Por Mario Campagnani
Da Justiça Global
Em audiência realizada nesta sexta-feira, dia 19, em San Jose da Costa Rica, o Estado Brasileiro terá que explicar para a Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre as graves violações em seu sistema de privação de liberdade, tanto para adultos como para adolescentes, bem como sua política de encarceramento em massa.
As seguidas mortes e denúncias sobre a situação das pessoas presas no Brasil levaram os juízes da Corte a declarar que há indício de “um problema estrutural de âmbito nacional do sistema penitenciário”. Novos dados sobre as prisões brasileiras deverão ser divulgados durante a sessão, uma vez que o governo foi obrigado a responder 52 questões sobre a situação atual dos presos, como o número de torturas nesses espaços, assim como apontar 11 medidas concretas para superar problemas como a superlotação e o enfrentamento a facções criminosas nas unidades. A audiência ocorre a partir das 14h30m (horário de Brasília), com transmissão por meio deste site.
O documento é baseado em quatro Medidas Provisórias que atualmente estão na Corte – Complexo Penitenciário de Curado, em Pernambuco; Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão; Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro e Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS), no Espírito Santo. A Justiça Global é peticionária de três dos quatro casos (exceto o do Plácido de Sá), junto com outras organizações. Para a coordenadora da Justiça Global, Sandra Carvalho, a audiência “reflete entendimento da Corte Interamericana de que a situação de extrema violência nas unidades prisionais e socioeducativas é estrutural e verificada em quase todos os estados. Isso põe em questionamento a aposta política do Brasil no encarceramento em massa da juventude negra e pobre, cobrando do Estado uma ação mais consistente que vá no sentido do desencarceramento”.
Conheça os casos
UNIS (Espírito Santo) – A situação de tortura e maus tratos dos adolescentes na unidade socioeducativa do Espírito Santo vem sendo denunciada ao Sistema Interamericano desde 2009. Há relatos, inclusive, de abusos sexuais e de uso de técnicas de tortura semelhantes às utilizadas pelos Estados Unidos no Iraque e durante a ditadura militar no Brasil. Fotos comprovam marcas de agressões e o uso abusivo de algemas pelos agentes. Há também fotos feitas a pedido dos internos mostrando o local de tortura, num ponto cego da unidade que não é coberto por câmeras de segurança.
Segundo eles, os funcionários também desligam a água e deixam a luz dos alojamentos/celas acesa durante a noite como forma de tortura. Depois, os agentes fecham a portinhola das moradias, para que os internos fiquem com calor e sem possibilidade de hidratação durante horas. Os internos destacaram ainda o uso cada vez mais freqüente de gás de pimenta e bomba de efeito moral.
No último informe enviado pelos peticionários à Corte, um dos socioeducandos relatou que durante a ação de agentes, um dos meninos foi sufocado com um saco plástico cheio de gás lacrimogêneo e chegou a desmaiar. Desde 2011, a Corte emite resoluções exigindo a adoção de medidas para proteger a vida e a integridade pessoal de toda e qualquer pessoa que se encontre na UNIS. As medidas seguem vigentes e o Brasil vem descumprindo de forma sistemática por isso é convocado a prestar novas explicações sobre a permanência das violações.
Pedrinhas (MA) – As denúncias sobre esse complexo penitenciário vêm se acumulando ao longo dos anos. Há imposição de sofrimento físico e psíquico causado pelas más condições estruturais das unidades prisionais, entre elas falta de iluminação natural e artificial, da pouca ou nenhuma circulação de ar que atrelada a superlotação gera aumento na temperatura ambiente.
Além disso, em todas as unidades prisionais do complexo há denúncia de maus tratos e tortura por uso de armamentos menos letais, especificamente balas de borracha, que são disparadas dentro das celas superlotadas; uso de spray de pimenta, muitas vezes direcionado ao rosto dos internos; gás lacrimogêneo de diversos tipos. Os internos afirmam que toda e qualquer solicitação – desde um pedido simples para que sejam atendidos por algum profissional da área técnica até pedidos de socorro para pessoas que estão doentes ou passando mal – são respondidos com o uso desses equipamentos.
Há ainda pouca distribuição de água para ingestão e higiene do ambiente e roupas. Não há fornecimento de material de higiene pessoal ou vestimenta em tempo suficiente para garantir a sobrevivência digna das pessoas encarceradas. Houve casos de morte por dengue e constante infestação de insetos, ratos e mosquitos, o que coloca em risco não só a integridade dos sujeitos presos, como dos trabalhadores das unidades e visitantes.
Curado (Pernambuco) – Conhecido também pelo seu antigo nome, Aníbal Bruno, o Complexo do Curado é conhecido internacionalmente pelas graves violações de direitos humanos. A situação é tão grave que resultou na primeira visita da Corte Interamercana de Direitos Humanos a um presídio nas Américas, em junho de 2016. A superlotação extrema, falta de controle pelo Estado da referida Unidade, permanência da figura dos chaveiros(presos que têm o controle das unidades prisionais), tem levado à Corte a renovar sistematicamente suas medidas provisórias. Soma-se a esse quadro um número crescente de armas letais e menos letais em posse da população prisional, que tem resultado em mortes, tortura, e maus tratos. Há um déficit significativo de agentes penitenciários, mas mesmo sim há registros de violência cometida por estes contra internos.
Plácido de Sá Carvalho (Rio de Janeiro) – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) acolheu o pedido da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e determinou ao governo brasileiro que adote medidas a fim de solucionar a superlotação e problemas estruturais do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (IPPSC), que integra o complexo penitenciário de Bangu. A decisão foi proferida no dia 21 de julho de 2016. Vistoria do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria (Nuspen), em janeiro de 2016, revelou que o instituto penal operava bem acima da capacidade – com 3.478 presos para apenas 1.699 vagas. Na ocasião, foram constatados diversos problemas. Entre eles, atrasos na concessão de benefícios na Vara de Execuções Penais, falta de medicamentos, de material de higiene e até de água potável e de alimentação nutricional adequada.
Além da Justiça Global, a audiência na Corte contará com representantes das organizações peticionárias Conectas, Defensoria Pública do Rio de Janeiro e o Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra/ES. A sessão também terá a participação de membros da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).