Excelentíssimo senhor presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva,
A Pastoral Carcerária Nacional, organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) incumbido de organizar e prestar assistência religiosa e humanitária nas unidades prisionais do país, congratula o senhor pela sua eleição para ocupar o cargo de presidente do Brasil em 2023.
Em seu discurso de vitória, o senhor disse que vai governar para todo o povo brasileiro. Pedimos que seu governo não deixe de lado os mais de 900 mil homens e mulheres presos – atualmente somos a terceira maior população prisional do mundo – que sofrem na pele, cotidianamente, uma série de torturas e violações de direitos humanos.
O sistema carcerário não está em crise; ele cumpre perfeitamente o seu objetivo de massacrar quem está atrás das grades. As prisões ceifam a vida e a dignidade da população encarcerada, em sua maioria preta, pobre, jovem e periférica.
As/os agentes da Pastoral Carcerária que visitam as prisões por todo país, assim como familiares de pessoas presas, relatam as condições torturantes dos presídios: superlotação, falta de saneamento básico, higiene e alimentação precárias, atendimento de saúde ruim ou inexistente, além das agressões físicas e maus tratos.
Vemos com preocupação o fato de que, quando a questão da segurança pública surge, a lógica adotada pelo senhor continua sendo a do punitivismo. Em debate na Band durante o segundo turno das eleições, o senhor se vangloriou de ter construído quatro presídios federais de segurança máxima.
Da mesma forma, o senhor assinou a Lei de Drogas em 2006, responsável por um aumento exponencial da população prisional, efetivamente criminalizando o que deveria ser tratado como uma questão de saúde.
A Pastoral Carcerária Nacional não acredita que mais prisões e medidas que aumentam o punitivismo irão resolver a questão da segurança pública; pelo contrário, quanto mais presídios se constroem, mais a violência se expande. A privatização das prisões também não humaniza ou soluciona os problemas do cárcere, pois essa mercantilização das vidas encarceradas só abre espaço para mais torturas e massacres. Não se pode esquecer que o mesmo ocorre no sistema socioeducativo, no qual a população jovem e periférica é constantemente torturada.
Quanto mais se militarizam as prisões e as polícias penais, mais evidente se torna o real propósito do cárcere: não serve para ressocializar, mas sim para satisfazer um desejo coletivo de vingança e para manter o modo de produção racista e misógino em pleno funcionamento, pois as vidas que lá estão são tidas como descartáveis.
O que resolve essa situação é o desencarceramento, aliado à políticas públicas e formas de resolução de conflitos que busquem de fato a construção de laços sociais do indivíduo à sociedade.
A Pastoral, em conjunto com diversas outras organizações, apresentou em novembro de 2013, durante audiência pública com o Governo Federal – então chefiado pela presidenta Dilma Rousseff – a Agenda Nacional pelo Desencarceramento. Este documento contém 10 pontos com propostas concretas que visam o fim do cárcere, e por consequência, a diminuição da violência.
De lá para cá, percebemos o avanço da barbárie em período de suposta normalidade democrática, como também a institucionalização do punitivismo em período de possível ruptura democrática. Por isso, sabendo que o senhor preza pela democracia e pelo direito de existir de todos e todas, nos dirigimos ao senhor. Sobretudo para que o Governo Federal não assista, mais uma vez, a manutenção da sanha punitiva.
Neste momento de transição de governo, acreditamos que seja fundamental que a equipe do senhor escute movimentos abolicionistas, familiares de pessoas encarceradas e sobreviventes do sistema, e que seja feito um esforço concreto de alterar a política de segurança pública brasileira.
Como alguém que passou pelo cárcere, o senhor deve entender que essa é uma experiência que marca negativamente a vida de qualquer um.
O que estamos dizendo pode parecer utópico, mas acreditamos que utópico é defender que as prisões funcionam para manter a população segura. Acreditamos, assim como o senhor reforçou no seu discurso de vitória, que há um caminho baseado no amor para tratar a questão da segurança pública.
Somos seguidores de Jesus, que foi encarcerado, e, enquanto mais de 900 mil pessoas continuam presas e têm seus direitos básicos desrespeitados, o Brasil não pode ser chamado de uma nação guiada pelo amor e princípios democráticos.
Nos colocamos à disposição para dialogar, e estimamos o melhor ao senhor, sua equipe e ao país.
Pastoral Carcerária Nacional,
10/11/2022