A Pastoral Carcerária Nacional lançou no dia 03 de abril um questionário com o objetivo de obter mais informações sobre a situação carcerária no país durante a pandemia da COVID-19.
Em apenas três dias, obtivemos 1213 respostas, de todos os estados do país. Além de dados que dão um panorama de proibição às visitas e entrada de materiais de higiene e a falta de transparência e omissão de informações por parte dos órgãos oficiais, as respostas forneceram uma série de relatos denunciando as condições precárias do cárcere.
Dentre as pessoas que responderam estão familiares, agentes da PCr, agentes penitenciários, técnicos do sistema prisional, advogados e juízes, defensores públicos e membros de organizações de direitos humanos.
Neste texto, você confere alguns desses relatos. Os nomes das pessoas e os estados de onde elas são foram mantidos em anonimato.
Falta de Transparência
As respostas confirmam as poucas informações que as pessoas vêm recebendo sobre o que está acontecendo nas prisões – e muitas das que recebem são vagas.
Quando perguntados se haviam suspeitas de presos com a COVID-19, 621 pessoas (51,5%) não sabiam responder; da mesma forma, 736, ou 61,2%, não sabiam dizer se havia casos confirmados dentro das prisões ou não.
Casos da doença já foram confirmados por órgãos oficiais, mas as respostas apresentam um cenário de que pode haver muitos presos infectados para além do que vem sendo divulgado.
“Eles [a direção do presídio] não passam muita informação. Apenas que tá bem e estão dando as coisas pra prevenção da epidemia, mas não sabemos real mesmo, pois sabemos o quanto eles maquiam a verdadeira situação”.
“Na Delegacia de Polícia Civil de meu município os familiares sempre tem dificuldades de acesso a informações sobre as pessoas presas, e agora a situação está pior”.
Muitos relatos apontaram que os presos têm direito a ligações, e em alguns presídios, foram feitas chamadas de vídeo. Mas essas ligações são monitoradas e limitadas a dois minutos, tempo muito curto, não deixando familiares entenderem o que está acontecendo de fato, assim como estes não podem contar ao preso como estão.
“Os internos que estão saindo estão falando que existem muitos doentes lá sem assistência. E os internos na video chamada são obrigados a falar que estão bem. Meu esposo está doente no sistema, tem problema renal crônico e precisa passar por cirurgia. A consulta agendada com especialista foi cancelada. Não temos notícias mais, e pela videochamada deu para ver o quanto ele tá debilitado, magro e doente”.
“Não há informação como o apenado se encontra, eles ligam uma vez na semana com direito a dois minutos ou menos por ligação, e não temos liberdade para perguntar e nem ele responder como está. Só nós aqui de fora que podemos falar como estamos. Se eles falam algo que não pode, a ligação cai”.
As respostas contam que é possível obter informações mais concretas quando presos são internados nos hospitais do que pelos órgãos oficiais.
“As informações surgem quando presos são vistos em hospitais públicos da cidade, não sabemos o motivo do encaminhamento do preso, pois a penitenciária não nos dá informações!”
Casos suspeitos
Em relação a suspeitas e casos de infecção confirmados da COVID-19, os depoimentos falam de uma série de casos possíveis, que vêm sendo ignorados pelas direções das unidades.
“Soube que eles foram confinados numa cela onde tinha pessoas com sintomas de tuberculose e de COVID-19. Um deles veio a falecer, sem socorro. Caso se confirme a causa da morte, estão todos infectados”.
As torturas e violências dentro do cárcere não pararam por conta da pandemia; pelo contrário, elas se intensificaram, e a própria doença está sendo usada como ferramenta de tortura e morte, dizem as pessoas que responderam.
“Duas pessoas com suspeita [de contrair COVID-19] e uma morte. Estão deixando os com suspeita junto com os outros, e já ouvi falar que é ‘pra deixar morrer’. Estão todos sem água pra beber, tomar banho ou lavar mãos, não tem sabonetes também”.
“São mais de 15 presos que passavam mal pedindo socorro. Depois de um dia inteiro de grito, os agentes chegaram jogando spray de pimenta, mandando eles se calarem, senão eles apanhavam. Aqueles presos que passaram mal foram jogados em outra cela do mesmo bloco depois de dois dias, ali eles ficam até não aguentar mais.”
Higiene precária e agentes penitenciários sem EPIs
Outras denúncias que apareceram foram relacionadas à falta de materiais de higiene e alimentação saudável para os presos, o não uso e falta de equipamentos de proteção individual (EPI) para os agentes penitenciários, como máscaras, colocando a saúde destes em risco também, além de aumentar o risco de contaminação dentro das prisões:
“Meu cliente está com sintomas e tenho notícias de três casos suspeitos ao todo. o mais grave que tenho observado é que os agentes não estão utilizando os EPIs”.
“Caso suspeito no meu estado. O advogado do meu marido foi visitá-lo e ele estava preocupado porque os agentes penitenciários não estão usando máscaras.”
“A única medida tomada no último mês foi a de proibição das visitas, o que não faz muito sentido já que os agentes não estão de quarentena e continuam circulando, há relatos de mais de 35 presos usando a mesma escova de dente, o que impossibilita seguir as recomendações da secretaria de saúde. Não tem o mínimo de higiene básica para evitar o vírus.”
“A falta de produtos de higiene e uma alimentação precária só piora a saúde deles. Com a imunidade baixa, o local fechado e úmido só aumenta as doenças como pneumonia, tuberculose e outras…nós pedimos socorro”.
A PCr nacional, enquanto a pandemia durar, irá continuar na busca por informações e na cobrança dos órgãos oficiais para que medidas efetivas sejam tomadas, principalmente a diminuição da população prisional para evitar um massacre maior nos cárceres.