Entidades denunciam restrições à assistência religiosa em audiência pública

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Por José Coutinho Júnior

Ocorreu nesta quinta-feira (23) no auditório da Defensoria Pública de SP uma audiência pública organizada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) sobre diretrizes nacionais para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais.

Diversas organizações sociais e representantes religiosos, incluindo a Pastoral Carcerária e seus agentes, participaram presencialmente e online, acompanhando a discussão e contribuindo com suas experiências pessoais visitando o cárcere.

As audiências que serão realizadas tem como objetivo atualizar a resolução nº8, de novembro de 2011, que trata das diretrizes para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais.

Essas audiências são resultados de uma reunião que a Pastoral Carcerária Nacional teve com o Ministro da Justiça, Flávio Dino, onde a Irmã Petra Pfaller, coordenadora nacional da PCr, denunciou as diversas restrições que os agentes pastorais e representantes de outras igrejas sofrem nas visitas religiosas pelo Brasil. Uma segunda audiência será realizada no dia 13 de dezembro, em Brasília.  Nessa matéria, você confere algumas das muitas falas e contribuições dadas ao Conselho durante a audiência.

A audiência teve início com fala da deputada Estadual e membra da Comissão de Segurança Pública do Estado de SP, Ediane Maria (PSOL). Ela relatou o sofrimento das famílias de pessoas presas, especialmente as mulheres, citando uma audiência pública realizada pelo seu mandado na Alesp com essas pessoas. Relatos de violência, como a revista vexatória, sofrida em toda visita pelas mulheres, com o scanner sendo mais um instrumento de violência. 

“É fundamental que essas mulheres, essas famílias, ocupem esses espaços públicos, e elas precisam de afeto, de ajuda. Também sou uma mulher preta e nordestina, vi ações policiais na minha rua. Nossa saúde mental todo dia é violentada e sequestrada. Essas mulheres com muito sofrimento conseguem ir ao presídio fazer visita, e muitas vezes são barradas, estamos fazendo essa negociação na Alesp para mudar essa situação. 

Que a gente possa viver de fato numa sociedade justa, e possa dar qualidade de vida pra todos. O papel do legislativo não é estar só na assembleia, é estar na rua, nas comunidades, ouvindo as demandas dessas pessoas. Assim a gente aproxima a política das pessoas”. O Padre João Rípoli da PCr de Ribeirão Preto, falou sobre a limitação do espaço nas visitas pastorais recentemente. 

“Hoje o que eu vejo, todos nós passamos pelo scanner, visito cinco vezes por semana e sempre passo por ele.  Depois da rebelião em Lucélia, o sistema de SP se fechou. Não temos mais o espaço que tínhamos, de estar no pátio com os presos, e esse contato é muito proveitoso. 

A Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto é muito fechada, e gostaríamos pelo menos de visitar as presas de cela em cela. 

Nosso tempo também não era medido como é hoje. Visito o CDP de Ribeirão, a Masculina de Ribeirão, o Serra Azul 1 e 2, e a visita é só na gaiola. A liberdade religiosa não é negada para nós, mas precisamos abrir o espaço, e que a Penitenciária feminina mudasse”.

 

Anderson Silva, agente pastoral da PCr de SP, reforçou as restrições que ocorrem em relação ao espaço, e como os agentes não conseguem visitar locais específicos:

“A situação para assistência religiosa só piora, como a situação do cárcere. A gente tem a pena de fome hoje, os presos passam fome. A nossa visita é na gaiola, impedindo todo contato com os presos, e é supervisionada pelos guardas, diferente do que a resolução 8 prevê hoje, dando liberdade às igrejas.  Levamos um bispo para realizar a missa uma vez e fomos barrados. A celebração é feita na gaiola, segurando uma caixa para fazer a consagração. 

Temos a restrição da entrada do vinho para celebrar. Todo mundo é filho de Deus igual, se não fazemos celebração com suco de uva aqui fora, não temos que fazer na prisão. Enfermaria, reclusão, castigo, não conseguimos entrar nesses lugares porque não conseguimos entrar no raio e atingir esses presos. Dizem que a restrição é muito por nossa segurança. Mas nós da igreja nunca passamos por nenhuma insegurança. O espaço do raio é muito pequeno, e quando chegamos tem que parar o futebol dos presos, que é um momento de lazer para os presos que não querem participar da assistência religiosa. 

Também há restrição da entrada de materiais, como terço. Dizem que os presos vão abrir algema com o terço ou se enforcar. Não pode entrar com caneta e papel. As suspensões de visita sem aviso, o tempo de visita não respeitado e ser barrados também acontece muito”.

Leandro Lanzellotti, membro da OAB e representante do terreiro Corrente de Pai Ogum e Tranca Rua das Almas, falou sobre a situação que as religiões de matrizes africanas enfrentam: 

“As casas de axé, que funcionam há muito tempo, como podemos trazer elas pro sistema prisional? Temos um diálogo proveitoso com a SAP, e coloquei essa reflexão para eles. 

E também penso que poderíamos, por meio da resolução 8, fazer recomendações às secretarias estaduais, para que elas façam chamamentos às igrejas e religiões, porque percebemos que os presídios e secretarias ficam numa posição pacífica, as comunidades e religiões que têm que se convidar a entrar”.

Em sua fala, a Irmã Petra trouxe dados de uma pesquisa sobre restrições ao atendimento religioso, com respostas de 460 agentes da PCr de todo Brasil, que está sendo finalizada. 

“47,6% dos nossos agentes disseram ter passado por suspensão injustificada e sem aviso prévio da visita religiosa. 67% disseram restrições no local onde visitam, e, dessas respostas, 95,9% disseram que a visita é no pátio. 47% disseram que não têm acesso ao castigo, áreas de saúde etc.

“Antes da pandemia, fizemos outra pesquisa e 42% dos agentes já falavam da dificuldade de entrar. A pandemia fechou muito o cárcere. 26% dos nossos agentes falaram que os policiais escolhem quem vai receber a assistência religiosa, usando a assistência como castigo”.

Érica Silva, agente da PCr de SP, frisou a importância de que a resolução estabeleça parâmetros claros do que pode e não pode entrar nos presídios.

“O grande problema que enfrentamos é a arbitrariedade dos agentes penitenciários. Um dia posso entrar com algo, no outro não posso. Então precisamos de parâmetros, parâmetros também sobre a suspensão do credenciamento: temos alguém da Pastoral há mais de 20 anos que hoje não pode entrar.

A assistência religiosa abrange direitos humanos e a vida, então quando somos impedidos de entrar, estamos sendo impedidos de verificar as condições humanitárias dos presos, porque na nossa interpretação bíblica, é o que Jesus fazia. Já fui vítima de violência por parte dos agentes, e acho que precisamos de um canal de denúncias para isso, com caráter nacional. 

Essa resolução tem que ser mais específica, para evitar esse tipo de arbitrariedade por parte dos agentes, nosso trabalho é um benefício aos presos, que, mesmo quando sofrem falta, não podem deixar de receber a assistência religiosa. A assistência religiosa não está sendo integral”.

O representante do Narcóticos Anônimos, Fábio, pontuou que a impossibilidade de levar materiais de trabalho dificulta muito a missão da entidade.

“A grande maioria da população carcerária hoje não é composta por criminosos de fato. São pessoas que fizeram uso de drogas e pararam na unidade prisional, pelo uso ou para alimentar o vício.

No nosso caso temos dificuldade de entrar, e fazemos um atendimento mensal pela pouca quantidade de membros. Gostaríamos de entrar com um material, para que eles possam se sustentar até nosso próximo retorno, e não conseguirmos fazer isso, e sem isso nesse período de um mês o nosso trabalho acaba não tendo o efeito que poderia ter”.

 

Marcos Fernando, membro do Conselho Penitenciário de SP, disse que o Conselho pode ser um instrumento importante de comunicação entre a sociedade civil e as unidades prisionais, que vem sendo pouco utilizado atualmente:

“É realmente importante um canal de comunicação para que representantes da sociedade civil, entidades religiosas possam ter voz para falar das restrições sofridas. O Conselho Penitenciário é um canal de comunicação entre a sociedade civil e a secretaria. Temos contato direto com as coordenadorias regionais, e atualmente é um canal pouco utilizado. 

Ele também falou sobre a importância de outras religiões, em especial as de matrizes africanas, poderem acessar os presídios sem qualquer tipo de restrição.

“A maior parte da população é preta e parda, e as religiões de matrizes africanas devem ter equidade. Indígenas, ciganos, a população LGBTQIA+ devem ser acolhidos nas unidades.

O acesso às religiões minoritárias, que possam entrar com seus instrumentos de ritual também, deve acontecer. A gente não pode ser vilipendiado se queremos prestar um serviço para a sociedade”.

Por fim, Mayra Balan, assessora Jurídica da PCr Nacional refletiu sobre o porquê das restrições e da importância de um canal de denúncias e inspeções que averiguem o não cumprimento do direito à assistência religiosa por parte das unidades:

“A gente sofre restrições às visitas religiosas por denunciar o que acontece lá dentro. Sabemos que o cárcere está se fechando, e ter instituições que visitam causa um problema, porque eles sabem que há violações, e nós também sabemos. Então não há interesse das unidades de que visitemos.

A Pastoral Carcerária já foi restrita em vários estados logo após denunciarmos torturas nas prisões, e quem sofre com isso são os agentes pastorais e os presos. A resolução n°8 é muito completa, apesar de precisar de atualizações, mas também é necessário que haja fiscalização constante desta resolução, como inspeções periódicas, e que haja uma responsabilização caso ela não seja cumprida.

No momento nos sentimos desamparados quando denunciamos violações à assistência religiosa, e muito disso é porque não há um canal que respalde nossas denúncias”.

Ao final da audiência, os membros do CNPCP agradeceram às contribuições de todos. Até a data da próxima audiência, 13 de dezembro, o Conselho irá aceitar contribuições escritas para aprofundar o debate e as reflexões sobre a assistência religiosa nas prisões.

Volatr ao topo