, relatados a nós e aos familiares, pelos presidiários. Nunca houve preocupação em oferecer transparência, muito pelo contrário. As denúncias foram, e seguem sendo, sistematicamente negadas e enviadas para “debaixo do tapete”.
Policiais Penais
Apesar de Albuquerque vender a imagem que o sistema penitenciário cearense está em paz, por não haver mais motins e rebeliões, a verdade é que a crise segue existindo intramuros. Se não bastasse a aplicação desumana da lei contra os encarcerados – vale lembrar que, no Brasil, maus-tratos não é modo de cumprir pena-, cada vez mais policiais penais assumem-se críticos da política de Recursos Humanos da SAP.
Assistimos estarrecidos, mês passado, ao suicídio de três policiais penais no Ceará – desde 2019 já são sete profissionais que perderam a vida dessa forma. Não dá para supor que uma tragédia dessa espécie seja considerada “acidente de percurso”. Está claro que a SAP não vem dando atenção necessária à saúde de seus próprios profissionais. Prova disso é a manifestação convocada pelo Sindicato dos Policiais Penais e Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (Sindppen-CE), ocorrida no último dia 16 de novembro, em frente a essa mesma Assembleia.
É por esses e outros pontos que a Pastoral Carcerária do Ceará repudia a escolha deste título para Mauro Albuquerque. Que a Casa do Povo e o título de Cidadão Cearense sejam respeitados e utilizados para fins de benefício coletivo, não interesses politiqueiros passageiros.