Frei Betto: “A prisão marca no sentindo de que está incorporada à minha existência”

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, tem uma história de vida dedicada à luta pela liberdade, ao lado dos movimentos sociais e de uma igreja em saída. Sobrevivente do cárcere, foi preso na época da Ditadura Militar, passando por mais de 10 prisões em quatro anos. 

Frade dominicano, prestou assessoria e assistência a uma série de movimentos sociais ao longo dos anos, e em 2003 e 2004 atuou como Assessor Especial do Presidente da República e coordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero. Na igreja, atuou na construção das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) durante a década de 1970, e prestou assessoria à Pastoral Operária do ABC na década de 1980.

Escritor por natureza, tem 73 obras publicadas ao longo de 78 anos de vida, dentre elas Batismo de Sangue, Diário de Fernando – Nos Cárceres da Ditadura Militar Brasileira e Cartas da Prisão, que relatam a sua passagem pelo cárcere.

Nessa conversa com Irmã Petra, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, e José Coutinho Júnior, assessor de comunicação da PCr Nacional, Frei Betto reflete sobre seu tempo na prisão, sobre a presença da tortura em todas as facetas da sociedade, e concorda que, atualmente, todo preso é um preso político:

“Todos esses presos e presas são presos políticos, ou seja, é em razão de uma estrutura política que eles se encontram ali, e se não fosse por essa estrutura, se tivesse uma outra formação, educação ou uma outra abertura de universalização de direitos, não estariam ali”.


Confira abaixo a entrevista na íntegra:

 

Irmã Petra – Nós costumamos dizer que a prisão marca bastante a pessoa, seja a pessoa presa, os familiares… e mesmo quando as pessoas saem da prisão, a prisão não sai dela. O senhor que passou pelo sistema prisional também sente isso?

 

Frei Betto – Durante a ditadura eu fui preso duas vezes, somada as duas vezes eu passei por dez prisões diferentes, sendo que na segunda vez eu fiquei quatro anos preso, dois anos como preso comum.

 

Eu passei pelo Presídio Tiradentes, Penitenciária do Estado em São Paulo, Carandiru e pela Penitenciária de Presidente de Venceslau, uma penitenciária de segurança máxima.

 

Eu confesso que ao contrário de muitos companheiros meus não guardei tantas marcas, eu guardo boas memórias, tanto do que a gente sofreu lá dentro, quanto do que a gente pôde fazer de positivo, como abrir os olhos dos presos comuns, organizar um grupo de teatro, organizar um curso com validade oficial de supletivo de ensino médio, que na época se chamava Madureza, grupos bíblicos e outros.

 

Agora, eu atribuo isso a uma característica do meu temperamento, o fato de eu logo aprender que na prisão você deve estar com a cabeça e o corpo lá dentro, você não pode estar com o corpo lá dentro e a cabeça aqui fora, isso sim cria uma dissociação que provoca um desgaste psíquico muito grande. 

 

Eu acho que isso realmente me ajudou muito, e um fator que foi muito favorável à minha saúde mental foi o ato de escrever. O Hélio Pellegrino, grande psicanalista que era muito meu amigo, me disse que eu fui salvo pela escrita, e de fato a escrita é terapêutica. 

 

As cartas e os textos que eu escrevia eram uma maneira de colocar para fora aquilo que passava na minha subjetividade, isso realmente me deu um desafogo. 

 

A prisão marca no sentido de que isso está incorporado à minha existência, não posso ignorar, eu assumo. Conheço companheiros que se recusam a falar do seu tempo de prisão, não é o meu caso, eu acho que isso é terapêutico e positivo.

 

De certa forma sinto que durante 21 anos de ditadura eu tenha tido o privilégio de participar da resistência, na minha história de vida está comprovada essa resistência ao período ditatorial, não fui omisso e não aderi. Pelo contrário, assumi o risco de vida, não só durante a militância, mas depois que eu saí da prisão, quando fui muito pressionado pela família, igreja e a ditadura militar a deixar o país.

Eu saí da prisão no fim de 1973, a ditadura foi terminar mais de dez anos depois em 1985, eu me recusei a sair, continuei vivendo no Brasil e voltei de certa forma à minha militância, agora em outro estilo e conjuntura, mas assumi essa militância novamente.

Irmã Petra – O senhor falou da questão da escrita, isso me chama bastante atenção. Hoje existem projetos no cárcere de remição da pena por leitura que talvez entrem um pouco nessa parte terapêutica também. E a questão da fé e da religião, como isso ajudou?

 

Frei Betto – Foi muito importante também, antes da prisão eu havia aprendido a praticar a meditação e a minha forma preferida de oração é via meditação. Na prisão eu chegava a meditar às vezes mais de uma ou duas horas, principalmente nos períodos em que eu fiquei em celas solitárias, como aconteceu em Presidente Venceslau. Ali eu meditava longamente, e isso realmente me deu um equilíbrio e me fortaleceu espiritualmente.

 

Fomos presos juntos no fim de 1969, oito frades dominicanos, mas todos foram sendo liberados. O Frei Tito saiu no sequestro do embaixador, e o Frei Fernando, Ivo e eu, ficamos juntos, nem sempre na mesma cela, mas na mesma prisão, durante os quatro anos seguintes.

 

O Fernando já era sacerdote, então fazíamos nossas celebrações às vezes com água, suco ou vinho contrabandeado, contrabandeado pelo capelão da penitenciária, que ficava com um sentimento de solidariedade a nós e levava um pouco de vinho para que pudéssemos fazer a celebração.

 

Foi um período de muito aprofundamento espiritual, de deserto mesmo, um grande retiro. E o fato de nos sentirmos irmanados com a prática experiência de Jesus. A gente sempre diz que todos nós cristãos somos discípulos de um prisioneiro político. Jesus, como muitos da minha geração, foi preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado à pena de morte na cruz pelos romanos, e isso criava em nós um fator de identificação que espiritualmente nos fortalecia. 

 

Irmã Petra – Eu sempre escuto que na ditadura vocês eram presos políticos, e depois o senhor falou que foi preso comum. Hoje, nós da Pastoral Carcerária consideramos todos os presos como presos políticos. 

 

A população carcerária são os pretos, pobres e periféricos. É uma seletividade que existe hoje, estamos quase com um milhão de pessoas encarceradas, olha só quem está encarcerado e quem não. Como o senhor vê isso?

 

Frei Betto – Eu fico até feliz que vocês tenham adotado essa terminologia, porque o que ficou muito evidente para mim na prisão é que se eu tivesse tido a mesma formação, ou vamos usar outra expressão: a mesma deformação, que aqueles companheiros que eu chamo de presos comuns tiveram, eu seria um deles e também teria partido para a criminalidade, o narcotráfico, e todo tipo de crueldade que eles relataram, porque eles são resultado de uma estrutura do sistema capitalista, uma estrutura de segregação que impediu eles e a suas famílias de terem uma educação, saúde, profissão e enfim.

 

E você tem toda razão, todos esses presos e presas são presos políticos, ou seja, é em razão de uma estrutura política que eles se encontram ali, e se não fosse por essa estrutura, se tivesse uma outra formação, educação ou uma outra abertura de universalização de direitos, não estariam ali. 

 

Claro, eu não creio que existirá uma sociedade sem nenhum tipo de criminalidade, eu sei de países em que o índice de criminalidade é muito baixo, mas a maioria dos que se encontram encarcerados são por razões de crimes passionais. 

 

São fatores próprios da limitação humana, e creio que a humanidade vai conviver com isso durante muito, muito tempo.

 

Irmã Petra – Agora na pandemia, foi proibida a entrada nas prisões e o retorno das visitas é difícil. Nós trabalhamos muito com familiares de pessoas presas, e é muito forte para nós essa experiência, eles sofrem tanto quanto as pessoas privadas de liberdade. Nós não falamos os egressos do sistema, nós falamos os sobreviventes do sistema, e o senhor é um sobrevivente do sistema. 

 

E os relatos que nós temos de tortura são os mesmos que temos da ditadura, afogamento, choque elétrico, espancamento, com uma maneira para não deixar marcas. Eu não vivi no Brasil durante a ditadura, eu cheguei em 1991, mas eu li bastante e a tortura continua, é perverso. 

 

Agora, 02 de outubro, tivemos a memória dos 30 anos do Massacre do Carandiru, e os massacres continuam. Especialmente no Amazonas, esses últimos anos foram terríveis, com massacres em Altamira e Manaus. 

 

Os policiais aqui de São Paulo, do Carandiru, foram inocentados. A impunidade, a falta da responsabilização desses agentes torturantes continua. Como o senhor vê isso?

Frei Betto – Tudo isso que a senhora descreveu, Irmã Petra, eu sei disso também, concordo plenamente e creio que todos aqueles que hoje trabalham nos cáceres devem, na medida do possível, tentar estimular dois fatores, o primeiro é educação, escolaridade, mas com validade oficial, como o que nós fizemos em Venceslau. 

 

Nós criamos um curso de supletivo, eram 400 presos. Me lembro que o diretor gritava que nenhum deles iria se interessar pelo curso, e se interessasse não passaria de uma semana, falou que eles gostavam de novidade, podia ser que meia dúzia se interessasse no início. 

 

E mais, ele abriu para as aulas o período de 18h00 às 21h00 da noite, e para você ter uma ideia, o recreio era das 19h00 às 21h00 da noite, ou seja, quem se inscrevesse para as aulas perderia o recreio depois de um dia todo de trabalho. Oitenta companheiros se inscreveram, ele ficou surpreso e a desistência foi mínima, não mais de cinco desistiram.

 

Os professores da cidade é que iam aplicar as provas, por isso o curso tinha validade oficial, os que terminaram receberam seu diploma. Então o primeiro fator eu creio que nós temos que investir em educação, mas não só a educação formal, a informal também.

 

Vou dar um exemplo: ao chegar em Presidente Venceslau, nós encontramos uma sala de pintura e ali havia dois prisioneiros muito talentosos como desenhistas, como pintores, e o diretor explorava o talento deles para que copiassem telas famosas, porque o diretor era viciado em baralho. Ele então pagava suas derrotas nas mesas de carteadas com cópias de telas famosas. 

 

E nós acabamos com isso, conseguimos muito material. Naquela época havia uma coleção aqui no Brasil que foi um best seller da editora Abril, chamado Gênios da Pintura, e nós conseguimos toda a coleção e materiais de pintura de qualidade, inclusive pincéis, tintas e telas, e eles passaram a produzir pinturas criativas.

 

É muito importante incentivar a educação informal, de acordo com o talento de cada prisioneiro ou prisioneira, que pode ser a costura, a culinária, a maquiagem, a pintura e vários ramos de educação que não entram no quadro da escolaridade formal, mas que prepara a pessoa para uma vida com muito mais qualidade, principalmente em condições de ao sair dali, ter uma profissão aqui fora. 

 

José Coutinho Júnior – Sobre essas torturas que a Irmã Petra descreveu agora, você acha que elas acontecem hoje no sistema carcerário por serem uma espécie de resquício da ditadura, e elas ocorrem porque o Brasil de certa forma não se conciliou com esse passado? 

 

Frei Betto – Não, eu acho que sempre houve tortura, sempre houve e isso não é uma questão da ditadura, a ditadura pode ter exacerbado, de certa forma legitimado, oficializado esse sistema, mas até nos quartéis de treinamento tem tortura, e o incrivel é que os recrutas aceitam como forma de treinamento e preparo.

 

Tortura existe desde o pai que bate na criança, isso eu aprendi também no sistema carcerário, aqueles prisioneiros que cometeram crimes mais hediondos, quase todos foram os mais surrados na infância. Isso é uma característica que a experiência de vida me levou a deduzir, o fato de uma criança ser extremamente espancada a induz na idade adulta a ser uma pessoa violenta.

 

Creio que nós ainda não encontramos como criar mecanismos que evitem a tortura, porque ela se passa muito acobertada pela cumplicidade dos guardas, carcerereiros e as vezes dos próprios prisioneiros, eles tambem acobertam pelo medo de retaliaçãoe ou não tem forças para denunciar. 

 

Me lembro a nossa luta em Presidente Venceslau nós conseguimos acabar com a tortura porque conseguimos levar as denúncias para fora, mas isso só enquanto nós presos políticos ficamos ali junto àquela população, nós eramos seis presos políticos que haviam sido deslocados para o meio de 400, como eu usei no início, presos comuns.

 

Portanto nós conseguimos ali acabar com a tortura, mas certamente quando deixamos Venceslau ela voltou. Eu me lembro do chefe da carceragem anos mais tarde falar para um colega meu que o que estragou o sistema carcerário foi “essa mania de direitos humanos”. Essa é a mentalidade que eles têm, que o preso é um ser abjeto e tem que ser tratado como um animal bravo, e essa maneira de domá-lo é a violência física.

 

Creio que nós precisamos criar mecanismos para neutralizar essa violação grave dos direitos humanos. São Tomás de Aquino chega a dizer que a tortura é mais condenável que o homicídio, isso é gravíssimo.

 

No assassinato a pessoa morre e ela não tem nenhuma consciência do que está sofrendo ali, mas na tortura ela é convocada a ter plena consciência da violação cruel que ela está sofrendo. 

 

Irmã Petra – Eu estou há 28 anos na Pastoral Carcerária, 28 anos que eu visito esses infernos e essa militarização está só piorando. Na questão da tortura a gente define em duas partes, essa tortura de espancamento, e a tortura estrutural, essa superlotação, as prisões ilegais, fome, falta de assistência à saúde.

É uma tortura estrutural que o Estado promove, o Estado não está ausente no cárcere, ele está presente, com opressão. 

 

O senhor participou da Pastoral Operária, nós temos dificuldade dentro da igreja, de ter agentes, nós somos a pastoral social mais excluída não só na sociedade mas também dentro da igreja. Como o senhor vê essa igreja em saída que o Papa Francisco fala tanto, qual o papel da igreja segundo o senhor, nesse mundo do cárcere?

 

Frei Betto – Na verdade nós somos discípulos de um prisioneiro, “estive preso e vieste me visitar”, então a igreja deve ter entre as suas prioridades a Pastoral Carcerária. Agora é preciso que a PCr faça uma ação política para se fortalecer. A sugestão que eu dou é criar essa rede de pessoas influentes que tenha condição de criar um cinturão de proteção a essas pessoas presas. 

 

Segundo, é preciso criar uma rede de parlamentares que elabore novas propostas para o sistema penitenciário, e procurar aprová-las nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional. É preciso procurar parlamentares sensíveis a essa causa e que possam criar essa rede de elaboração de projetos de lei, que vão modificando progressivamente o sistema carcerário. 

 

É muito importante a gente tentar influenciar e sensibilizar bispos e pessoas na igreja para esse tema, levar isso cada vez mais à consciência deles, principalmente de bispos que têm esse poder de influir, falar, denunciar, interferir, nomear padres, religiosos e leigos que possam atuar na PCr. Vocês precisam de uma política de fortalecimento da atividade proposta da Pastoral Carcerária.

 

Irmã Petra – Exatamente, nós temos esse objetivo de evangelização, é mais uma pastoral da escuta do que uma pastoral de promoção e louvor, e a promoção da dignidade humana. 

 

Tem um bispo, o Dom Peruzzo, de Curitiba, que em um encontro estadual um mês atrás falou que “a igreja que não se preocupa com seus presos, arranca algumas páginas da Bíblia”, eu acho muito forte essa fala. 

 

Frei Betto – Claro, é verdade, exatamente isso. É muito importante isso.

 

Irmã Petra – O senhor é sobrevivente do sistema. Aos familiares e sobreviventes hoje, que mensagens o senhor gostaria de passar? 

Frei Betto – A mensagem que eu sou a essas pessoas é contarem as suas experiências, eu fiz isso em pelo menos quatro ou cinco livros: O Batismo de Sangue, Cartas da Prisão, Diário de Fernando, O Dia de Ângelo, enfim, são livros dos quais eu narro a minha experiência desses dez cáceres que eu passei, dois em 1964, quando fui preso pela primeira vez e mais oito, de 1969 a 1973, quando fiquei quatro anos preso. 

 

Então é importante essas pessoas contarem suas experiências, propagarem e de alguma maneira se vincularem a uma rede de solidariedade, à Pastoral Carcerária e àqueles que estão trabalhando no cárcere.  

 

Importante também a PCr ter essa abertura inter religiosa, porque outras confissões religiosas trabalham também no sistema penitenciário, é uma maneira de quebrar barreiras. Embora os métodos de evangelização sejam distintos, é importante manter o diálogo com pastores, pessoas de outras confissões religiosas que frequentam os cárceres.

 

E conseguir aliados, aliados como Drauzio Varella, o bem que ele fez ao sistema carcerário com as suas obras e seu trabalho, uma pessoa de prestígio. E quem sabe a gente consiga suscitar outras pessoas ali de dentro que possam vir a público com as suas reflexões, experiências e denúncias, isso é muito importante para fortalecer esse trabalho.

 

José Coutinho Júnior – O senhor falou que uma das soluções que você vê seria ter parlamentares que trouxessem projetos de lei e eu fiquei pensando, com esse Congresso que a gente elegeu nessas eleições, talvez isso seja bem complicado. 

 

Estamos vivendo tempos muito duros politicamente falando. Como você vê o papel da igreja, das pastorais sociais como um todo, os critãos que têm essa visão mais social e que seguem realmente Jesus, nessa conjuntura atual? 

 

Frei Betto – Eu vejo que houve um refluxo na igreja, aquela combatividade, atividade profética que eu conheci na CNBB nos anos 70, 80 e 90 desapareceu e eu sei porque, porque a igreja foi atropelada durante 34 anos por dois pontificados conservadores, o de João Paulo II e o de Bento XVI. 

 

Isso provocou um refluxo das pastorais sociais, das Comunidades Eclesiais de Base, criando até um vazio que favoreceu e favorece ainda hoje a penetração nas áreas populares das igrejas evangélicas fundamentalistas. Como a física ensina, não existe vácuo, é sempre ocupado por outro organismo, e isso foi ocupado progressivamente pelo evangelismo fundamentalista, pelo narcotráfico e pela milícia.

 

Hoje é muito difícil nós das pastorais sociais voltarmos ao trabalho de base, porque nós temos uma igreja católica com vários problemas, o primeiro grande problema é que ela tem uma cabeça progressista, que é o Papa Francisco, mas o corpo é conservador, a maioria dos padres e bispos que a gente encontra hoje são todos formados naqueles 34 anos de pontificados conservadores, portanto eles não querem ir para o mundo dos pobres, não querem voltar à base popular. 

 

Pelo contrário, se gabam por andar de batina, andar de clérgima, querem se aproximar cada vez mais do mundo dos ricos, apoiam o inominável, que espero que seja derrotado fragorosamente no dia 30. Por outro lado, algo que o Papa Francisco tem denunciado com muita insistência é o clericalismo: enquanto a Igreja Católica não sofrer uma reforma estrutural muito drástica, por exemplo permitindo o sacerdócio das mulheres, descentralizando o culto como fazem as igrejas evangélicas, nós vamos continuar perdendo espaço.

 

Porque você vai a missa no domingo, mas a sua faxineira, seu motorista, seu jardineiro, eles vão no culto, não vão na missa. É aquela famosa frase de que a igreja católica fez a opção pelos pobres e os pobres fizeram a opção pelas igrejas evangélicas. 

 

Nós vamos continuar perdendo espaço enquanto não houver uma reforma estrutural, só que isso não é fácil, porque o peso dos conservadores e da tradição foi tão sacralizado que não é fácil provocar essa mudança, mas não resta dúvida que se não fizermos vamos virar cada vez mais um seguimento cristão minoritário no Brasil. Já passamos de 90% da população nominalmente católica para 70%, e isso vai continuar caindo à medida que os evangélicos vão continuar subindo.

 

Irmã Petra – O que o senhor conta que acontece aqui fora, que eu concordo plenamente, acontece dentro do cárcere também. Está cheio de igrejas evangélicas protestantes, mas com outro intuito, até igrejas de facções. 

 

O que eu falo é para não perder a esperança, porque a Pastoral Carcerária parece que é, das igrejas que visam o cárcere, a única que denuncia, que incomoda, e com isso vêm as consequências, a perseguição é enorme, eu mesma já fui ameaçada de morte por denunciar bastante.

 

Nós temos esses dois lados da igreja, tentamos ser a igreja profética, mas não vamos nos calar, vamos continuar mesmo sendo poucos e as palavras do senhor nos consolam e nos animam. 

 

Continue falando da sua experiência, Frei Betto, isso é muito importante, inclusive te conhecendo agora pessoalmente, agradeço muito pela conversa, é muito importante passar essa voz profética para os nossos agentes da PCr.

 

Frei Betto – Quanto aos meus livros, principalmente os três que eu descrevo mais em detalhes a minha experiência no sistema carcerário, que são Batismo de Sangue, Diário de Fernando – Nos Cárceres da Ditadura Militar Brasileira e Cartas da Prisão, esses livros podem ser encontrados no meu site.

O pessoal da Pastoral Carcerária pode ter esse depoimento sobre esse mundo, principalmente os que estão iniciando. E contem sempre com a minha solidariedade porque eu acho muito importante esse trabalho que vocês estão desempenhando. 

 

Irmã Petra – Eu confesso que comecei a ler o Cartas da Prisão, mas tive que parar. Senti tanto a realidade da prisão que não dei conta, é muito doloroso. Porque esse sistema perverso ainda existe, mas muito obrigada.

 

Frei Betto – Obrigado vocês também, um grande abraço e que Deus nos encoraje. E vamos guardar o pessimismo para dias melhores!

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