O grito de Adalberto e de seus 110 companheiros massacrados pelo Estado no dia 02 de outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo, continua ecoando nos arredores dos carandirus brasileiros. A cada grade de ferro que se ergue, um novo capítulo de sangue se levanta sobre as páginas dessa duradoura história de massacres e mortes.
Contaminação pandêmica, Papuda, Urso Branco, Benfica, Pedrinhas, Monte Cristo, Alcaçuz, Manaus, Altamira, Carandiru e tantos outros massacres e torturas são traços gangrenados dessa memória que machuca, que corrói e que não se esquece jamais.
O palco das chacinas nacionais continua vívido no peito das mães e dos familiares que tiveram seus entes queridos arrancados e extirpados pela força truculenta do Estado.
A escritora Deise Benedito relata sua experiência ao entrar no Carandiru após o massacre: “Entrei. O cheiro de sangue era muito forte. Nos dividimos e fui para o setor administrativo do Pavilhão 09. Os presos lavavam o chão, e o sangue vinha junto. Choravam copiosamente, assustados, amedrontados. Eu fiquei no setor administrativo, pois o pavilhão estava todo cheio de água e sangue (…) Levei para a Vara de Execução Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, já no final da tarde, a lista de alguns presos mortos. Consegui levantar as execuções, e assim descobri que a maioria dos que foram solenemente assassinados tinham entre 18 e 29 anos, a maioria sem condenação. Hoje se fala em hipencarceramento. Naquela data, a Detenção de São Paulo tinha mais de 7 mil presos, tendo a capacidade para 1.400. Tudo muito muito duro, maioria jovens e negros. Foi tudo muito cruel. (…) Realmente o Carandiru não acabou. Estão mais sofisticadas as formas de massacre. A Covid-19 se encarrega de transformar as celas em câmaras de gás. Os nossos presídios são, infelizmente, o Carandiru nosso de cada dia. Lamentavelmente”.
Em Altamira, quando a coordenação nacional da PCr se fez presente após o massacre, uma familiar nos disse: “Os nossos filhos são maltratados, todos os dias eles apanham (…) tem gente com tuberculose, tem gente com pneumonia, tem gente com várias doenças, todo mundo junto. Nossos filhos estão sendo humilhados, nossos filhos estão comendo comidas estragadas, cheias de caramujos, cheias de pelos de gato. Os nossos filhos estão sem água, eles tomam água do vaso sanitário. Os nossos filhos estão cheios de feridas, cheios de bactérias, a gente não pode entrar com medicamento porque eles embargam, achando que a gente está entrando com droga. Essa mãe que perdeu o seu filho pelo Estado… e o que o Estado vai fazer por essa mãe? (…) Que o Estado venha parar de tirar os nossos filhos, porque nossos filhos têm voz. Eu vou clamar até o fim da minha vida: eu quero justiça”.
E assim, todos os dias, a cada segundo, um novo Carandiru acontece. A prisão é crime permanente contra a humanidade majoritariamente jovem, negra e pobre. Mas tem que acabar. Para sempre na memória: 02 de outubro não acabou.