Mães, filhas e irmãs denunciam ‘tropa de choque’ dos presídios de SP

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Grafite em uma das salas da Amparar, em Itaquera | Foto: divulgação

Por Fausto Salvadori e Maria Teresa Cruz
Da Ponte

Duas garotinhas sorridentes abrem uma gaiola e libertam um passarinho, ao lado das palavras “Difícil não é… lutar por aquilo que mais se quer, e sim perder aquilo… que se ama mais”. O grafite suaviza as paredes de uma das salas onde funciona a sede da Amparar (Associação de Familiares de Presos e Presas), verbo que virou nome da ONG, fundada em 2006.
Localizada no segundo pavimento de um predinho, em cima de um mercado e ao lado de uma academia, a Amparar recebeu na quarta-feira (31/1) mães, filhas e irmãs de pessoas trancadas em diferentes unidades prisionais do Estado de São Paulo. Diante de representantes da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, do vereador Eduardo Suplicy (PT) e do Movimento Negro Unificado, denunciaram maus-tratos e espancamentos que teriam ocorrido nas unidades de Getulina, Avaré, Dracena e Mauá, entre outras, a maior parte no Interior do Estado de São Paulo.
O principal alvo das denúncias é o GIR (Grupo de Intervenção Rápida), uma espécie de “tropa de choque” criada em 2004 pela SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e ganhadora em 2010 de uma menção honrosa do Prêmio Mário Covas na categoria “inovação em gestão”.
Segundo as denúncias, uma intervenção recente do premiado GIR, em 24 de janeiro, na Penitenciária “Osiris Souza e Silva”, em Getulina, terminou em presos torturados, ajoelhados em poças de urina, com braço e dentes quebrados.
“O GIR entrou no raio 1 e bateu em todos os presos que estavam lá. Eles tiveram que ficar sentados, sem poder levantar, das seis horas da manhã até as quatro horas da tarde. Quem quisesse levantar para ir no banheiro apanhava. Aí urinava na roupa e acaba apanhando também. Na cela 112, teve 17 presos que foram torturados. De um deles, o GIR quebrou quatro dentes e um braço”, contou uma das mulheres, a partir dos relatos que afirma ter ouvido do irmão, preso no raio 1. Ela, como as demais, pediu para não ser identificada na reportagem: tem receio do que poderia ocorrer com o irmão se as autoridades soubessem que estava denunciado os abusos. Quem assume a tarefa de dar nome e cara à tapa é Railda Alves, presidente da Amparar.
Quando criou a associação, há 12 anos, Railda pretendia defender os direitos dos adolescentes que, como seu filho, estavam detidos na Febem, atual Fundação Casa. Nos anos seguintes, tanto o filho de Railda como o de outras mães da Amparar deixaram a Fundação, mas logo foram parar nos presídios para adultos. A partir daí, a Amparar passou a englobar na sua luta também os direitos dos maiores de idade encarcerados. “As mães vêm aqui para receber apoio na luta e também um abraço e um beijo, que é o que a gente pode dar para quem enfrenta o Estado”, disse.
Neste encontro, a mãe de um preso em Getulina disse que o filho teria conseguido o direito de transferência para uma penitenciária em Hortolândia, cidade 352 quilômetros mais perto da capital São Paulo, onde a família mora. Antes que a transferência ocorresse, porém, segundo a família, o diretor da unidade teria atribuído ao preso uma falta disciplinar por conta de uma lâmpada quebrada, apenas para segurá-lo na unidade. “Ele disse que meu filho não ia sair dali se ele não quisesse. Quando a gente reclama, ele fala ‘quem manda na cadeia sou eu’.”
Familiares também denunciaram que as revistas vexatórias, que deveriam ter sido eliminadas há três anos, com a edição da lei estadual 15.552/2014, que proíbe a prática, continuam a ocorrer em diversas unidades. “Em Lucélia, se o escâner detecta algo no corpo de uma visita, ela é obrigada a urinar e defecar num saquinho diante dos guardas”, contou um dos familiares de detentos.
O vereador Suplicy, antes de falar de renda mínima, comprometeu-se a cobrar do secretário Lourival Gomes, titular da SAP, que aceitasse se reunir com os familiares dos presos para falar sobre as denúncias. Segundo o vereador, o secretário teria dito que não aceitava se reunir com determinados parentes por receio de serem ligados à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). “Eu considero isso um absurdo”, afirmou Suplicy.
A atuação do GIR será tema de uma audiência no Auditório da Defensoria Pública, em 28 de fevereiro.
Gás e pimenta: corpos queimados
Outras denúncias levadas por familiares à Defensoria dizem respeito a uma outra intervenção realizada pelo GIR no dia 26 de dezembro em três raios — 5, 6 e 7 — da Penitenciária “ASP Adriano Aparecido de Pieri”, de Dracena, com o objetivo de conter um protesto dos presos que pediam uma reunião com a direção para reclamar da superlotação das celas e da má qualidade da comida. De acordo com a mulher de um preso que cumpre pena por tráfico, há celas no pavilhão 5 que teriam capacidade para 22 e estão com 43 pessoas. Há relatos de alimentos estragados e até de inseto nas marmitas.
A penitenciária é voltada para detentos em progressão do regime fechado para o semi-aberto. Segundo parentes dos presos, o confronto aconteceu porque após o banho de sol, sem sucesso em conseguir audiência com a direção, os presos teriam se negado a retornar às celas. O GIR foi chamado e, ainda de acordo com o relato da mulher de um preso, agrediu o grupo que tinha se rebelado.
“Os que estão no raio 5 foram os mais machucados. Nossa advogada, que esteve lá e não conseguiu ter acesso a eles soube que tinha gente de orelha estourada, dedo quebrado e queimaduras”, conta. Há uma prática, denunciada até mesmo pela Defensoria, de que o GIR usa gás pimenta combinado com bomba de gás, o que geraria combustão e causaria incêndio, queimando os presos.
Depois do ocorrido, as visitas foram canceladas e só voltaram a acontecer no dia 15 de janeiro. “Não conseguimos falar nem com assistente social. É o cúmulo do absurdo. Eles cometeram crimes e estão pagando por isso, mas é preciso que as pessoas saibam que eles têm família, gente que está esperando aqui fora”, desabafa a irmã de um detento que está prestes a ir para o semi-aberto. “Eles deixaram esse tempo sem visitas para que as marcas não fiquem tão aparentes, é óbvio”.
Depois do ocorrido, pelo menos 140 presos do raio 5 foram transferidos para Presidente Venceslau, distante quase 70 quilômetros, como forma de castigo pelo ocorrido.
Ainda de acordo com os parentes dos que cumprem pena em Dracena, existe uma rotina de violência. “Todo mundo que chega lá transferido, apanha. É o paracetamol ou dipirona. São duas barras de ferro, uma maior que a outra, e quem chega, os agentes pedem pra escolher uma ou outra. O problema é que se você escolhe a menor, apanha da maior também. Se escolhe a maior, apanha duas vezes com a maior”, conta a mulher de um preso que foi transferido do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Mauá para lá no ano passado.
A distância de Dracena com cidades como São Paulo, por exemplo (650 quilômetros separam o município da capital do Estado), também é uma queixa frequente. Uma das mulheres de um detento conta que gasta aproximadamente R$ 750 por final de semana de visita. “Como uma pessoa, por exemplo, que ganha um salário mínimo faz? Fica devendo, pede emprestado. É uma luta.”

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