No dia 02 de outubro de 2019 completam-se 27 anos do massacre do Carandiru. Após uma rebelião e a rendição dos presos, a tropa de choque da PM adentrou a Casa de Detenção, sob ordens do então Governador Fleury, e assassinou ao menos 111 pessoas. Essa foi a maior chacina dentro de uma unidade prisional no país, no entanto, tal tragédia, infelizmente, está longe de ser uma catástrofe fora da curva do cotidiano carcerário, mas integra a composição do absurdo que é o funcionamento mortífero das prisões brasileiras.
Em 2017, nos primeiros 10 dias do ano, morreram 10 pessoas nas prisões fluminenses. No primeiro mês do mesmo ano foram ceifadas mais de uma centena de vidas nas prisões de Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte.
Em 2019, no mês de maio, em um domingo 15 presos foram mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no entanto, a contagem de corpos não cessou. Depois de alguns dias ao menos 55 pessoas foram encontradas sem vida no Compaj e em outras três unidades prisionais privatizadas do Amazonas: IPAT, CPDM 1 e UPP.
Mesmo com grande volume de verbas (um preso em uma unidade privada chega a custar mais que o dobro de um preso em unidade comum), as unidades privatizadas de Manaus se encontram em situação degradante. Segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a tortura, nestas unidades é parte do cotidiano o racionamento de água, ausência de oferta de trabalho, insuficiência de colchões, falta de medicação, falta de horário e espaço adequados para a realização de visitas íntimas e religiosas com a privacidade e tempo necessários.
Ademais, o massacre durou dias e nada fez o Estado para impedir. Familiares relatam que na segunda-feira que imploraram para os Agentes de Segurança entrarem no presídio para inibirem mais mortes, mas recebeu a resposta “deixem eles se matarem”.
Seguindo a mesma lógica perversa, em julho o sistema carcerário produziu mais 62 corpos em Altamira, no Pará. 58 pessoas foram mortas no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará. E depois durante a transferências para Marabá, mais 4 presos foram assassinados.
Ambos os massacres, tanto no Amazonas, quanto no Pará, foram justificados pelo argumento-mantra da guerra de facções. Essa narrativa é muito sedutora, no entanto, retira a responsabilidade do Estado pela barbárie diária do sistema penal, cujo principal objetivo é a produção dor, sofrimento e por fim mortes. A chance de morrer dentro de um presídio é seis vezes maior do que morrer fora das cadeias. Portanto, é repugnante a tentativa de representantes do Estado apresentarem os massacres enquanto fatos isolados, de um suposto momento de crise do sistema carcerário atual.
Além disso, essa narrativa olha para o sistema carcerário como algo isolado. Em Altamira, por exemplo, não se pode ignorar os impactos da construção da usina de Belo Monte. Altamira, antes da construção da usina hidrelétrica, era uma cidade com baixos índices de violência. A chegada das empreiteiras na cidade, no entanto, somado ao aumento vertiginoso da população por conta da obra, mudou a cidade por completo. No ano 2000, a cidade registrava apenas oito homicídios e média de 9,1 mortes por 100 mil habitantes. Em 2015, e após a construção da usina, Altamira era cidade mais violenta de todo o Brasil.
Mais ainda, não assumem o óbvio: os maus tratos, as torturas, as “mortes naturais”, as chacinas e os massacres são responsabilidade da política de encarceramento em massa assumida e colocada em ação pelo sistema penal, confirmada e incentivada pelo conjunto do judiciário e dos poderes Legislativo e Executivo.
Ainda reforçada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que declarou que concederia indulto para os policiais que participaram do Massacre do Carandiru. Tal atitude, extremamente cruel, incentiva a política de mortes, pois o Judiciário Paulista ainda não provocou nenhum desfecho definitivo ao caso.
Cada prisão brasileira funciona como uma “fantástica fábrica de cadáveres”, como apontado pelo rapper Eduardo, sendo que os corpos mortos são sempre dos pobres e dos não brancos. A produção industrial de mortes é catalisada, como já foi dito, pela política do encarceramento em massa: de 1992 para 2019 a população carcerária saltou de 100 mil para 820 mil pessoas presas.
A explosão demográfica prisional foi acompanhada pela negligência dos direitos dos encarcerados, que vivem com uma assistência jurídica precária, comendo comida de péssima qualidade ou em quantidade insuficiente, com falta de água e insalubridade, sem assistência médica e psicológica dignas e dormindo em celas hiperlotadas, muitas delas infestadas ratos e baratas.
Se, lamentavelmente, o Carandiru é cotidianamente atualizado nos corpos das pessoas presas e suas famílias, a luta pela superação do encarceramento tem mobilizado familiares de pessoas presas, mulheres e homens que já foram encarcerados, coletivos e movimentos populares e pastorais sociais. Essa luta tem se materializado, desde 2016, nas Frentes Estaduais pelo Desencarceramento, tendo com referencial a Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
A Pastoral Carcerária comunga e faz parte dessa luta, já que a Conferência Episcopal de Puebla orienta a sua missão evangelizadora: “As profundas diferenças sociais, a extrema pobreza e a violação dos direitos humanos (…) são desafios lançados à evangelização”. Fecundar a vida, a liberdade e, enfim, a esperança, é fortalecer a luta contra o encarceramento e somar na necessária construção do “mundo sem cárceres”.
Lembramos novamente o nome de todos os mortos na chacina, na esperança e luta de que massacres dessa ordem no sistema carcerário parem de acontecer:
1) Adalberto Oliveira dos Santos, 34 anos
2) Adão Luiz Ferreira de Aquino, 23 anos
3) Adelson Pereira de Araújo, 30 anos
4) Agnaldo Moreira, 27 anos
5) Aílton Júlio de Oliveira, 24 anos
6) Alex Rogério de Araújo, 22 anos
7) Alexander Nunes Machado da Silva, 20 anos
8) Almir Jean Soares, 22 anos
9) Antonio Alves dos Santos, 38 anos
10) Antonio da Silva Souza, 24 anos
11) Antonio Luiz Pereira, 27 anos
12) Antonio Márcio dos Santos Fraga, 19 anos
13) Antonio Quirino da Silva, 29 anos
14) Carlos Almirante Borges da Silva, 29 anos
15) Carlos Antonio Silvano Santos, 22 anos
16) Carlos César de Souza, 28 anos
17) Claudemir Marques, 23 anos
18) Cláudio do Nascimento da Silva, 35 anos
19) Cláudio José de Carvalho, 20 anos
20) Cosmo Alberto dos Santos, 27 anos
21) Daniel Roque Pires, 26 anos
22) Dimas Geraldo dos Santos, 27 anos
23) Douglas Alva Edson de Brito, 31 anos
24) Edílson Alves da Silva*
25) Edivaldo Joaquim de Almeida, 27 anos
26) Edson Luiz de Carvalho, 25 anos
27) Elias Oliveira Costa, 19 anos
28) Elias Palmigiano, 22 anos
29) Ermeson Marcelo de Pontes, 21 anos
30) Erisvaldo Silva Ribeiro, 24 anos
31) Francisco Antonio dos Santos, 27 anos
32) Francisco Ferreira dos Santos, 32 anos
33) Francisco Rodrigues Filho, 25 anos
34) Gabriel Cardoso Clemente*
35) Geraldo Martins Pereira, 28 anos
36) Geraldo Messias da Silva, 29 anos
37) Grinário Valério de Albuquerque, 24 anos
38) Jarbas da Silveira Rosa, 21 anos
39) Jesuíno Campos, 27 anos
40) João dos Santos, 30 anos
41) João Carlos Rodrigues Vasques, 25 anos
42) João Gonçalves da Silva, 21 anos
43) Jodílson Ferreira dos Santos, 33 anos
44) Jorge Sakai, 25 anos
45) Josanias Ferreira Lima, 25 anos
46) José Alberto Gomes Pessoa, 22 anos
47) José Bento da Silva Neto, 32 anos
48) José Carlos Clementino da Silva, 22 anos
49) José Carlos da Silva, 27 anos
50) José Carlos Inajosa, 34 anos
51) José Cícero Angelo dos Santos, 20 anos
52) José Cícero da Silva, 29 anos
53) José Domingues Duarte, 29 anos
54) José Elias Miranda da Silva, 23 anos
55) José Jaime Costa da Silva, 25 anos
56) José Jorge Vicente, 31 anos
57) José Marcolino Monteiro, 25 anos
58) José Martins Vieira Rodrigues, 34 anos
59) José Ocelio Alves Rodrigues, 20 anos
60) José Pereira da Silva, 45 anos
61) José Ronaldo Vilela da Silva, 23 anos
62) Jovemar Paulo Alves Ribeiro, 27 anos
63) Juarez dos Santos, 24 anos
64) Lucas de Almeida, 25 anos
65) Luiz Carlos Lins, 26 anos
66) Luiz César Leite, 29 anos
67) Luiz Enrique Martin, 26 anos
68) Luiz Granja da Silva Neto, 34 anos
69) Mamede da Silva, 24 anos
70) Marcelo Couto, 19 anos
71) Marcelo Ramos, 22 anos
72) Marcos Antonio Avelino Ramos, 28 anos
73) Marcos Rodrigues Melo, 21 anos
74) Marcos Sérgio Lino de Souza, 20 anos
75) Mário Felipe dos Santos, 24 anos
76) Mário Gonçalves da Silva, 32 anos
77) Maurício Calió, 28 anos
78) Mauro Batista Silva, 29 anos
79) Nivaldo Aparecido Marques de Souza, 24 anos
80) Nivaldo Barreto Pinto, 23 anos
81) Nivaldo de Jesus Santos, 29 anos
82) Ocenir Paulo de Lima, 29 anos
83) Olívio Antonio Luiz Filho, 23 anos
84) Osvaldo Moreira Flores, 37 anos
85) Paulo Antonio Ramos, 28 anos
86) Paulo César Moreira, 21 anos
87) Paulo Reis Antunes, 27 anos
88) Paulo Roberto da Luz, 27 anos
89) Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, 31 anos
90) Paulo Rogério Luiz de Oliveira, 25 anos
91) Reginaldo Ferreira Martins, 23 anos
92) Reginaldo Judici da Silva, 35 anos
93) Robério Azevedo Silva, 27 anos
94) Roberto Alves Vieira, 28 anos
95) Roberto Aparecido Nogueira, 27 anos
96) Roberto Rodrigues Teodoro, 24 anos
97) Rogério Piassa, 27 anos
98) Rogério Presaniuk, 24 anos
99) Ronaldo Aparecido Gasparino, 26 anos
100) Samuel Teixeira de Queiroz, 23 anos
101) Sandoval Batista da Silva, 23 anos
102) Sandro Roberto Bispo de Oliveira*
103) Sérgio Angelo Bonani, 22 anos
104) Stéfano Ward da Silva Prudente, 22 anos
105) Valdemar Bernardo da Silva, 32 anos
106) Valdemir Pereira da Silva, 20 anos
107) Valmir Marques dos Santos, 23 anos
108) Valter Gonçalves Caetano, 21 anos
109) Vanildo Luiz, 23 anos
110) Vivaldo Virgulino dos Santos, 28 anos
111) Walter Antunes Pereira, 28 anos