Dom Sergio Castriani: tortura, nunca mais

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Pessoas normais não torturam seus semelhantes. Ou não deveriam. Torturar é abusar fisicamente de alguém, mas existe também a tortura psicológica, muito mais sutil e difícil de ser combatida. Uma sociedade que se quer humana e desenvolvida deve combater a tortura nas suas múltiplas formas.

Primeiro porque cada um é dono do seu corpo. Se houve tempos e lugares onde o marido era senhor do corpo da mulher, os patrões eram os donos de seus empregados e até a Igreja julgava legítimo torturar para obter o arrependimento e a volta à ortodoxia, hoje a humanidade tem consciência de que o corpo de cada um é inviolável. Mesmo os exageros, como a pornografia, devem ser aceitos sob o risco de negarmos este direito fundamental da pessoa humana. Mas ainda há mentes deformadas que se julgam senhores dos corpos dos outros.

Ontem recebi a seguinte mensagem: “Boa noite! Desculpe incomodar. Estamos com notícias de risco sério de novos mortos nas cadeias. Pessoas que saem da cadeia nestes dias com alvará de soltura contam que a repressão está sendo cruel. Chegam a por mais de sessenta pessoas na mesma cela. Não dá para saber por quanto tempo, mas quem passou por isto conta que dormiram em pé. Então, dá para entender que foi ao menos por uma noite.

Não foi medida provisória enquanto tiravam internos de um setor para pô-los num outro. A comida é racionada: o que não for consumido num período de alguns minutos é recolhido e jogado fora. Não pode ser guardado. São distribuídas duas refeições às quatro horas e às dezesseis horas, a comida é de péssima qualidade com a presença de insetos e de areia. A água é racionada, distribuída só por alguns minutos por dia, em quantidade insuficiente para beber, lavar roupa, tomar banho. Contam ter tomado água do vaso sanitário. Tem presença expressiva de doentes com tuberculose, entre outras doenças, misturados com os demais”. E daí por diante continua o terror.

Alguns dirão que isto não é tortura. Mas o que quer o torturador senão humilhar a sua vítima ao extremo para conseguir a sua submissão. Infelizmente o que acontece nas prisões é um reflexo da mentalidade de um tempo onde quem não vence é excluído dos direitos. Para a sociedade alguns merecem ser torturados. Certa vez durante uma viagem, o enfermeiro, homem jovem e pacato, numa conversa de fim de dia disse com a maior calma, mas com convicção que mulher tinha que apanhar de vez em quando para saber o seu lugar. Disse a ele que não comungasse no outro dia, porque se encontrava em situação de pecado mortal.

Para a revelação cristã, o outro é carne de minha carne e osso dos meus ossos. Tudo que faço ao outro faço a mim mesmo. O torturador é uma pessoa que se autodestrói e com ele leva junto muita gente. O ódio que se instaura entre o algoz e a vítima dificilmente será superado. A superação da tortura exige uma ação conjunta, de maneira especial das instituições estatais que lidam com os direitos, mas se não houver uma mudança de mentalidade ela continuará mascarada, escondida fazendo vítimas anônimas. Não nos esqueçamos que aquele cuja vida separa a história num antes e um depois foi barbaramente torturado pelos romanos.

Artigo de Dom Sergio Castriani, Arcebispo Metropolitano de Manaus

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