A Pastoral Carcerária Nacional, diante da aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal de projeto de lei que trata do suposto ressarcimento do preso ao Estado pelos custos da sua prisão, divulga nota pública repudiando a possível aprovação da lei.
Além de pouco debatido na sociedade, o PLS 580/2015 só teria como efeito aumentar a exclusão material e simbólica de presos e presas, acrescentando ainda mais dificuldades para essa população reconstruir seus vínculos sociais. Além disso, ignora-se o fato de que já é imposto aos presos e presas uma pena de multa, cujo valor é revertido para o Fundo Penitenciário Nacional (art. 2º, inciso V, da Lei Complementar n.º 79/1994) ou fundos estaduais similares. Sendo assim, a aprovação do PLS configuraria verdadeira duplicação de pena.
A Pastoral classifica o projeto como “descontextualizado da realidade prisional”, pois “o referido Projeto de Lei não aborda questões básicas, como o cálculo do ‘custo do preso’, tema até hoje absolutamente controvertido e sem parâmetro oficial, nem quais são os critérios de hipossuficiência que poderão isentar presos e presas do pagamento”. Outra questão abordada pela nota é se os presos pagarão pela má gestão dos recursos públicos e pela morosidade do sistema de Justiça.
A nota conclui afirmando que uma mudança real no sistema prisional só poderá ocorrer ao se enfrentar a atual política de encarceramento em massa, como proposto na Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
Leia a nota completa abaixo:
Nota da Pastoral Carcerária Nacional sobre o PLS N.º 580/2015
Diante da aprovação do PLS 580/2015 pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, que trata do suposto ressarcimento do preso ao Estado pelos custos da sua prisão, a Pastoral Carcerária Nacional, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil responsável por organizar a prestação da assistência religiosa e humanitária no sistema prisional brasileiro, vêm, por meio desta nota, manifestar seu repúdio e preocupação com tal medida, bem como fazer os seguintes apontamentos:
1. O referido Projeto de Lei, além de pouco debatido e refletido pelo conjunto da sociedade, caso seja promulgado, terá como único resultado aumentar a exclusão material e simbólica de presos e presas, acrescentando ainda mais dificuldades para essa população reconstruir seus vínculos sociais;
2. A imensa maioria dos presos e presas são jovens, negros e de baixa renda, alvos preferenciais do sistema penal, e apenas 15% estão envolvidos em alguma atividade laboral na prisão, segundo dados do Ministério da Justiça, e destes que trabalham, apenas uma fração é remunerada. Tal situação ocorre não por uma suposta indisposição da população prisional para o trabalho, que em realidade disputa avidamente as poucas vagas existentes, mas pela completa ausência de postos de trabalho oferecidos pelo Estado;
3. Outro fato, aparentemente ignorado pela proposta legislativa, é que, atualmente, já é imposto aos presos e presas uma pena de multa, cujo valor é revertido para o Fundo Penitenciário Nacional (art. 2º, inciso V, da Lei Complementar n.º 79/1994) ou fundos estaduais similares, configurando verdadeira duplicação de pena (bis in idem);
4. Além de completamente descontextualizado da realidade prisional, o referido Projeto de Lei não aborda questões básicas, como o cálculo do “custo do preso”, tema até hoje absolutamente controvertido e sem parâmetro oficial, nem quais são os critérios de hipossuficiência que poderão isentar presos e presas do pagamento;
5. Cabe aos legisladores esclarecerem se presos e presas também pagarão pela má gestão dos recursos públicos, e até pelo seu desvio , e se pagarão igualmente pela morosidade do sistema de Justiça, que ao atrasar a conclusão dos processos e o reconhecimento de direitos básicos durante a execução da pena, como a progressão de regime, livramento condicional e indulto, aumenta consideravelmente o tempo de privação de liberdade e, consequentemente, seu custo.
Por fim, reiteramos que a profunda degradação do sistema prisional brasileiro, fator gerador de violência e aumento da sensação de insegurança, que já colocou o Brasil na 3ª colocação entre os maiores encarceradores do mundo, só poderá ser revertida mediante uma mudança radical na atual política de aprisionamento em massa, conforme proposto na Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
São Paulo, 12 de junho de 2018
Pastoral Carcerária Nacional