Por iniciativa do Grupo de Trabalho Saúde Mental e Liberdade, coordenado pela Pastoral Carcerária, aconteceu em 27 de abril, na Câmara Municipal de São Paulo, o evento “Medidas Desmedidas: a Saúde Mental no Sistema de Justiça e os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico”.
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A proposta com a atividade foi partilhar um pouco da experiência das visitas realizadas pelo GT Saúde Mental e Liberdade nos últimos dois anos e promover a discussão sobre os pacientes em medida de segurança no Estado de São Paulo. A esse grupo integram também o Centro de Atendimento Multidisciplinar da Regional Criminal da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – CAMCrim, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC e a Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
O GT Saúde Mental e Liberdade teve início em abril de 2014, com intuito de visitar as unidades onde se encontram os indivíduos que cumprem medida de segurança – pessoas diagnosticadas com transtorno mental ao longo do processo penal, que por serem inimputáveis são absolvidas em relação ao crime, mas são encaminhadas para os hospitais de custódia do sistema penitenciário para cumprir tratamento de saúde compulsório. O GT realizou visitas regulares nos três Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) do Estado de São Paulo – As Unidades I e II de Franco da Rocha e o HCTP de Taubaté, além de acompanhar processos judiciais e participar de reuniões periódicas com diversos atores públicos que trabalham com essa população específica.
O evento contou com uma apresentação inicial do Padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, que compôs a mesa com mais quatro expositores: o pesquisador Fábio Mallart, que integra o GT Saúde Mental e Liberdade; o Defensor Público Bruno Shimizu, do Núcleo especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo; a professora Maria Cristina Vicentin, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da PUC-SP; e a Psicóloga da Defensora Pública de Sorocaba, Carolina Gomes Duarte, integrante também do Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba (FLAMAS).
Fabio Mallart apresentou um panorama geral do trabalho do GT de Saúde Mental e alguns dados e reflexões geradas a partir das visitas realizadas ao longo de dois anos nos hospitais de custódia. Também problematizou a questão do uso excessivo de substâncias psicotrópicas, em detrimento de outros tipos de terapias no hospital, sendo que tal prática se estende para a população dos presídios comuns, mostrando como a medicalização é comumente utilizada como instrumento de contenção em locais de privação de liberdade. Enfatizou, ainda, como o próprio sistema prisional funciona como produtor da “loucura” quando as pessoas encarceradas se encontram em condições degradantes, a exemplo das unidades superlotadas do Estado.
Outro ponto de destaque na fala de Mallart foi a mudança no perfil dos pacientes dos hospitais de custódia, que contam cada vez mais com a internação de usuários de drogas, refletindo como os operadores do direito tem tratado a questão do uso de drogas, e os efeitos que isso tem nas trajetórias dessas pessoas e nas dinâmicas dos hospitais.
Bruno Shimizu analisou a questão da periculosidade, que consiste historicamente na imposição de um conceito criado nas ciências jurídicas à psiquiatria e a psicologia. Nãos há estudos na medicina ou psicologia que demonstrem empiricamente que certas pessoas têm maior tendência a cometer crimes, em que pese a ideia de periculosidade esteja veiculada a essa suposta tendência. Mesmo assim esse conceito continua sendo determinante na vida dos pacientes do Hospital de Custódia.
Shimizu também criticou o fato de o critério de escolha entre medida de segurança e tratamento ambulatorial feito pelo juiz aos inimputáveis não ser de natureza médica, mas sim jurídica: será decidido entre uma e outra conforme o crime praticado (crimes apenados com reclusão, medida de segurança, apenados com detenção, tratamento ambulatorial), e não a partir de uma análise médica do que cada uma dessas medidas vai acarretar para o sujeito específico. Por isso, segundo Shimizu, essas constatações apenas provam que medida de segurança consiste em uma escolha política por segregar àqueles indesejados pela sociedade, ao em vez de ser um tratamento de fato para os doentes mentais.
Já na fala da professora Maria Cristina Vicentin, a atenção deixou os HCTPs e se voltou para os jovens que cometeram atos infracionais, contexto no qual se reproduz a lógica muito parecida com a que se passa com os sujeitos que cumprem medida de segurança. Vicentin mostrou como o uso do poder psiquiátrico para a gestão de conflitos sociais se expande para os adolescentes que cumprem pena em unidades da Fundação Casa. A pesquisadora explicou como ao longo do século XXI amplia-se a internação de crianças e adolescentes infratores em hospitais psiquiátricos por determinação judicial, além de se estender o uso dessa medida para jovens dependentes químicos. Por fim, a pesquisadora ressaltou que a ideia de proteção e direito à saúde na prática tem sido utilizada também como pretexto para controlar e segregar sujeitos tidos como desviantes.
Carolina Gomes Duarte, por sua vez, discorreu sobre sua militância no FLAMAS, grupo com perspectiva antimanicomial, que sempre denunciou as negligências e casos de morte em manicômios. Na exposição, comentou sobre diversas iniciativas bem-sucedidos do FLAMAS, em especial nos casos de luta para o fechamento de hospitais psiquiátricos e a importância na realização de eventos de conscientização sobre a situação dos manicômios e nos HCTPs.
As falas dos quatro debatedores, trazendo uma multiplicidade de recortes do tema, convergiram na conclusão da urgência da ampliação de alternativas ao tratamento psiquiátrico, ação que deve fazer parte de uma luta ampla contra a psiquiatrização do sujeito tido como indesejado, bem como a necessidade da busca por alternativas aos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico com base na Lei 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica).
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