Frente pelo desencarceramento CE: combate ao Covid-19 e o aprofundamento da miséria no Estado penal-racista

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Carta aos movimentos sociais, organizações populares, defensores públicos, advogadas/os populares e sociedade civil:

Na última terça (17/03/2020), o CNJ – Conselho Nacional de Justiça – publicou a Recomendação nº 62, que propõe “aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo”. De maneira geral, recomenda-se desencarceramento para um conjunto de pessoas em situação de vulnerabilidade e risco.

Experimentando diversas medidas severas antes da pandemia anunciada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), foram cortadas visitas e entrega de malotes, únicas formas de possibilitar que presos e presas tenham acesso a produtos de limpeza e higiene pessoal – condição básica para prevenir doenças, em especial o coronavírus.

Diante de uma catástrofe que se aproxima rapidamente, temos grande preocupação com a injusta recusa que o Poder Judiciário adota para não acompanhar as urgentes medidas de desencarceramento e desinternação nos sistemas prisional e socioeducativo do Ceará, tendo em vista que esse fato prolonga o sofrimento de presos, internos e suas famílias.

É visível, embora naturalizada socialmente, a condição desumana a qual são submetidos presos e presas nos cárceres brasileiros e, nesse momento, as deploráveis condições sanitárias é a mais alarmante. Nenhuma das recomendações de higiene básica pode ser cumprida nas prisões brasileiras, onde presos não têm direito a água garantido, pois esta é extremamente racionada.

Além disso, não há produtos de higiene sequer para lavar as mãos e as celas estão sempre superlotadas. Dentro das unidades, existem todos os “grupos de risco”: de mulheres grávidas até pessoas idosas, com HIV e tuberculose. Sem contar com o fato de que, nas condições existentes, a imunidade de pessoas presas é muito baixa e já não há atendimento médico suficiente.

Houve surtos de tuberculose nas prisões cearenses, e antes mesmo da proliferação do Covid19, o Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), antiga CPPL 5, em Itaitinga, apresentou um quadro de presos subnutridos que apresentaram uma alegada “doença misteriosa”, que inclusive se assemelha ao “escorbuto”- comum nos escravizados que foram traficados há 300 anos, causada pela superlotação nos infames “navios negreiros”, alimentação precária, sem nutrientes necessários, e ausência de sol.

Sobre esse surto, que resultou na internação hospitalar de mais de 30 internos, poucas informações foram fornecidas sobre a atual situação dos mesmos, em especial, informações qualificadas para as famílias. Por isso, a população carcerária está apavorada, e também suas famílias – em sua esmagadora maioria mulheres que estão na luta, buscando insistentemente informações sobre seus filhos e companheiros privados de liberdade.

É importante ressaltar que não existem políticas de assistência a essas pessoas, que muito peregrinam nos espaços carcerários deste Estado e enfrentam a violação racista e patriarcal de seus direitos básicos, sendo também penalizadas junto aos seus parentes aprisionados. A maior preocupação nesse contexto de quarentena é justamente não ter acesso a nenhuma informação.

De modo alarmante, foram registrados os primeiros casos de infecção por Covid-19 em prisões de São Paulo e no Rio de Janeiro. A contaminação dessa parcela da população (que hoje ultrapassou 800 mil pessoas no Brasil e passa de 28 mil no Ceará) é iminente.

Por isso, as pessoas presas – ou seja, sob responsabilidade do Estado – e suas famílias precisam urgentemente de apoio. Nem todas têm condições de pagar advogada/o e a defensoria não dará conta do que precisa ser feito para enfrentar o Estado penal que se aproveita da situação para continuar encarcerando e avançando em medidas autoritárias, violentas, racistas e misóginas.

Já são registradas rebeliões, enfrentamentos e incêndios em prisões alguns países, como os eventos ocorridos em 10 prisões colombianas no último dia 21 de março de 2020. A deterioração da situação nos preocupa pois o sistema prisional cearense é laboratório para as políticas de forte repressão, uso extremo da violência e todo tipo de violações de direitos em nome da “ordem”, – fatos relatados pelas inúmeras denúncias de torturas em relatórios divulgados em 2019.

Por isso, precisamos urgentemente do apoio de advogadas/os voluntárias/os, defensores públicos e de mobilização e pressão de quem também se encontra na base da pirâmide social, bem como de toda a sociedade civil para fortalecer a solidariedade popular e empreender estratégias que evitem uma escalada de violência e massacres nas prisões cearenses.

Enquanto as horas passam, as famílias e parentes estão sem informações sobre a situação nas prisões, sem canais de atendimento telefônico e com o transporte cortado. E seus parentes sob as condições desumanizantes já citadas. É dever e responsabilidade do Estado divulgar informações sobre a situação das prisões cearenses para toda a sociedade civil, não privando as famílias de acessar seus direitos ou negando-se a manter um canal aberto de diálogo com cidadãs e cidadãos.

Contamos com a consciência, disposição e solidariedade para enfrentar mais essa mazela que recaí mais forte nas oprimidas e oprimidos por esse sistema injusto, racista e machista.

Frente Estadual pelo Desencarceramento – Ceará
22 de março de 2020

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